Foram sete anos de tramitação no Congresso e, com o calendário eleitoral, a perspectiva era de que essa agenda fosse novamente prolongada. Mas, no apagar das luzes de 2022, veio, enfim, o sinal verde para o Marco Regulatório dos Criptoativos.

Nesta quinta-feira, 22 de dezembro, o Diário Oficial da União publicou a sanção, sem vetos, para a Lei n° 14.478, que reúne esse novo arcabouço e que havia sido aprovada na Câmara dos Deputados em 29 de novembro. Agora, a regulação terá 180 dias contados a partir de hoje para entrar em vigor.

“Hoje, o mercado local de cripto ganhou um campo com as quatro linhas pintadas, delimitando o espaço para que a gente possa ter os players de ativos digitais no jogo e, o mais importante, com um juiz”, diz Julien Dutra, diretor de relações governamentais do grupo 2TM, holding do Mercado Bitcoin.

Para o executivo, o colapso recente da exchange FTX contribuiu para que o tema ganhasse velocidade e obtivesse, enfim, o aval dos reguladores no País. Sob acusações de fraude e problemas de governança, entre outras questões, a empresa pediu proteção contra falência nos Estados Unidos e afetou outros nomes do setor.

“Outro ponto positivo foi a consciência de que não daria para pesar a caneta em cima da tecnologia em si”, diz Dutra. “O marco tem princípios norteadores em áreas como prevenção de fraudes e de lavagem de dinheiro. Ao mesmo tempo, traz mais segurança a operadores e investidores, mas sem amarras.”

Com operações no País, a Binance também se manifestou de forma positiva em relação ao marco. “Um ambiente regulamentado pode apoiar a inovação e é fundamental para estabelecer confiança no setor e o crescimento de longo prazo”, ressaltou a empresa, na nota, acrescentando que a lei coloca o Brasil na “vanguarda” dos debates para permitir que o setor se desenvolva de forma sustentável.

Em comunicado, a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto) observou que o marco regulatório é de “extrema importância”, pois determina regras claras quanto às responsabilidades das empresas e do futuro regulador.

A referência ao “futuro regulador” se explica pelo fato de que, apesar da sanção, ainda não está definido a quem caberá responder pela regulação desse mercado. A expectativa é de que esse papel seja reservado ao Banco Central, com algumas atribuições sob a esfera da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Para as fontes consultadas pelo NeoFeed, independentemente dessa definição, o marco já traz um bom ponto de partida e caminhos que, gradativamente, serão aperfeiçoados pelo órgão que exercerá essa função.

“O Brasil está dando um passo muito grande, porque o marco traz pontos que tiram do limbo muitas das discussões que dominam o setor no mundo”, diz Bruno Diniz, sócio da Spiralem, consultoria que atua na área de inovações do mercado financeiro.

Em um desses pontos, a lei estabelece a exigência para que as empresas que operem nesse mercado no Brasil tenham sede no País. O marco também prevê punições na esfera criminal. Entre elas, multa e pena de quatro a oito anos de prisão para fraudes praticadas a partir de ativos virtuais.

“Há mecanismos para o Ministério Público, a Polícia Federal e demais autoridades atacarem diretamente quem está cometendo fraudes”, diz Dutra. “E, no plano da lavagem de dinheiro, a lei estabelece a obrigação de relatar ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) qualquer operação financeira suspeita.”

Se, a princípio, há uma convergência no mercado sobre os aspectos positivos inerentes ao marco, da mesma forma, parece haver um consenso sobre um componente, em particular, que ficou de fora do texto aprovado e que está diretamente ligado, por exemplo, à derrocada da FTX.

Trata-se da questão da segregação patrimonial, tema que versa, na prática, sobre a separação do patrimônio dos investidores e dos ativos das exchanges do setor, e que serve como proteção aos clientes, ao assegurar que seus recursos não sejam usados por essas corretoras.

“Nós defendemos essa regra até os 48 minutos do segundo, assim como o próprio Banco Central”, ressalta Dutra, da 2TM. “Mas a visão do relator foi de que a segregação poderia ser uma barreira para um setor que ainda está nascendo, dado que geraria um custo operacional maior para novos entrantes.”

Ele observa, porém, que a partir da base estabelecida pelo novo marco e da definição de quem irá regular o setor, essa será uma questão que certamente voltará à mesa e estará entre as prioridades do “xerife” em questão.

Quem também trabalha com essa perspectiva é Diniz, da Spiralem. E, no saldo entre pontos positivos e eventuais pendência, ele entende que esse novo arcabouço cria condições favoráveis para o avanço sustentável do mercado brasileiro de ativos digitais.

“Isso vai dar mais clareza e reforça uma convergência que já vinha acontecendo entre o mercado financeiro tradicional e o mercado cripto”, afirma. “Há diversas iniciativas, por exemplo, de tokenização de ativos e muitas instituições, como o Itaú Unibanco, estão entrando nesse jogo.”

Ao mesmo tempo, ele destaca que essa regulação vai ao encontro e fortalece a agenda de inovações financeiras que o Banco Central já vem incentivando nos últimos anos e que prevê mais novidades em breve.

“Além dessa discussão regulatória e de inovações recentes como o open finance e o Pix, o Brasil tem o real digital com data marcada para ser lançado, em 2024”, diz. “Todos esses elementos somados e encaixados sob um mesmo guarda-chuva, colocam o Brasil na vanguarda da economia tokenizada.”