Os FIDCs saíram do ostracismo do mercado nos últimos anos para se tornar um dos protagonistas. Com um patrimônio líquido de R$ 727 bilhões, de acordo com a Anbima, seu tamanho dobrou desde 2022 e quadruplicou desde 2020.
Nos últimos anos, os fundos de crédito estiveram entre os principais compradores dessa indústria, por verem nos FIDCs uma alternativa mais rentável em relação às debêntures tradicionais, que há anos têm pago spreads pouco atrativos.
Mas, diante do aumento da inadimplência, o mercado tem ficado mais cauteloso em investir nesses fundos. As preocupações partem especialmente de gestores de crédito ouvidos pelo NeoFeed, que se dizem mais seletivos na escolha dos FIDCs.
Dados da plataforma Uqbar mostram uma alta de 19% da inadimplência dos FIDCs em relação ao início do ano. Os números desconsideram os fundos de recuperação de crédito, em que a massa de atrasos é, por natureza, maior.
São R$ 28,6 bilhões de crédito em atraso de uma carteira de R$ 505 bilhões. Desse valor, a maior parte vem de FIDCs de crédito pessoal, que representam 41% do volume total de atrasos e apenas 18% da carteira. Nessa categoria, 13,5% do crédito está em atraso, com aumento da inadimplência em 24% entre janeiro e outubro, para R$ 11,8 bilhões.
Nos FIDCs de crédito pessoal estão incluídas uma série de estruturas de financiamento voltadas para pessoas físicas, de consignados públicos a empréstimos sem garantias para negativados.
Alfredo Marrucho, sócio da Uqbar, explica que, por muitos fundos serem novos, ainda há um risco significativo desses volumes aumentarem conforme forem amadurecendo os ciclos de crédito desses fundos.
“Como muitos FIDCs ainda são recentes, os indicadores atuais de inadimplência não capturam plenamente o risco das carteiras. É tudo maravilhoso no começo, mas com o aumento da carteira e do histórico, começam a aparecer problemas de originação”, diz Marrucho.
Com crescimento acima da média da indústria, a carteira de FIDCs de crédito pessoal aumentou em mais de cinco vezes desde 2020, quando os juros estavam em patamares baixos. A maior parte dessa inadimplência em crédito pessoal, segundo Marrucho, deriva de operações sem garantia.
Neste ano, porém, sua expansão acumulada até outubro era de 30%, segundo dados da Uqbar, contra 35% de alta da indústria como um todo, revelando maior cautela por parte dos investidores e originadores.
Paulo Machado, head de crédito da Drýs Capital, afirma estar fazendo um esforço extra na análise de FIDCs desde junho, quando a taxa Selic chegou ao pico de 15%. “Tem gestor que aprova qualquer coisa porque está tendo taxa, mas estamos sendo absurdamente conservadores.”
Um levantamento exclusivo feito pela Uqbar a pedido do NeoFeed mostra que, entre os FIDCs de crédito pessoal que tiveram maior alta dos níveis de inadimplência no ano, estiveram o da Jeitto, que passou de 36,2% para 81,4% de inadimplência, e o da Blipay, com alta de 10,3% para 41%.
O caso da Jeitto, já noticiado pelo NeoFeed, envolve operações de empréstimos para população de baixa renda, mais sensível à piora do cenário macroeconômico.
O FIDC, alvo da maior inadimplência, é o maior entre as estruturas de financiamento da Jeitto, com R$ 481,7 milhões de patrimônio líquido. Já a Blipay, com FIDC de R$ 81 milhões de patrimônio líquido, atua em crédito pessoal e antecipação de salários.
Em termos nominais, destacam-se os casos da Investcred, com R$ 1,6 bilhão em atrasos de uma carteira de R$ 2,4 bilhões, e o da Payjoy, de financiamento de smartphones para negativados, com R$ 544 milhões inadimplentes de uma carteira de R$ 958 milhões.
“O crédito pessoal sem garantia tende a ter um nível de atraso maior quando comparado a modalidades como o consignado. Não é que todos sejam ruins, mas é preciso olhar com cuidado a estrutura, a originação e o histórico”, afirma Marrucho.
Um gestor, responsável por R$ 4 bilhões em estratégias de crédito, avalia que esse cenário ainda pode se deteriorar. “Uma certeza que tenho é que a inadimplência vai aumentar, porque tem uma relação com a taxa de juros e ela ainda está defasada. Vemos isso pegando muito em pessoa física e pequena e média empresa”, afirma esse gestor.
Com a maior cautela em relação aos FIDCs de empréstimos sem garantia, o que sustentou a expansão da categoria no ano foram os financiamentos do consignado privado — popularizados a partir da flexibilização das regras para a concessão desse tipo de crédito por fintechs e financeiras.
Embora a novidade tenha atraído parte da indústria, Machado, da Drýs Capital, afirma que tem mantido uma cautela extra com essa classe de FIDCs.
“O consignado privado, na metodologia atual, é muito recente. Não tem nem 12 meses de histórico e já estão estruturando FIDC de cinco ou seis anos”, diz Machado. “A inadimplência está baixa, mas isso não significa muita coisa. Simplesmente, não deu tempo estatístico para o estresse aparecer. Não sabemos como esse crédito irá se comportar se houver um volume relevante de demissões."
O NeoFeed procurou a Blipay, InvestCred, Jeitto e PayJoy, para comentar os dados de inadimplência de seus FIDCs, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.