Um dos países mais afetados pelo tarifaço imposto por Donald Trump, o Canadá vem buscando alternativas para reduzir os impactos dessa conta. E, nesse contexto, seu governo está convocando as instituições financeiras locais para reduzir a dependência econômica em relação aos Estados Unidos.
Mélanie Joly, ministra da Inovação, Ciência e Indústria do Canadá, disse que o país está pedindo aos fundos de pensão e instituições financeiras que fomentem investimentos e grandes projetos de infraestrutura domésticos para reativar a economia local, em entrevista ao jornal britânico Financial Times (FT).
“Conversei bastante com nossos bancos e fundos de pensão. Há um sentimento de que precisamos pensar primeiro no Canadá e que precisamos colocar o capital em prática”, disse Joly, citando a nova onda de “nacionalismo econômico”.
Nesse cenário, enquanto busca um volume adicional de 500 bilhões de dólares canadenses (US$ 356,4 bilhões) em novos financiamentos, o Canadá está recorrendo ao seu sistema previdenciário de 3 trilhões de dólares canadenses (US$ 2,1 trilhões) para impulsionar esses investimentos.
“Há muito tempo, os fundos de pensão afirmam que precisam fornecer retornos aos seus beneficiários”, afirmou a ministra. “Mas podem discutir com eles sobre o impacto em seu próprio país, em seu próprio ambiente, onde esses beneficiários vivem.”
Assim como o Reino Unido, o Canadá vem analisando como direcionar mais recursos dos fundos de pensão para projetos domésticos, a fim de combater a baixa produtividade e o baixo investimento empresarial no país.
Na outra ponta, em 2024, mais de 90 executivos canadenses assinaram uma carta aberta solicitando ao governo que alterasse as regras que lhes permitiria amplia os investimentos locais. No texto, eles ressaltaram que o valor alocado para participações no país caiu de 28%, em 2000, para 4%, em 2023.
Maior fundo do país, com 714 bilhões de dólares canadenses (US$ 509 bilhões) em ativos, o Canada Pension Plan Investment Board (CPP Investments), revelou que sua alocação total em ativos do país foi reduzida de 14%, em 2023, para 12%, em março deste ano.
Há, entretanto, quem mostre certa discordância desse chamado da ministra canadense. É o caso de Paul Beaudry, ex-vice governador do Banco do Canadá. Ele alertou que forçar os fundos de pensão a investirem localmente é muito perigoso, pois o risco é criar um tipo de “capitalismo de compadrio”.
Para Beaudry, o governo poderia identificar projetos socialmente benéficos ou empresas de médio porte que os grandes fundos ignoram para serem alvos desses investimentos. “Não sou contra a pressão, mas gosto que seja mais uma questão de incentivo do que de forçar.”
Enquanto esse debate acontece, a economia canadense encolheu mais do que o esperado no segundo trimestre, enquanto as exportações caíram 7,5% na comparação com os primeiros três meses do ano, muito em função das tarifas impostas pelos EUA, segundo a consultoria Statistics Canada.
Em uma outra tentativa de reverter esse quadro, o país também criou seu Escritório de Grandes Projetos com o objetivo de acelerar projetos locais de infraestrutura e estabelecer um ambiente de investimento favorável para os fundos de pensão e outras instituições financeiras.
O governo local também está reduzindo potencialmente o limite que impede que concessionárias de serviços públicos municipais atraiam mais de 10% de participação do setor privado, em particular, de fundos de pensão canadenses.
Nesse panorama, já há exemplos de fundos canadenses com uma alocação doméstica representativa. Esse é o caso do Healthcare of Ontario Pension Plan, com mais de 55% do seu total de ativos de 123 bilhões de dólares canadenses (US$ 87,6 bilhões) investidos no país.
Em outro exemplo, o Ontario Teachers Pension Plan, que tem 270 bilhões de dólares canadenses (US$ 192,4 bilhões) em ativos sob gestão, possui aproximadamente 36% desse volume alocado no mercado doméstico.
Em contrapartida, há fundos em que esse saldo segue bastante desfavorável. A CPP Investments, por exemplo, tem quase 50% de todos os seus ativos investidos nos Estados Unidos. E, ao que tudo indica, não há sinais de que essa conta necessariamente irá mudar com o chamado do governo local.
“Dezenas de formuladores de políticas têm comentado frequentemente nos últimos anos sobre acolher mais investimentos no Canadá, e nossa abordagem permanece inabalável e firme”, afirmou a CPP Investments ao Financial Times. “Agimos no melhor interesse dos contribuintes e beneficiários.”
Isso não significa que o fundo não olha para projetos locais. Em julho, o CPP Investments aportou 225 milhões de dólares canadenses (US$ 160,4 milhões) em um novo data center na cidade de Cambrige, Ontario. E investiu US$ 1,7 bilhão na Canadian Natural Resources, maior produtora de energia do país.
Em paralelo, parte desses fundos tem realizado a saída de alguns investimentos na América Latina e no Brasil. Conforme apurou o NeoFeed, em julho, o CPP Investments, por exemplo, encerrou sua operação de private equity na região, mas seguirá investindo no Brasil por meio dos seus fundos de infraestrutura.
O portfólio do braço de private equity do CPP no Brasil inclui ativos como a Inspira, rede educacional que tem como sócios o BTG Pactual e a Advent. E já envolveu nomes como a GPS, de terceirização de serviços e mão de obra, cuja participação, de 7%, foi vendida em maio, por R$ 700 milhões.
Quem também se desfez de um negócio no país foi o Caisse de dépôt et placement du Québec (CDPQ). Em julho, o fundo canadense vendeu a fatia de 50% que detinha na FiBrasil para a Vivo, em um negócio de R$ 850 milhões.
Há pouco mais de um ano, em outro movimento semelhante, o Ontario Teachers Pension Plan vendeu a participação que detinha na Multiplan, operadora de shopping centers, equivalente a 19,2% do capital social da empresa, por cerca de R$ 2 bilhões.