Na segunda-feira, 22 de abril, a Dasa comunicou que Emerson Gasparetto estava deixando a operação. Com 13 anos de casa, ele liderava o negócio de hospitais desde 2019, quando a empresa de medicina diagnóstica se fundiu com a rede Ímpar, também pertencente à família Bueno, sua controladora.

O acordo, na época, resultou em um dos passos mais ambiciosos do grupo para ir além do seu negócio tradicional e criar um ecossistema de saúde. A saída de Gasparetto, por sua vez, é o capítulo mais recente de uma reestruturação na tentativa de “reanimar” a companhia e corrigir eventuais excessos nesse roteiro.

A busca por estender seus domínios se traduziu em uma expansão acelerada. Apenas em hospitais, a Dasa ampliou sua rede de 7 para 15 unidades, principalmente via M&As. Por outro lado, esse avanço se tornou um peso financeiro e operacional, com efeitos colaterais que colocam a empresa, já no curto prazo, numa encruzilhada.

Com uma alavancagem para efeito de covenants de 3,94 vezes, pouco abaixo do limite de 4 vezes, o grupo tem uma dívida líquida que soma R$ 9 bilhões, com pelo menos R$ 1,3 bilhão para amortizar neste ano. A companhia fechou 2023 com cerca de R$ 1,7 bilhão em caixa.

Nesse processo, administrar os passivos financeiros será um dos principais desafios no curto prazo, segundo analistas e gestores ouvidos pelo NeoFeed. Eles destacam que a nefasta combinação de crise do setor de saúde, juros elevados e as dificuldades para integrar os ativos tornam a tarefa do novo management, encabeçada por Lício Cintra, que assumiu o comando no começo de 2024, bem complexa. Ele substituiu Pedro Bueno, que estava à frente das operações desde 2015.

“Não sei o que vai ser da companhia”, diz um gestor que esteve vendido no papel até o começo do ano, mas desarmou recentemente a posição, e pediu para não ser identificado. “O maior descompasso que vejo no setor de saúde é em Dasa, porque a empresa tem ativos muito bons, mas são mal geridos, e o financeiro draga boa parte do valor do negócio.”

Diante dessa situação, as fontes ouvidas pelo NeoFeed avaliam que a Dasa tem, a princípio, três alternativas mais factíveis para aliviar o passivo financeiro. Todas elas carregam questões que exigirão uma dura reflexão da administração e dos controladores.

A mais complexa é a emissão de dívida, diante do aumento dos custos. Segundo um gestor, por conta da situação financeira, as dívidas da companhia têm sido negociadas a CDI mais 5% no mercado secundário, patamar que balizará uma nova emissão. Isso encareceria a dívida, cujo custo médio é de CDI mais 1,7%, segundo os dados do balanço.

“Se olharmos em fevereiro, antes da divulgação dos resultados, a dívida da Dasa estava sendo negociada a CDI mais 2%, o que era ok, permitia a ela emitir dívida”, diz.

A segunda alternativa seria vender ativos. Na call de resultados do quarto trimestre, a administração fala em “despriorizar” alguns ativos, como home care, sem falar abertamente em desinvestimentos, dando a entender que ativos maiores não devem ser levados a mercado.

A venda de ativos secundários, porém, não seria suficiente para dar um alívio significativo na parte financeira. “Acho que não moveria o ponteiro (no caixa, a questão da dívida), mas adicionaria foco da gestão no que interessa, já que esses negócios geram pouco movimento financeiro e consomem tempo”, diz Harold Takahashi, sócio da boutique de M&A Fortezza Partners.

Ele destaca ainda que o mercado não está comprador, o que dificultaria monetizar um ativo relevante por um bom preço. “Você fala com investidores grandes ou grandes players do mercado e eles dizem que o foco não é aquisições, a não ser que vejam os vendedores desesperados e consigam comprar muito barato”, afirma Takahashi.

Vender a Dasa para um terceiro é vista como a opção menos viável, além de ser descartada publicamente pela administração da empresa. “Por ser uma empresa de dono, com a família Bueno pagando caro para tomar o controle da Dasa e sem necessidade de liquidez no curto prazo, acho difícil a Dasa ser vendida”, diz Takahashi. “E acho que não tem ninguém disposto a pagar um cheque suficientemente grande para fazer a família considerar.”

A terceira “saída” para a Dasa, e que as fontes entendem ser a mais provável, seria fazer um novo follow on. No ano passado, a empresa levantou R$ 1,6 bilhão, com a família Bueno injetando R$ 1 bilhão e o BTG Pactual ficando com R$ 500 milhões.

Antes disso, em 2021, a companhia fez um re-IPO e levantou R$ 3,8 bilhões. Desde então, suas ações acumulam queda de 94%. Já em 2024, o papel registra uma desvalorização de 55,1%, dando à empresa um valor de mercado de R$ 3,2 bilhões.

Caso siga novamente pelo caminho do follow on, será preciso entender se os maiores acionistas estarão dispostos a se diluir – a família Bueno, considerando diversos veículos de investimentos, possui 79% da empresa e o BTG Pactual detém quase 7%.

Na operação do ano passado, a Dasa estabeleceu o preço por ação em R$ 8,50. Os papéis fecharam o pregão de quarta-feira, 24 de abril, em R$ 4,30. “Neste patamar, a empresa vai ter que emitir praticamente o dobro de ações para levantar o mesmo volume de dinheiro. Os acionistas topam uma diluição desse tamanho?”, diz o gestor.

Além disso, existem rumores de que há uma divisão entre os controladores sobre realizar um novo aporte de capital. “Alguns não querem mais colocar dinheiro na empresa, principalmente a Dulce”, diz outro gestor com posição vendida no papel, que também pediu para não ser identificado, se referindo a Dulce Bueno, que individualmente detém 4,78% da companhia.

Apesar dessa questão, um novo follow on é visto como a saída mais viável no curto prazo, com o management garantindo que a família Bueno pode injetar recursos para lidar com a questão da alavancagem.

Da teoria à execução

Remediar a questão financeira pelo lado operacional é uma alternativa considerada pouco plausível, pelo menos no curto prazo, considerando o delicado momento vivido pelo setor de saúde.

Depois de um período relativamente bom na pandemia, as operadoras e planos de saúde estão sofrendo. Se antes essas empresas se beneficiaram da redução dos procedimentos de alta complexidade, o que aumentou a rentabilidade, agora, estão sentindo as consequências do forte aumento do índice de sinistralidade e dos custos médicos, além da expansão do rol de procedimentos cobertos pelos planos de saúde.

Ao mesmo tempo, o número de beneficiários de planos de saúde permanece relativamente estável há dez anos, na casa das 50 milhões de pessoas, e os reajustes acabam não sendo suficientes para cobrir o aumento dos custos.

Para lidar com essa situação, algumas operadoras e seguradoras de saúde passaram a represar mais seus caixas, adiando prazos e endurecendo os pagamentos, gerando o aumento das chamadas glosas. A consequência é a deterioração do capital de giro das empresas e do consumo de caixa.

Um estudo da equipe de crédito da Polo Capital apurou que o prazo médio de recebimentos aumentou em até 30 dias entre o quarto trimestre de 2022 e os últimos três meses de 2023. “Isso significa dizer que, em bases anuais, é como se um hospital simplesmente tivesse perdido um mês de receita”, diz trecho do estudo.

No caso da Dasa, o prazo médio de recebimento subiu de 91 dias para 120 dias, com a queima de caixa passando de R$ 788 milhões para R$ 1,2 bilhão, segundo o estudo.

Olhando para os problemas enfrentados pela Dasa, é fato que o pacote pós-pandemia teve um peso relevante. Mas no diagnóstico das fontes ouvidas pelo NeoFeed, nem tudo pode ser atribuído a esse cenário. A própria Dasa cometeu erros que contribuíram para que o grupo ficasse mais fragilizado que seus pares.

Os principais equívocos apontados têm origem na tese e, principalmente, na execução da sua estratégia de M&As. Antes da virada do mercado, a Dasa foi um dos players que mais se movimentaram nessa arena. Entre 2019 e 2022, a empresa fechou mais de 30 transações.

“A Dasa era a maior rede de laboratórios do Brasil e já tinha a segunda maior rede de hospitais do Brasil, atrás apenas da Rede D’Or”, diz um gestor, que pediu anonimato. “E tinha uma dívida gigante. Mas, com os juros baixos, o mercado pressionou a empresa a fazer aquisições, porque a Rede D’Or estava ativa.”

Esses acordos em série incluíram desde ativos que ampliaram o portfólio e a capilaridade em medicina diagnóstica, inclusive fora do País, até negócios que expandiram a operação para diversas áreas. Entre elas, home care, gestão de saúde populacional, telemedicina, oncologia e, claro, hospitais.

“O setor ainda está lambendo as feridas, mas a Dasa é a mais machucada”, diz Takahashi. “As coisas começaram a sair do trilho quando eles tentaram criar um ecossistema e investiram em negócios que não foram necessariamente as melhores apostas.”

Outro questionamento tem origem na disputa intensa por ativos protagonizada pelos players do setor naquele período. O que fez com que os valuations de muitas dessas operações, em particular, os hospitais, fossem inflados. Esse foi o caso de alguns deals incluídos na cesta de M&As da Dasa.

“Houve um descasamento entre o quanto a Dasa gastou e os desafios incluído nessas aquisições”, diz Vinicius Figueiredo, analista do Itaú BBA. “No final, eles pagaram valuations acima de outros players por ativos que demandavam mais esforços e consumo de caixa para capturar as sinergias.”

As fontes também ressaltam que a empresa tentou acelerar sua expansão em hospitais. Mas que faltou conhecimento no segmento e que houve um erro de cálculo na execução de ter dois grandes negócios trabalhando lado a lado.

“No ar-condicionado do Leblon, da Faria Lima, a gente subestima a complexidade que é fazer uma integração de empresa, de cultura”, afirma outro gestor.

Um executivo do setor traz mais um exemplo de como a empresa não encarou essas incorporações da melhor forma. Segundo ele, a Dasa empilhava aquisições, mas não integrava todos os sistemas legados das companhias adquiridas, uma das etapas que costumam ser mais críticas nesses processos.

“Chegou um momento em que eles tinham dezenas de sistemas trabalhado em paralelo”, conta o executivo. “Esse é um sintoma de um problema maior. As integrações nunca foram, de fato, uma prioridade.”

Ao mesmo tempo, quando colocada em prática, a ambição de consolidar um ecossistema não surtiu os efeitos desejados. Essa percepção passa, por exemplo, pelos resultados gerados por negócios em novas áreas, como a Nav, plataforma de gestão de saúde.

“Apesar de terem feito muita espuma, plataformas como a Nav atraíram muitos usuários, mas que não pagam nada pelos serviços”, afirma o mesmo executivo. “São operações que queimaram muito caixa, mas que eles não souberam como monetizar.”

A estratégia também não vingou na oferta de serviços integrados de medicina diagnóstica e hospitais para os planos de saúde. Especialmente quando a Dasa tentou estender os preços praticados em seus mercados tradicionais aos hospitais das regiões nas quais passou a ter presença.

Isso se deu, em parte, pelos balanços também pressionados das operadoras de planos de saúde no pós-pandemia. E, em outra frente, pela dificuldade mostrada pela empresa em empacotar essas ofertas para levá-las ao mercado.

“Houve idas e vindas nessa estratégia. E tocar esses dois negócios – diagnósticos e hospitais – se mostrou muito complexo no dia a dia”, diz Figueiredo, do Itaú BBA. “No final, quem melhor surfou a onda de aquisições, em hospitais, foi a Rede D’Or. E, em diagnósticos, o Fleury.”

O percurso seguido pelo Fleury nos últimos anos também é usado como um contraponto à tese e aos resultados obtidos pela Dasa. O rival também não economizou em aquisições, mas se manteve mais próximo do seu escopo tradicional, sem entrar, por exemplo, em hospitais.

Uma de suas principais tacadas veio em junho de 2022, quando o grupo anunciou a fusão com o Hermes Pardini, em uma transação cujo valor foi estimado em R$ 2,5 bilhões. O negócio foi aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em abril de 2023.

“Juntos, Fleury e Pardini passaram a Dasa, que era a líder em volumes desse mercado”, afirmou outro executivo da área de saúde. “E, além de perder esse protagonismo em seu core, a Dasa não se tornou a maior rede em hospitais. E, nesse momento, nada indica que se tornará.”

Takahashi, da Fortezza, faz uma ressalva sobre todo esse contexto. “Isso não quer dizer que a família, especialmente o Pedro Bueno, e os conselheiros sejam incompetentes”, diz. “A tese poderia ter dado certo. Eles se arriscaram, mas tiveram o azar de pegarem, na sequência, o pior momento do mercado.”

Nesse cenário, as trocas recentes na gestão dividem opiniões. De um lado, alguns dos sinais já emitidos, como a redução do capex, a reavaliação de ativos não core e o foco em diagnósticos, hospitais de alta complexidade e oncologia, são vistos como positivos. Mas há, em contrapartida, algumas ressalvas.

“As novas lideranças são pessoas que têm um bom histórico em saúde e como executivos em outras empresas”, afirma Takahashi. “Ao mesmo tempo, todos esses nomes têm pouca experiência de Dasa”.

Já para um dos gestores, todas essas mudanças e alta rotatividade recente observada nos cargos de liderança geram incertezas e mostram uma empresa que ainda precisa definir seu rumo.

“A Dasa iniciou 2023 com novos CEO e CFO. Esse último posto já tinha sido trocado há dois anos”, diz. “E, agora, o Gasparetto acaba de sair. Ele era a última referência que o mercado tinha lá dentro de alguém que sabia o que aconteceu nos últimos anos.”

Procurados, a Dasa e o BTG Pactual não se manifestaram até o fechamento desta reportagem.