A Comexport é uma gigante que todo mundo tem contato, mas pouca gente sabe quem é. A companhia está presente em cremes da L’Oréal aos carros de marcas como Mercedes-Benz e Toyota. A carteira de clientes tem mais de 100 marcas e os setores atendidos vão de automóveis ao farmacêutico, passando por cosmético, químico, eletrônico e aviação.
Além desse trabalho logístico, a empresa com projeção de receita de R$ 60 bilhões neste ano parte para uma nova fase: redefinir o parque industrial automotivo brasileiro com a primeira fábrica multimarcas do País.
Nos próximos dias, a Comexport anuncia o primeiro carro elétrico que terá seu modelo produzido na fábrica de Horizonte, no Ceará, adquirida pela companhia em agosto do ano passado. A empresa liderada por Alan Goldlust vinha negociando desde o início deste ano com marcas interessadas em montar seus veículos no Brasil.
“Esse contrato demorou mais do que o da fábrica, mas já vencemos as maiores divergências de vocabulário jurídico”, afirma Goldlust, em entrevista ao NeoFeed. “Estamos com os modelos estudados, faltavam algumas assinaturas.”
Assim como o lançamento de novos modelos é cercado de mistérios no setor automotivo, o nome da montadora é mantido em segredo. O que se sabe até o momento é que será uma marca bastante conhecida do consumidor brasileiro e não uma nova entrante.
Quando assinou o contrato de aquisição da fábrica da Ford que produzia os utilitários esportivos Troller, que estava desativada desde 2021, a Comexport se comprometeu a investir R$ 400 milhões para transformar o local em um polo multimarcas pioneiro no País.
Localizada a 45 quilômetros de Fortaleza, a fábrica tem de 127 mil metros quadrados (m²), dos quais 21 mil m² são destinados exclusivamente aos galpões de montagem. O investimento inicial pode aumentar, seja pela ampliação de galpões ou instalação de linhas adicionais.
A previsão é iniciar as operações em dezembro de 2025 com dois ou três modelos eletrificados - híbridos e 100% elétricos -, escalando gradualmente até a capacidade plena de 40 mil veículos anuais.
O diferencial do projeto está no conceito de "lançadeira multimarcas". Em vez de dedicar linhas inteiras a um único modelo, a mesma estrutura produzirá CKD (Complete Knock Down) de 10 a 12 mil unidades de diferentes veículos, reduzindo drasticamente os custos fixos.
Embora o Brasil tenha sido o mercado que mais cresceu entre os dez maiores do mundo em 2024, com aumento de 14,2% na venda de veículos novos na comparação com o ano anterior, a produção no País é pequena. No ano passado, foram vendidas 2,6 milhões de unidades. A China, por exemplo, vendeu 31,4 milhões de carros novos.
Isso significa que o mercado local tem limitações e o País não comporta fábricas inteiras dedicadas a séries pequenas. “O potencial do mercado brasileiro é de 3,5 milhões a 4 milhões de carros por ano. Quantos modelos você consegue fazer que sejam economicamente viáveis para uma fábrica? Não dá”, afirma Goldlust.
A ambição da Comexport vai além da produção. A estratégia de nacionalização é um dos pilares do projeto. Embora a montagem inicial seja feita com CKD importado, a Comexport planeja agregar valor ao nacionalizar componentes gradualmente.
"Importar o carro pronto sai mais caro e depende de variações cambiais. Montar aqui, ainda que demande investimentos, favorece o desenvolvimento local e um conteúdo nacional que tende a crescer anualmente", diz o CEO.
O modelo se mostra ainda mais relevante no contexto atual do setor. Segundo estimativa da Anfavea, em 2024 o Brasil importou cerca de 500 mil unidades, em sua grande maioria de propulsão elétrica e produzidos na China.
A fábrica multimarcas da Comexport surge como uma alternativa para nacionalizar essa produção, especialmente de veículos eletrificados.
Além disso, a ideia é atrair fornecedores da região Sul dispostos a realocar parte da produção para criar um minipolo de autopeças que atenda tanto as marcas que serão fabricadas pela Comexport como a Stellantis, que produz os modelos Jeep Renegade, Compass e Commander no complexo pernambucano de Goiana, e a BYD, que comprou a fábrica da Ford na cidade baiana de Camaçari.
"Queremos criar uma “Auto Tech Zone” no Ceará, reunindo montadoras, baterias, software e P&D. Só assim poderemos escalar a nacionalização e reduzir nossa dependência de importações", diz Goldlust.
Reinvenção forçada
O projeto inaugura um modelo de produção flexível inédito no Nordeste e marca a evolução natural da Comexport de trading para o setor industrial.
Em 2020, a receita da empresa foi de R$ 11 bilhões. No ano passado, chegou a R$ 58 bilhões, um aumento de 91,47% sobre 2023 - um salto impressionante para uma empresa que começou negociando fertilizantes, têxteis e produtos químicos.
"A Comexport deixou de ser trading que decide produto e preço. Viramos 5PL (Fifth Party Logistics): oferecemos logística, serviços fiscais e financeiros, armazenamento, retrabalho e financiamento, mas sem concorrer comercialmente com nossos clientes", diz Goldlust.
Quando cinco ou seis grandes grupos industriais brasileiros se juntaram no início dos anos 1970 para criar a Comexport, o objetivo era simples: exportar produtos têxteis para mercados sem cotas de importação.
"Várias indústrias se juntaram para exportar para mercados não contingenciados. Estávamos na China desde 1975-76, na Rússia, Hungria, Alemanha Oriental, Polônia - lugares onde podíamos vender produtos que não tinham cota."
A trajetória da empresa espelha as próprias transformações da economia global. Nos anos 1970, a Comexport chegava a exportar fibra sintética para a China - algo que hoje, com a posição chinesa de gigante manufatureiro, seria impensável.
A virada veio quando a empresa foi "espremida" do mercado de fertilizantes - uma das suas principais operações. "A gente trazia navios com 80 clientes. Hoje você tem quatro clientes que controlam 80% do mercado", conta o CEO. A consolidação do setor, com grupos russos comprando fornecedores globalmente, eliminou o espaço para intermediários.
Foi então que a Comexport se reinventou completamente, migrando do modelo de trading tradicional para um conceito de serviços integrados.
O tamanho da Comexport não tem passado despercebido. O NeoFeed apurou que a empresa tem recebido propostas de aquisição. XP, BTG Pactual e o grupo J&F teriam se interessado no fluxo de mais de US$ 10 bilhões que a companhia movimenta anualmente.
"Tem parceiros que vieram aqui e falaram: 'queremos comprar'. Mas não adianta, porque não queremos sair fora, queremos ficar juntos", afirma Goldlust. "Tem que ter sinergia de operação."
Capitalizada "em três vezes o necessário para operar", a Comexport não descarta alianças estratégicas, mas mantém autonomia para crescer para redefinir o parque industrial automotivo brasileiro.