As portas fechadas durante um longo período da pandemia deixaram um saldo negativo que ainda está sendo pago por boa parte das empresas do varejo. No caso das redes brasileiras de vestuário e moda, esses impactos foram exacerbados com o avanço de plataformas chinesas como a Shein no País.
Mas há quem esteja conseguindo avançar após esse turbilhão. É o caso da Guararapes, dona da Riachuelo, que está dando mais um passo para acertar as contas com esse passado recente e arrumar sua casa.
Nesse contexto, a “parcela” mais recente do grupo foi quitada nessa sexta-feira, 27 de setembro, quando a Guararapes anunciou em comunicado que efetuou o pagamento de uma amortização extraordinária e facultativa de R$ 500 milhões relativa à sua 5ª emissão de debêntures, lançada em abril de 2022.
“Saímos muito machucados da pandemia, com uma dívida grande e tivemos que correr atrás”, afirma André Farber, CEO da Guararapes. Primeiro nome de fora do grupo nomeado para o cargo, ele assumiu em maio de 2023 e esteve à frente em boa parte do desafio, ainda em curso, de virar essa página.
“Ainda estamos nos reorganizando, mas tivemos muita disciplina financeira, de investimento e de execução nesses últimos dois anos, e liberamos muito capital de giro”, diz Farber. “Estamos saindo do peso da dívida e conseguindo adiantar um pagamento que não é nosso compromisso.”
Na nova operação, a Guararapes está amortizando uma dívida cujo duration era de aproximadamente um ano e meio e que figurava entre as mais caras contraídas pela empresa nos últimos anos. Com esse passo, o saldo remanescente a ser pago é de cerca de R$ 800 milhões.
Longe de algo pontual, a medida dá sequência a outras iniciativas recentes da companhia nessa direção. Levando-se em conta o ano de 2023 e o primeiro semestre de 2024, a Guararapes já havia liquidado antecipadamente cerca de R$ 690 milhões em debêntures.
“Com isso, já adiantamos um total de cerca de R$ 1,2 bilhão em pagamento e reduzimos nossa dívida bruta de R$ 3,8 bilhões, no segundo trimestre de 2023, para R$ 2,6 bilhões, no último trimestre”, afirma Miguel Cafruni, CFO da Guararapes.
““É uma redução de quase um terço. E, desse um terço, quase 65% vieram de pré-pagamentos de dívidas”, afirma o CFO, que abre espaço para mais operações. “A geração de caixa, o Ebitda e o lucro que estamos entregando nos credencia e dá conforto pra seguirmos nessa agenda de liquidações.”
Alguns números recentes sustentam esse discurso e a disposição para novos pré-pagamentos. Em 2023, por exemplo, a Guararapes alcançou uma geração de caixa recorde de R$ 1,02 bilhão. Os indicadores do segundo trimestre de 2024 reforçam os sinais favoráveis, que têm sido destacados por analistas.
No período, o grupo apurou um lucro líquido de R$ 57 milhões, revertendo o prejuízo de R$ 17,6 milhões registrado um ano antes. Na mesma base de comparação, a receita líquida consolidada cresceu 8,2%, para R$ 2,31 bilhões, enquanto o Ebitda teve alta de 50,6%, para R$ 359,7 milhões.
A dívida líquida, por sua vez, ficou em R$ 904,8 milhões, contra R$ 1,7 bilhão, um ano antes. Já a alavancagem foi de 0,7 vez, contra o patamar de 1,8 vez registrado no segundo trimestre de 2023.
“Nós aproveitamos muitos dos investimentos que fizemos nos últimos anos, sem desperdícios e com disciplina na execução”, afirma Farber. “Com isso, nós começamos a liberar muitos recursos.”
Um dos exemplos sob essa orientação foi a diminuição de 35 dias de estoque no último ano. Segundo Farber, apenas com essa medida, a Guararapes liberou um volume de R$ 350 milhões em capital de giro.
Esses números, ao que tudo indica, já estão se refletindo no mercado de capitais. As ações da Guararapes fecharam o pregão dessa sexta com alta de 1,38%, cotadas a R$ 8,09. No ano, os papéis registram uma valorização de 23,7%, dando à empresa um valor de mercado de R$ 4 bilhões.
Próximos passos
Para seguir nessa toada, os próximos passos da Guararapes têm como ponto central explorar as vantagens do modelo de cadeia integrada do grupo, que une produção, lojas próprias no varejo e a financeira Midway.
Em uma das diversas pontas em andamento na operação, a empresa tem feito um trabalho junto à sua cadeia de fornecedores que Farber chama de “harmonização de matérias-primas”, ao comprar estoques excedentes de materiais.
“Estamos estruturando uma cadeia de moda cada vez mais reativa, que consegue fazer melhor a leitura das tendências do consumidor e reagir mais rápido”, diz o CEO. “E se não tivermos matéria-prima, não reagimos. Estruturar isso e ter todos os processos bem concatenados não é uma tarefa fácil.”
Um segundo foco é o braço de tecnologia e de digitalização, que reúne 200 desenvolvedores e tem sido o alvo de mudanças recentes, como a estruturação de um time de mídia e performance, serviço prestado até então por terceiros. O grupo está investindo R$ 470 milhões na área em 2024.
Essa cifra é o ponto de partida para que o executivo introduza um dos temas nos quais têm sido uma das principais vozes nos últimos meses: a concorrência com as plataformas estrangeiras, em especial, as chinesas, que ele – e diversos outros nomes do setor – entendem como desigual.
“Apesar desse vento contrário governamental, estamos conseguindo manter nossos investimentos e crescer”, diz Farber. Ele entende que houve avanços a partir da aprovação da taxação de 20% sobre compras internacionais de até US$ 50. Mas eles não foram suficientes.
“A competição era incrivelmente desleal e, agora, virou muito desleal. Eles ainda pagam metade da nossa carga tributária”, afirma. “Houve uma evolução na direção certa, mas existe um populismo que faz com que não se tome outras medidas corretas.”
Nesse cenário, apesar de ressaltar que não há nada concreto nessa direção, ele não descarta que a Guararapes possa tomar a decisão de importar parte de sua produção.
“A nossa força é ser uma empresa de moda que entende o consumidor e o mercado local. E isso passa por entender também a cadeia de impostos”, observa. “E se ela privilegia a importação direta, também podemos fazer. Não fizemos até agora, mas isso é algo que sempre está sobre a mesa.”