Claudio Galeazzi preferia enfrentar um problema a se fazer de vítima. No início da pandemia do coronavírus, o principal reestruturador de empresas do Brasil estava preocupado com as consequências para a saúde das pessoas e das empresas. Ele, que se envolveu com tantas recuperações de negócios, antevia uma crise séria e longa pela frente.

Foi o que, de fato, aconteceu. E nesse período ele descobriu um câncer, com o qual vinha lutando desde 2021. Morreu na noite de 2 de março, aos 82 anos.

Galeazzi se tornou o principal especialista em recolocar empresas deficitárias de volta à eficiência e, muitas vezes, livrá-las da falência. Criou a consultoria Galeazzi & Associados em 1995. Fizeram parte de sua trajetória Pão de Açúcar, BRF, Lojas Americanas, Cecrisa, Mococa, Artex, Grupo Estado, entre outros. Era obsessivo com os processos e não deixava escapar nenhum detalhe.

“O processo de transformação de uma empresa requer precisão cirúrgica no diagnóstico, determinação férrea (beirando a obsessão) na execução e resistência de aço para enfrentar a oposição que o projeto vai suscitar”, escreveu ele no livro “Sem cortes: Lições de liderança e gestão de um dos maiores especialistas do Brasil em salvar empresas” (editora Portfolio Penguin), escrito em parceria com o jornalista Joaquim Castanheira (1958-2019).

O executivo costumava explicar em toda entrevista que turnaround e reestruturação não eram palavras sinônimas. O turnaround era como cuidar de um paciente na UTI, enquanto que a reestruturação era um processo para adequar uma empresa a uma nova realidade de mercado e ganhar competitividade. Em ambos, porém, cortes eram necessários.

Por essa característica, Galeazzi ficou conhecido como mãos de tesoura. Ele era a figura desagradável dentro de uma empresa. Não era bem visto por funcionários e acionistas.

Num tradicional grupo empresarial, que acumulava um alto endividamento e precisava de renegociação financeira com bancos, Galeazzi precisou fazer um choque de gestão. O afastamento da família controladora do dia a dia do negócio era uma necessidade.

Mas um desses acionistas, incomodado e inconformado, enviou um e-mail antissemita para um dos consultores da equipe de Galeazzi, que conta ter refletido muito sobre o caso.

“Era uma misturava de raiva, discriminação e inconformismo com uma decisão que visava garantir o futuro do grupo. Indignado com a mensagem, refleti muito sobre o que fazer. O primeiro ímpeto foi questionar pessoalmente o acionista. No final, pedi a meu colaborador que relevasse a ofensa e seguimos em frente”.

Numa outra ocasião, durante uma reunião do conselho de administração de um grande fabricante de laticínios, Galeazzi notou que um dos conselheiros estava gravando as conversas sem avisar aos demais participantes.

“Furioso, levantei da cadeira e comecei a contornar a mesa em direção a ele. ‘Você está pensando em gravar a reunião e não avisa ninguém?’, perguntei. A turma do deixa-disso entrou em ação e evitou que saíssemos no braço. Ganhei um opositor implacável ao meu trabalho nos dois anos seguintes, mas isso não impediu o sucesso do projeto”

Embora tenha ganhado a fama de centralizador, Galeazzi era adepto a delegar tarefas. A ponto de sempre lembrar do complexo de Branca de Neve, uma definição criada por Julio Ribeiro, fundador da agência Talent - se você trata os executivos como anões, eles não vão crescer.

“Para delegar, você tem que confiar em você mesmo e ter coragem, pois você está transferindo para outra pessoa a necessidade de fazer acontecer”

Na nota distribuída pela família em sua homenagem, Galeazzi foi descrito como um líder que não se destacou apenas pela seriedade e pela obstinação, mas pelo lado humano, sabendo ouvir e encarar os problemas do presente e se preocupando em ajudar as pessoas nas situações difíceis.

“Do alto dos seus 1,84 metro, Claudio transmitia grande jovialidade em todas as suas relações. Algo que ele demonstrava em algumas atitudes da vida pessoal, como começar a surfar aos 70 anos. Também sempre foi reconhecido por ser dono de grande gentileza com os que o cercavam, adepto da vida saudável e dos esportes, e cativou a todos que tiveram o privilégio da sua convivência.”