A sexta-feira, 14 de julho, pode ser o marco da virada da Light. A empresa privada de geração, distribuição e comercialização de energia elétrica está com o seu plano de recuperação judicial preparado para apresentar aos credores. A grande questão é como ele será recebido, em meio a uma disputa de narrativas entre as partes.

Nos últimos dias, a companhia vinha sendo pressionada, inclusive pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a divulgar o seu projeto de equilíbrio econômico-financeiro. A Light decidiu esticar ao máximo o prazo estipulado pelo juiz Luiz Alberto Carvalho Alves, da 3ª Vara Empresarial da Capital do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).

Ao aceitar o pedido de recuperação judicial da Light, em 15 de maio, o magistrado determinou que o plano de reorganização financeira e o pagamento aos credores deveria ser apresentado em até 60 dias.

Os gestores da Light, companhia que se encontra com um endividamento de R$ 11 bilhões, querem dar um passo adiante nessa resolução e minimizar a tensão criada com parte dos credores, apurou o NeoFeed. Nesta sexta-feira, o novo conselho de administração deve ser divulgado junto ao plano e as opções de pagamento da dívida.

“Mas em uma recuperação judicial todo mundo vai ficar chateado. Não tem como sair feliz. O que precisa ficar claro é que o essencial é salvar a organização”, diz uma fonte que está por dentro das negociações pelo lado da empresa.

Algumas das fontes com as quais o NeoFeed conversou nos últimos dias dizem que os gestores da Light buscaram usar esses 60 dias para tentar compor com alguns credores, em especial os bondholders, que detêm cerca de US$ 600 milhões em papéis da geradora e da distribuidora.

Internamente, a empresa está segura que conseguiu avançar nas conversas com os bondholders internacionais, que escolheram o banco de investimento Moelis e a banca de advogados Pinheiro Neto como mediadores.

Segundo essas fontes, há o entendimento de que existe um alinhamento de interesse para haver um desconto sobre o valor devido. Esse valor seria algo próximo a 40%, apurou o NeoFeed.

Mas pessoas ligadas aos diversos grupos de credores têm uma versão distinta. A Light não teria avançado em conversas em torno de uma reestruturação com nenhuma parte.

“Não tiveram conversas, as coisas estão muito esotéricas”, diz uma das fontes ouvidas, que pediu para não ser identificada. “Esse plano que virá é um plano sem nenhum alinhamento prévio com credores, ele será uma surpresa.”

Sem um plano concreto de reestruturação em mãos, dificilmente uma proposta de desconto sem uma contrapartida, como o recebimento em ações, será aceita pelos credores, seja pelos bondholders ou pelos grupos de debenturistas, entre eles um que agrega 13 grandes gestoras, que são assessorados pelo Lefosse Advogados e detém cerca de R$ 2 bilhões em papéis da dívida da companhia.

Segundo uma das fontes ouvidas pelo NeoFeed pelo lado dos credores, muitos deles querem compor com a Light e estariam dispostos a capitalizar parte de seus créditos, além de aceitarem um relevante alongamento da dívida remanescente, desde que o “sacrifício” não fique somente em cima dos credores.

“Mas são pontos que não tivemos condições de discutir objetivamente por falta de interlocução com a empresa, que também não apresentou plano ou disponibilizou modelo financeiro para sustentar qualquer proposta”, disse essa pessoa, que pediu para não ser identificada.

Alta tensão

Se há muitas arestas ainda a serem reparadas, um ponto é comum, pelo menos, entre a companhia e os debenturistas: as acusações de truculência.

As fontes que conversaram com o NeoFeed sustentam que a Light nunca se dispôs a abrir qualquer tipo de conversas e que já havia uma pré-disposição em não negociar e muito menos pagar os credores, apostando num discurso catastrófico para conseguir aprovar a recuperação judicial.

Eles destacam ainda que, em vez de conversar, a companhia apostou num caminho não previsto na Lei. Quando o pedido de recuperação judicial foi aprovado, em 15 de maio, um grupo de credores entrou com um recurso contra a decisão, argumentando que a legislação veda às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica de recorrer à recuperação judicial ou extrajudicial.

“Antigamente, as empresas passavam o carro por cima dos credores. Mas agora as coisas são diferentes, a mídia está em cima, a comunicação entre todos está mais ágil, o que ajuda a organizar as ações”, afirma uma das fontes. “Não existe mais agora matar os credores de cansaço, a Light não esperava os credores tão organizados.”

Os credores assessorados pelo Lefosse ainda tentam derrubar a recuperação judicial da Light, estratégia utilizada pelos gestores para reequilibrar financeiramente a companhia.

O argumento dos credores se baseia na Lei que veda concessionárias de serviço público de energia elétrica recorrer à recuperação judicial ou extrajudicial. Em casos de dificuldades financeiras graves, o caminho legal indicado é a intervenção do poder concedente, ou seja, da Aneel. “Confiamos na Lei e entendemos que ela deve ser cumprida”, argumenta um dos credores.

A Light, porém, não esconde que é crítica a essa postura. Nas últimas semanas, a companhia vem conseguindo vitórias na Justiça para impedir a realização de Assembleias Gerais de Debenturistas.

Em decisão a qual o NeoFeed teve acesso, o juiz Luiz Alberto Carvalho Alves, da 3ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, afirmou em 22 de junho que estava “determinada a suspensão das Assembleias Gerais de Debenturistas das 17a e 24a Emissões de Debêntures, a serem realizadas em 23.06.2023 e 30.06.2023, assim como eventual assembleia convocada neste ínterim com a finalidade de discutir a contratação de assessores, até ulterior pronunciamento deste Juízo”.

A Light também tem feito ressalvas à subcontratação BeeCap como assessoria financeira pela Lefosse Advogados, a assessoria legal. A BeeCap estaria recebendo um fee de até R$ 35 milhões, considerado muito acima do que é praticado pelo mercado.

O fator financeiro

Uma das fontes ouvidas pelo NeoFeed reforçou que os atuais gestores da Light criaram um mecanismo para benefício próprio durante as negociações, no que seria mais um indício de que o objetivo é prejudicar os credores. Em meados de abril, o NeoFeed revelou com exclusividade o tamanho desse bônus que os executivos da Light terão se conseguirem renegociar o endividamento da companhia de energia elétrica.

Se o plano de recuperação for aprovado em assembleia e os gestores conseguirem cortar a dívida da companhia, eles terão direito a adquirir até 5% de ações da Light por R$ 0,01. “É muito estranho o tamanho do incentivo milionário que essa turma vai receber se não nos pagar”, diz uma fonte que pediu anonimato.

Em 28 de abril, a assembleia dos acionistas aprovou a proposta do management. Entre os presentes que votaram a favor do plano proposto pela direção estavam Ronaldo Cezar Coelho e Beto Sicupira.

O fator Tanure

Desde o momento em que a Light conseguiu a aprovação na Justiça do seu pedido de recuperação judicial, um novo personagem passou a fazer parte do dia a dia da companhia: Nelson Tanure.

O empresário, que tem participação em empresas como Alliança Saúde (antiga Alliar) e Gafisa, adquiriu 28,06% do total de ações da Light. Com isso, ele se tornou o acionista mais relevante à frente do Samambaia FIA, fundo de Ronaldo Cezar Coelho, que detém 20,01%.

O problema é que Sicupira, que é representado pelo fundo Santander PB, tem 10,16% e compôs com Coelho. Mas quem já se reuniu com Tanure afirma que ele tem buscado ser um agregador de todos os interesses.

A chegada de Tanure tem sido vista com bons olhos por parte dos credores, mas muitos ainda querem aguardar para ver o que vem após a assembleia geral extraordinária, marcada para o dia 18 de julho, para deliberar sobre a reformulação do conselho de administração. De qualquer maneira, todos sabem que não há um único salvador da Light.

Procurada, a Light afirmou que "não vai se pronunciar antes da apresentação da proposta". O Lefosse informou que não comenta casos em andamento, enquanto o Pinheiro Neto declarou que não vai se pronunciar.

O empresário Nelson Tanure enviou uma nota dizendo que tem "buscado o entendimento com os credores para que a Light, uma empresa centenária que faz parte da história do Rio, possa equacionar essa dívida da melhor maneira para todos os envolvidos, credores e empresa".

Após a publicação da reportagem, a Lefosse encaminho esta nota de esclarecimento: "O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já cassou, por falta de fundamentação, a decisão que suspendia as Assembleias Gerais de Debenturistas. Os esclarecimentos sobre a regularidade das convocações – que seguiram estritamente o previsto nas escrituras da lei – foram prestados de forma detalhada. Todas as contratações e subcontratações de serviços — inclusive da Bee Capital — foram feitas após pedido e aprovação dos debenturistas, por ampla maioria, como comprovam as atas das reuniões".