Em novembro de 2022, a Hapvida anunciou que Irlau Machado Filho estava deixando o conselho de administração e o cargo de co-CEO da empresa, posto que assumiu no processo da fusão com o Grupo NotreDame Intermédica.

Com a reação negativa do mercado - as ações da companhia chegaram a cair 3,5% na data do anúncio - o grupo reavaliou essa decisão duas semanas depois, ao divulgar que o executivo permaneceria no board até 2024, além de integrar outros comitês da operação.

Três meses depois, a Hapvida voltou a acender um sinal de alerta no mercado. Dessa vez, porém, em uma dose muito mais forte. Suas ações abriram essa quarta-feira, 1º de março, em queda de mais de 20% e, por volta das 12h45, desabavam 35,86%, cotadas a R$ 2,88.

Com a baixa das ações, a empresa perdia, nesse horário, R$ 11,3 bilhões em valor de mercado apenas no pregão, chegando a um valuation de R$ 20,4 bilhões - antes da fusão, Hapvida e NotreDama valiam R$ 55 bilhões cada uma. Segundo o TradeMap, a perda em questão equivale à soma dos valores de mercado da OdontoPrev e da Dasa.

O estopim para esse recuo intenso foi a divulgação do resultado da empresa referente ao quarto trimestre de 2022. Entre outros indicadores, a Hapvida apurou um prejuízo líquido de R$ 316,7 milhões, contra um lucro líquido de R$ 200,2 milhões em igual período, um ano antes.

Impactada por questões como a maior frequência de utilização dos serviços, sazonalidade desfavorável e custos médicos mais elevados, a sinistralidade caixa da operação, por sua vez, avançou 8,1 pontos percentuais, para 72,9%. Já a sinistralidade total cresceu 9,7 pontos percentuais, para 76,9%.

Quais os "remédios"?

Com as ações despencando na B3, a conferência dos executivos da Hapvida com analistas sobre o balanço, nesta quarta-feira, se estendeu por quase duas horas. E, durante todo esse período, um dos aspectos mais questionados foi a sinistralidade da operação.

“Estamos olhando o futuro com otimismo e cautela necessários”, disse Jorge Pinheiro, CEO da Hapvida. “Foi um ano desafiador, em que tivemos uma sinistralidade controlada, mas acima das nossas expectativas e das nossas possibilidades.”

Na conferência, o executivo e seus pares usaram recorrentemente a expressão “principais remédios” para reforçarem que a empresa já tem planejado, a partir de uma revisão estratégica feita na virada do ano, os caminhos para consolidar um cenário mais favorável.

Uma boa dose desses remédios tem como ponto de partida a divisão da operação em três regionais. A primeira, mais ligada aos ativos e à presença original da Hapvida, antes da fusão. A segunda, centrada na atuação da NotreDame, especialmente em São Paulo.

Já a regional 3 abrange a região Sul e os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, mercados mais novos no mapa da Hapvida, abertos a partir de aquisições recentes feitas pelo grupo.

Segundo Pinheiro, cada uma dessas regionais tem seu nível de maturidade e, portanto, de velocidade de recuperação, por exemplo, das taxas de sinistralidade aos patamares históricos da empresa.

“Na primeira regional, onde já temos um alto nível de verticalização, esse processo de recomposição de margens vai ser mais acelerado”, observou. “Aqui, os dois principais remédios vão ser manter a disciplina no tíquete médio e nos reajustes.”

Na regional dois, a prioridade será recompor o tíquete médio e incrementar a verticalização. Um dos projetos destacados foi uma nova unidade de pronto atendimento no bairro da Barra Funda, em São Paulo. Além de consultas, a estrutura incluirá a área de diagnóstico e atenderá pequenos procedimentos.

“Ao mesmo tempo, há um segundo pedaço dessa regional, mais propensa ao uso de redes de terceiros”, ressaltou Pinheiro. “Temos hospitais em quase todas as capitais e outras cidades relevantes. Então, nesse ano, vamos começar a implantação desse portfólio no qual privilegiamos a nossa rede, onde temos mais controle, com menos exposição à rede credenciada.”

Já na terceira regional, mais recente e bem menos madura, a principal aposta residirá na verticalização e na integração e padronização de sistemas, processos e protocolos. Nessa direção, no segundo trimestre, o grupo vai inaugurar três unidades em Belo Horizonte, ampliando sua rede própria na região.

“Estamos seguros que, ao longo dos próximos trimestres, teremos a recomposição das nossas margens históricas”, disse Pinheiro. “E isso irá respeitar o tempo e os indicadores, inclusive, de novas aquisições. Acabamos de integrar a HB Saúde e já temos mais um acordo em curso.”

Além da verticalização e da menor exposição à rede credenciada, uma outra prioridade, segundo o CEO da Hapvida, serão os processos de precificação dos produtos e de reajustes dos planos. O plano é ser um pouco mais agressivo, claro, respeitando as características e riscos de cada segmento.

“Em PMEs, isso pode variar de 15% a 20%. Já no corporativo, um pouco menor, mas temos outras alternativas, como reduzir a rede, ampliar o nível de coparticipação”, disse. “No individual, será em torno de 10%, segundo cálculos de mercado. E, em alguns portfólios mais para o varejo, entre 12% e 15%, ou até mais, na faixa de 17% a 18%.

Mais números

Outros números que desagradaram ao mercado foi o fluxo de caixa livre. Ele foi negativo em R$ 223,6 milhões, sob o impacto de fatores como a variação negativa do capital de giro em R$ 483,1 milhões, em função, principalmente, do incremento de saldos a receber de clientes.

Em outra ponta, as despesas administrativas foram de R$ 1,17 bilhão entre outubro e dezembro de 2022, o que representou um crescimento de 147,3% em relação ao mesmo período de 2021. Já as despesas totais cresceram 130%, para R$ 1,6 bilhão.

No trimestre, a receita líquida da operação cresceu 10,9% na comparação anual, para R$ 6,5 bilhões. O Ebitda ajustado foi de R$ 598,7 milhões no quarto trimestre, o que representou um avanço de 52% em base anual. Já a margem Ebitda ajustada recuou 6 pontos percentuais, para 9,2%.

As ações da Hapvida encerraram o pregão de hoje cotadas a R$ 3,02, o que representou uma queda de 32,74%, conferindo à empresa um valor de mercado de R$ 21,6 bilhões. No ano, os papéis acumulam uma desvalorização de 40,5%.

A reportagem foi atualizada às 19h com os dados de fechamento da ação da empresa no pregão desta quarta-feira, 1º de março