A Ibrame, uma indústria brasileira que atua na comercialização e industrialização de metais não ferrosos, em especial cobre e seus subprodutos, entrou com uma ação de execução de uma dívida da V.tal na Vara Cível do Foro Central Cível de São Paulo, alegando que a empresa controlada por fundos geridos pelo BTG não cumpre um contrato de entrega de sucata de cobre.

A ação, à qual o NeoFeed teve acesso, refere-se apenas ao mês de julho de 2024 e equivale a R$ 13,7 milhões. Mas, no próprio documento, os advogados da Ibrame dão uma ideia de que essa é apenas a ponta do iceberg. Segundo o documento, a causa pode ultrapassar R$ 1 bilhão.

O valor foi calculado pelo NeoFeed com base na própria ação, que diz que um quilo de cabo equivale a R$ 10,64. Como a Ibrame alega que a própria V.tal, que é controlada por fundos geridos pelo BTG Pactual, admitiu que deixará de fornecer 110 milhões de quilos de cabos de cobre, o valor chega a R$ 1,170 bilhão.

“Seguindo as manifestações da própria V.tal, pode-se estimar que ela deixará de fornecer, aproximadamente, 110.000.000 (cento e dez milhões) de quilogramas de cabos ou 78.000.000 (setenta e oito milhões) de quilogramas de cobre contido no âmbito do contrato de fornecimento. Isso dá noções sobre a ordem de grandeza do inadimplemento”, informa um trecho da ação de execução.

A disputa envolve um contrato de “take or pay” no qual a V.tal teria se comprometido a entregar 176,4 milhões de quilos de sucata de cabos de rede de telecomunicações de cobre em instalações subterrâneas da Oi, que teve sua intervenção decretada na terça-feira, 30 de setembro. Trata-se de um projeto de reciclagem de cabos com o objetivo de obtenção do cobre contido nesses cabos e o seu emprego nos produtos industriais da Ibrame.

Um contrato de “take or pay” é um acordo comercial comum em setores de energia, gás natural, mineração e infraestrutura. Nesse acordo, o comprador se compromete a adquirir uma quantidade mínima do produto ou serviço. E, se não adquirir, mesmo assim deve pagar pela quantidade mínima acordada.

Esse contrato entre V.tal e Ibrame teria duração de 42 meses e as entregas começaram a ser feitas em janeiro de 2024. Mas, a partir do sexto mês, as entregas começaram a ser menores do que o planejado. E isso tem perdurado até então, de acordo com o documento.

A expectativa, de acordo com a ação, seria receber aproximadamente 4 milhões de quilos por mês de sucata de cobre. Mas isso nunca mais aconteceu a partir de junho de 2024. De acordo com o pedido de execução, de junho de 2024 até agosto de 2025, a V.tal deixou de entregar 24,7 milhões de quilos de sucata de cobre, o equivalente a 49,96% do contrato de “take or pay”.

Os percentuais não entregues vêm aumentando mês a mês. Em junho de 2024, o primeiro mês em que não teria cumprido as exigências, a V.tal teria deixado de entregar 1,295 milhão de quilos, o equivalente a 32,39%. Em agosto deste ano, não teria entregado 3,549 milhões de quilos, ou quase 90%.

“Em resumo, a V.tal vendeu para a Ibrame um volume mínimo de sucata e não pode agora querer se eximir dessa obrigação. Se a executada adquirirá esse volume da Oi ou de terceiros, trata-se de decisão que incumbe exclusivamente a ela, já que o contrato de fornecimento não contém qualquer previsão por meio da qual a devedora possa opor exceções pessoais à credora”, diz a ação.

O preço da tonelada de cobre no mercado internacional está acima de US$ 10 mil. Metal básico de cabos de telefonia, principalmente na época do telefone fixo, ele se transformou na matéria-prima fundamental da transição energética, amplamente utilizado em painéis solares, turbinas eólicas, veículos elétricos, baterias, transformadores e motores de alta eficiência.

A V.tal, por meio de nota, contesta a versão da Ibrame. “O contrato, no entanto, é claro e expresso no sentido de que o volume de sucata foi estimado com base em uma auditoria inicial por amostragem, não havendo declaração ou garantia por parte da V.tal acerca do volume efetivamente existente”, informa a nota (leia a íntegra abaixo).

E acrescenta que “para acomodar os elementos de imprevisibilidade e aleatoriedade do contrato, as Partes negociaram cláusulas que distribuíram os riscos entre si. Essas cláusulas incluem o pagamento de uma multa compensatória caso o volume previsto não fosse encontrado. A previsão dessa multa visa, justamente, distribuir o risco desse negócio entre as partes contratantes. A partir do pagamento da referida multa, a V.tal quita todas e quaisquer obrigações e/ou pendências relacionadas ao fornecimento do volume de sucata previsto contratualmente.”

Na nota, a V.tal também argumenta que “sempre agiu de boa-fé e de maneira transparente com a Ibrame e cumpriu rigorosamente os termos contratuais, incluindo os pagamentos previstos quando não foi possível atingir o volume originalmente estimado.”

A V.tal foi comprada por R$ 12,9 bilhões por fundos geridos pelo BTG Pactual em junho de 2021. Ela foi formada a partir da operação de fibra óptica da Oi, que ainda mantém uma fatia de 27,26% na empresa.

O plano era ser uma rede neutra de banda larga fixa para outras empresas de telefonia, que alugam a sua infraestrutura para fornecer serviços de internet de alta velocidade para clientes pessoas físicas.

Mas, ao longo do tempo, por estratégia ou por contingências de mercado, a V.tal foi avançando ou alterando o seu plano de negócios. Hoje, ela é formada por três “empresas”.

Uma delas é a V.tal, que segue com seu modelo de negócios de vender infraestrutura de internet para provedores de internet. A outra é a Tecto, unidade que atua com data centers. A terceira “empresa” é a Nio, que nasceu da compra dos clientes da Oi Fibra.

O plano da V.tal não era assumir a operação de banda larga de clientes finais da Oi, que tem 4 milhões de assinantes. Mas, por conta da falta de interessados no negócio da Oi, que está em recuperação judicial, acabou comprando por R$ 5,7 bilhões a Oi Fibra.

A Ibrame, por sua vez, foi fundada em 1957 no Estado de São Paulo. Hoje, conta com duas fábricas: uma em Joinville, em Santa Catarina, e outra em Itatiaia, no Rio de Janeiro.

O presidente da companhia é Luiz Pastore, que foi suplente de senador pelo MDB do Espírito Santo de Rose de Freitas – ele exerceu o mandato entre 2019 e 2022, quando a titular da vaga tirou licença.

Procurada, a Ibrame informou que não iria comentar.

A V.tal enviou a seguinte nota, que o NeoFeed publica na íntegra:

“A V.tal esclarece que em 2024 celebrou com a Ibrame contrato de fornecimento envolvendo sucata de cobre removida da rede legada da Oi. Esse Contrato prevê uma estimativa do volume total de sucata, que foi realizada com base em informações fornecidas pela Oi à época e em uma análise amostral da rede de onde a sucata seria removida. O contrato, no entanto, é claro e expresso no sentido de que o volume de sucata foi estimado com base em uma auditoria inicial por amostragem, não havendo declaração ou garantia por parte da V.tal acerca do volume efetivamente existente.

Nesse contexto, para acomodar os elementos de imprevisibilidade e aleatoriedade do contrato, as Partes negociaram cláusulas que distribuíram os riscos entre si. Essas cláusulas incluem o pagamento de uma multa compensatória caso o volume previsto não fosse encontrado. A previsão dessa multa visa, justamente, distribuir o risco desse negócio entre as partes contratantes. A partir do pagamento da referida multa, a V.tal quita todas e quaisquer obrigações e/ou pendências relacionadas ao fornecimento do volume de sucata previsto contratualmente.

Após assumir a operação, a V.tal constatou que o volume real de cabos disponíveis para extração era substancialmente menor do que o estimado. A esse respeito, a empresa sempre agiu de boa-fé e de maneira transparente com a Ibrame e cumpriu rigorosamente os termos contratuais, incluindo os pagamentos previstos quando não foi possível atingir o volume originalmente estimado.

Desde então, a empresa:

  • Comunicou formalmente a Ibrame sobre a limitação técnica;
  • Propôs renegociações contratuais de boa-fé;
  • Seguiu realizando entregas com o material efetivamente disponível;
  • Realizou o pagamento da multa relativa aos volumes não entregues;
  • E, inclusive, continuou fornecendo volumes à Ibrame por meio de contratos pontuais, aceitos pela própria empresa.

A empresa reafirma seu compromisso com a boa-fé contratual, a transparência e o respeito aos parceiros comerciais – e se mantém aberta ao diálogo para a construção de soluções sustentáveis.”