O caso do Banco Master reacendeu a discussão sobre a responsabilidade das agências de classificação de risco em suas avaliações e na comunicação ao público.
Mesmo com questionamentos sobre a sustentabilidade de seu modelo de negócios, muito antes da situação se deteriorar, o Master contava com rating em grau de investimento, o que permitia que fundos, empresas e pessoas físicas investissem na instituição de Daniel Vorcaro.
Esse argumento foi levantado recentemente pela Rioprevidência. Diante das críticas por ter investido cerca de R$ 960 milhões em letras financeiras do banco, o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) do Rio de Janeiro destacou que o Master detinha grau de investimento.
No ano passado, período em que a Rioprevidência aplicava nesses títulos, a Fitch Ratings atribuiu ao Master a nota “A-(bra)” na escala nacional de longo prazo, indicando alta qualidade da dívida e da empresa.
Segundo o fundo, a nota atestava a “solidez financeira e a credibilidade institucional” do banco, embora o rating de longo prazo em moeda estrangeira e local fosse “B+”, o que, segundo a metodologia da Fitch, representa “risco significativo de inadimplência, com margem de segurança limitada”.
A Rioprevidência não foi a única. Segundo levantamento do Ministério da Previdência, outros 17 RPPS — de um total de 2,1 mil existentes no País — investiram nos títulos, somando R$ 1,8 bilhão. Esses fundos devem enfrentar prejuízos, já que as letras financeiras não são garantidas, diferentemente dos CDBs.
O caso reacende o debate sobre os limites e responsabilidades das agências de rating, discussão que remonta à crise do subprime em 2008, nos Estados Unidos, quando ativos de alto risco receberam notas elevadas, gerando dúvidas sobre a atuação dessas empresas.
No caso do Master, surgiram questionamentos semelhantes. Além do formato de captação, o mercado demonstrava preocupação com a participação do banco em fundos de investimento e FIDCs, a baixa transparência nos resultados dessas aplicações, investimentos em ativos de pouca liquidez — como precatórios — e seu estilo agressivo de M&As, gerando dúvidas sobre a avaliação da Fitch.
“Carregar FIDC, cota de ação, fundo de ação prejudica muito o capital, pois no cálculo do ativo ponderado pelo risco, o peso é maior. Por isso, normalmente os bancos evitam esse tipo de ativo”, diz Pedro Ávila, analista da Varos Research.
Para Armando S. Mesquita Neto, sócio da banca A. Mesquita Advogados e especialista em compliance pelo Insper, o rating é uma opinião sobre risco de crédito num dado momento, baseada em informações disponíveis - muitas vezes fornecidas pelo próprio emissor - e não uma auditoria forense do balanço.
Segundo ele, a jurisprudência considera o rating uma “opinião especializada”, não uma garantia de solvência, e só admite responsabilização quando há omissão diante de sinais evidentes, uso de metodologia inadequada ou negligência com informações relevantes.
“No caso do Banco Master, ainda estamos no início das investigações. Falar em culpa das agências agora seria precipitado”, afirma o especialista em compliance.
Para Mesquita, o episódio expõe três fragilidades estruturais: assimetria de informação entre bancos emissores e agências; potenciais conflitos comerciais, já que o avaliado paga pela avaliação; e a dificuldade de detectar, em tempo real, esquemas sofisticados de manipulação de carteiras de crédito.
“Em última instância, o caso reforça que investidores institucionais e reguladores não podem ‘terceirizar’ a diligência às agências de rating. Elas são um insumo relevante, mas claramente insuficiente para evitar fraudes dessa magnitude”, diz ele.
Procurada pelo NeoFeed, a Fitch afirmou que suas classificações refletem a aplicação rigorosa da metodologia pública da agência, baseada em informações disponíveis e verificáveis no momento da análise.
“A Fitch não audita os balanços - utiliza os documentos auditados dos emissores. Os ratings são limitados em relação a eventos imprevistos (como fraudes, desastres naturais ou ataques cibernéticos), que ficam excluídos até se tornarem explícitos”, informou.
A agência destacou que o rating do Master começou a mudar em outubro do ano passado. A rejeição da compra pelo BRB levou ao rebaixamento dos ratings em 9 de setembro: na escala nacional, para “BB-(bra)”, e na internacional, para “B-”.
A deterioração da liquidez, da estrutura de captação e o atraso na publicação das demonstrações financeiras levaram a novo rebaixamento em 14 de outubro, para “CC” em ambas as escalas.
Na quarta-feira, 19 de novembro, a Fitch rebaixou todos os ratings do Master — nacional e internacional — para “D”, em razão da liquidação extrajudicial do banco.