Em 2024, a China se tornou o maior exportador mundial de veículos, inundando o mercado global com 6,4 milhões de unidades, a maioria de carros elétricos, um aumento de 39% em relação a 2023. Mas essa "invasão" tem outras peças importantes.
Um dado revelado agora mostra que, além de conquistar mercados nos cinco continentes, as montadoras chinesas estão acelerando sua expansão global com a instalação de fábricas em diversos países fora da China.
Pela primeira vez desde que os registros começaram em 2014, a cadeia de suprimentos de carros elétricos chineses investiu mais fora do país do que localmente no ano passado. É o que mostra relatório da consultoria americana Rhodium Group, divulgado na segunda-feira, 18 de agosto.
A maior parte do investimento estrangeiro anunciado, ou 74%, foi em fábricas de baterias, segundo o relatório. No entanto, a consultoria constatou que o investimento em fábricas de montagem no exterior também estava “crescendo rapidamente”.
Pelo menos nove montadoras chinesas contam com fábricas instaladas ou projetos anunciados no exterior – seis delas no Brasil.
De acordo com o relatório, o investimento doméstico da indústria chinesa de carros elétricos em manufatura vem caindo drasticamente desde 2022, quando atingiu o pico de mais de US$ 90 bilhões. No ano seguinte caiu para de US$ 41 bilhões, fechando em 2024 com nova baixa, para US$ 15 bilhões.
Embora o investimento estrangeiro tenha permanecido muito menor, ele “superou por pouco” os níveis nacionais em 2024 pela primeira vez, disse o relatório, sem compartilhar um número exato.
Três fatores explicam essa invasão da cadeia de suprimentos dos carros elétricos fora da China. Um deles representa uma típica estratégia de mercado – aumentar os investimentos no exterior pode ajudar as empresas chinesas a conquistarem o apoio de governos estrangeiros para expandir suas vendas.
As outras duas são reativas ao momento atual da economia global. Os planos de gastos surgem em um momento em que as montadoras chinesas enfrentam intensa concorrência interna e tarifas mais altas sobre as exportações.
“A crescente resistência regulatória em mercados anfitriões como a UE está aumentando as barreiras à entrada e levará mais empresas chinesas a estabelecer operações de fabricação locais”, revela o relatório da Rhodium.
Projetos ameaçados
O setor automotivo foi o segundo mais ativo em investimentos chineses no exterior no segundo trimestre deste ano, de acordo com um estudo separado da Rhodium divulgado no final de julho. O setor de materiais e metais ficou em primeiro lugar.
“Registramos uma atividade acima do normal por parte de fabricantes de peças para veículos elétricos, com oito transações que ultrapassaram US$ 100 milhões”, afirma o relatório de julho. “A maior delas foi liderada pela GEM, uma fabricante chinesa de materiais para baterias, que investiu US$ 293 milhões para expandir sua fábrica de precursores ternários na Indonésia.”
Um detalhe do relatório chamou a atenção. Apenas 25% de todos os planos de fabricação no exterior anunciados pela indústria chinesa de carros elétricos foram concluídos, muito abaixo da taxa de 45% para aqueles no país. Segundo a consultoria, projetos fora do país têm duas vezes mais chances de serem cancelados.
“As empresas chinesas também terão que lidar com a crescente preocupação do governo do país com o vazamento de tecnologia, perdas de empregos e esvaziamento industrial, o que pode resultar em controles mais rígidos sobre investimentos externos em setores estratégicos”, acrescenta o relatório.
A divulgação do levantamento da Rhodium Group ocorre quando vários projetos de fábricas de montadoras chinesas no exterior anunciados nos últimos anos começam a operar. O Brasil, nesse aspecto, tem grande destaque.
A BYD, por exemplo, líder global em veículos elétricos, tem plantas operando ou próximas de inauguração na Tailândia, Indonésia e Hungria, além da planta inaugurada em julho em Camaçari (BA).
A Chery tem parceria com a Caoa para produção em Goiás, além de fábrica na Indonésia. A GWM acaba de abrir a linha de produção de uma fábrica em Iracemápolis (SP) e se prepara inaugurar uma planta no México.
Outras duas montadoras já anunciaram vão produzir carros elétricos por aqui. A GAC vai investir R$ 7,6 bilhões na fábrica de Catalão (GO) a partir de 2026 e a Changan fez parceria com a Caoa para utilizar sua planta no Distrito Industrial de Anápolis (GO) para montar os veículos da marca chinesa.
A rigor, as montadoras chinesas fazem de tudo para aproveitar no exterior o excesso de oferta de carros elétricos nacionais no mercado doméstico.
Em 2024, foram exportados 1,397 milhão de unidades do segmento de Veículos de Nova Energia (NEVs), que incluem elétricos e híbridos plug-in. Em 2025, até julho, já foram 1,31 milhão de NEVs exportados, representando mais de 1/3 do total.
O Brasil foi o segundo maior importador de NEVs da China em 2024, com 136.112 veículos, atrás apenas da Bélgica.