A Associação de Investidores do Mercado de Capitais (Amec) reuniu na noite de quarta-feira, 19 de abril, 80 pessoas para discutir a situação da Light. Em 28 de abril, a empresa de energia elétrica realiza uma assembleia geral ordinária e extraordinária (AGO/E) com os seus acionistas para decidir, entre outros pontos, sobre o plano de recuperação da empresa.

Um ponto tem incomodado os credores da Light: a possibilidade dos diretores ficarem milionários com o sucesso do corte da dívida, como o NeoFeed revelou.

Em dezembro do ano passado, Fabio Coelho, presidente da Amec, recebeu a missão dos 56 associados de fazer um diagnóstico e analisar quem eram os players do mercado de dívida corporativa no Brasil. No mês seguinte, o caso Americanas apressou a análise da associação dos investidores minoritários.

A reunião técnica sobre a Light foi a primeira da Amec ligada ao crédito privado, olhando para as implicações amplas da proposta da administração da companhia, os efeitos da medida cautelar que suspendeu os pagamentos, inclusive dos fundos de direito creditório (FIDC), e a transparência das informações contidas nas 119 páginas da proposta que será votada pelos acionistas.

“Do jeito que está colocado, não é possível fatiar a proposta: concordo com o item um, não concordo com o dois… É tudo ou nada”, diz Coelho, em entrevista ao NeoFeed. “Estamos vendo uma movimentação de investidores, e não posso falar por todos, mas alguns estão trazendo esse ponto de voto contrário.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Por que a Amec realizou uma reunião para falar da Light?
Estamos muito acostumados a fazer esse tipo de debate aqui na Amec, onde trazemos minimamente um contexto do que está acontecendo e ouvimos os investidores. Não posso dar muitos detalhes, porque não deliberamos exatamente o que vamos fazer, mas há um ponto de muita preocupação. A empresa está passando por um contexto de dificuldade operacional que, inclusive, levou à medida cautelar que ainda não está totalmente digerida pelo mercado. Estou falando do instrumento e não da decisão em si. A Light, na nossa interpretação, não pode decretar uma recuperação judicial, mas está “fazendo as vezes de uma RJ”.

Um ponto da proposta da administração é o bônus para a direção pelo sucesso da negociação com os credores. Por que é importante falar sobre isso?
Porque a proposta, do jeito que foi feita, não está totalmente detalhada. Quais serão, por exemplo, os parâmetros dessa readequação financeira que a Light está se propondo a fazer como um incentivo para o aumento da remuneração dos executivos. Outros pontos da remuneração foram até minimamente detalhados. É preciso acontecer isso para você poder receber, mas nesse ponto não ficou (claro). Prestadores de serviços internacionais que fazem recomendação de voto já enviaram aos investidores uma orientação negativa de voto. Essas agências internacionais indicaram votar contra a questão da remuneração na assembleia, exatamente pela falta de transparência.

A Amec também segue essa recomendação para os minoritários?
Aqui, na nossa discussão, não chegamos a um encaminhamento. Mas já recebemos visões de investidores relevantes recomendando o voto contrário. Chegamos a discutir isso aqui na Amec ontem [19 de abril]. Mas, fundamentalmente, por falta de detalhamento [da proposta da administração]. O que é mesmo que vai ser o gatilho para você receber um incentivo financeiro muito elevado? A questão da transparência aqui é importante.

O problema, então, não é o incentivo que a direção vai ter, mas a falta de transparência de como isso vai ser alcançado?
Esse jogo de palavras é superimportante, porque a gente entende que a questão da remuneração é uma questão de mercado. O famoso oferta e demanda. Se um executivo é uma “estrela”, eventualmente ele está sendo contratado para resolver um problema. Entendemos que é um mercado que tem que circular, certo? E colocamos a lente do investidor aqui no seguinte sentido: se essa remuneração dele, independentemente do valor, reflete em incentivos para gerar valor de longo prazo para a companhia; ou seja, que ele não receberá tudo de uma vez no primeiro ano, que isso esteja vinculado às metas; ou seja, para você receber bônus, você tem que cumprir isso, isso ou aquilo. Isso precisa ficar claro para os investidores, para eles efetivamente terem condição de avaliar se esses administradores estão sendo incentivados a continuar melhorando a companhia ou se eventualmente tem o que a chamamos de incentivo perverso do administrador extrair valor sem entregar nada em troca.

No caso Light não é possível afirmar que o incentivo é para gerar valor para a companhia?
Não temos condições de fazer essa afirmação neste momento exatamente pela falta de detalhamento de como vai se dar essa restruturação. O que pode gerar aqui um conflito de interesse grande, não é? Ou seja, quanto mais o administrador for usado na reestruturação e passar por cima de direitos de credores, mais ele pode ser incentivado a receber mais dinheiro.

A Amec vai se reunir com a Light ou os investidores só vão se manifestar na assembleia?
Isso acontece na assembleia. A dinâmica é a seguinte: até 30 dias antes da realização da assembleia a empresa precisa colocar essa proposta e ela é aprovada pelas instâncias de governança. E estamos vendo que não existe proposta alternativa feita pela companhia. O assunto vai ser levado para a assembleia e pode ser que no dia surja uma proposta alternativa ou de outra natureza. O ponto é que se houver uma outra proposta, que ela traga um detalhamento melhor nesse ponto. Não existe aqui, do jeito que está colocado, uma aprovação parcial. Eu não posso fatiar a proposta: concordo com o item um, não concordo com o dois… É tudo ou nada. O assunto será levado no dia 28 de abril e estamos vendo uma movimentação de investidores, não posso falar por todos, mas alguns estão trazendo esse ponto de um voto contrário pelos aspectos que citei acima.

Há relatos de que o relacionamento da Light com credores e investidores inexiste.
Temos recebido informações de um distanciamento muito grande dos investidores. Não é de agora. Credores ou acionistas, a companhia se distanciou. Há comentários de tentativas de contato desde janeiro, e a companhia tem se furtado de fazer essas conversas. Nós não avaliamos, neste momento, fazer um contato direto com a companhia, mas sim uma avaliação sobre a maneira que estamos caminhando para os aperfeiçoamentos que serão exigidos nesse mercado. Possivelmente não daria tempo de alcançar especificamente o caso Light, mas que o relacionamento com outras companhias, que estão em situação um pouco mais delicadas, podem se beneficiar dos melhoramentos nesse arcabouço.

O caso Americanas se reflete nesses acontecimentos?
Certamente o caso Americanas impactou tudo o que está sendo discutido e feito no mercado, inclusive acelerou a entrada da Amec na discussão desse mercado de dívida corporativa. Eu só tomo cuidado de fazer a diferenciação: um caso todos os elementos apontam para uma fraude. Não quero ser taxativo, mas todos os indícios apontam nessa direção. E outras discussões são de deterioração da qualidade financeira da estrutura de capital e do crédito da companhia, dentro de uma regra do jogo bem estabelecida. Certamente a Americanas impactou, mas precisamos tomar cuidado de lidar, possivelmente, com um caso que estamos indo na direção de responsabilidade e fraude de outro que é uma regra do jogo de dinâmica de credores da companhia. Só essa ressalva quando menciono o caso Americanas.

Mas todas as empresas entraram com medidas cautelares para se proteger de credores.
O processo de recuperação judicial, ainda que a Light não seja sujeita especificamente a isso na nossa visão, falando de maneira genérica, esses processos de recuperação judicial estão ganhando talvez uma ampliação de escopo, se puder dizer dessa maneira. Meses antes ou semanas antes de uma eventual decisão de RJ já tem disputas de liminares que estão sendo recebidas de uma maneira dicotômica pelo mercado. Uma decisão liminar suspendendo pagamento, mas não é oficialmente uma RJ: até que ponto isso é um caminho que vai abrir um campo de flexibilizar até mesmo o instrumento da RJ com uma judicialização? São debates que estão acontecendo e estamos trazendo a nossa experiência.