Há exatos quatro anos, a Boeing encerrou, em uma decisão unilateral, o acordo para a constituição de uma joint venture com a Embraer na área de aviação comercial. As negociações para a parceria tinham sido iniciadas em 2017 e o desfecho das conversas não foi nada amigável.

Agora, as duas fabricantes podem entrar novamente em rota de colisão - em um momento em que a Boeing está atolada em problemas por conta da segurança de seus aviões e sob pressão de companhias áreas e órgãos reguladores.

Segundo o jornal americano The Wall Street Journal (WSJ), a Embraer tem planos de desenvolver uma nova geração de aeronaves de fuselagem estreita. Esses modelos, mais conhecidos no setor como narrow-body, incluem os jatos de corredor único.

O segmento é o de maior demanda na aviação comercial e é dominado, há anos, justamente pela Boeing, ao lado da franco-germânica Airbus.

De acordo com o WSJ, que cita fontes próximas à companhia, a disposição da Embraer de desafiar esse duopólio parte de avaliações internas, nas quais a fabricante brasileira entende que tem conhecimento tecnológico e capacidade de produção para ingressar nesse espaço.

Como parte desse processo, ainda em estágio inicial, a empresa já teria sondado potenciais parceiros de fabricação e de financiamento do projeto. Essas conversas incluíram fornecedores da Turquia, Índia e Coreia do Sul, além do Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita (PIF, na sigla em inglês).

Caso o plano evolua e saia efetivamente do papel, o projeto poderia levar, como é comum no setor, mais de uma década para chegar ao mercado. Assim, as aeronaves da Embraer despontariam como rivais dos modelos que irão suceder o A320, da Airbus, e do 737 MAX, da Boeing.

O 737 MAX, por sua vez, foi o estopim da crise em que a Boeing mergulhou há mais de cinco anos. Entre o fim de 2018 e o início de 2019, dois acidentes com o modelo vitimaram 346 pessoas, em um espaço de menos de cinco meses.

As investigações apontaram para uma série de falhas no projeto do 737 MAX, cuja operação ficou suspensa por cerca de dois anos. Os desdobramentos do caso colocaram em xeque a gestão, a capacidade de desenvolvimento e os resultados da fabricante americana.

Desde então, a Boeing vive um verdadeiro looping de turbulências com outros problemas envolvendo o 737 MAX e outros modelos do seu portfólio. O pacote envolveu desde processos de investidores, atrasos em entregas, balanços no vermelho e novos incidentes com suas aeronaves.

Em janeiro deste ano, em um dos exemplos mais recente desse contexto crítico da operação, um 737 MAX operado pela Alaska Airlines apresentou uma falha estrutural, perdendo parte da fuselagem e fazendo com que a porta de emergência se abrisse em pleno voo, a 4,9 mil metros de altitude.

O incidente precipitou novos questionamentos sobre a segurança dos modelos e mais uma série de acusações de negligência por parte da Boeing em seus projetos, entre outros imbróglios. Outros reflexos se traduziram no balanço da companhia no primeiro trimestre de 2024.

No período, a Boeing registrou um prejuízo de US$ 343 milhões e teve de reduzir sua produção para lidar com questões de qualidade e segurança. Nesse cenário, a empresa entregou 83 aviões no trimestre, uma queda de 36% sobre igual período, um ano antes. Para efeito de comparação, a rival Airbus entregou 142 aeronaves no mesmo período.

A junção de tantos problemas levou a algumas mudanças importantes no plano das lideranças da operação. Desde o fim de 2023, a Boeing anunciou a saída do CEO David Calhoun e a renúncia de Larry Kellner, presidente do Conselho de Administração, entre outras alterações em seus quadros.

No mercado de capitais, todo esse panorama também vem se materializando em perdas substanciais para a empresa. Em 2024, em linha com a tendência observada nos últimos anos, as ações da Boeing acumulam uma desvalorização de 35,2%, dando à companhia um valor de mercado de US$ 103,6 bilhões.

Após sofrer com as consequências da joint venture frustrada com a Boeing, efeitos que foram turbinados pelos impactos da pandemia, a Embraer, por sua vez, vive um momento exatamente oposto ao da fabricante americana, com sinalizações em sequência de uma recuperação.

Em seu balanço mais recente, a Embraer reportou um lucro líquido de R$ 973,7 milhões no quarto trimestre de 2023, contra R$ 120 milhões em igual período, um ano antes. Em 2023, a empresa apurou um lucro líquido de 784,4 milhões, revertendo o prejuízo de R$ 1,06 bilhão, registrado em 2022.

Na B3, a Embraer está avaliada em R$ 24,5 bilhões e seus papéis acumulam uma valorização de 48,95% em 2024. Já nos últimos doze meses, as ações da companhia brasileira registram alta de 71,73%.