A recuperação judicial da Lojas Americanas era apenas uma questão de tempo. A companhia não precisou esgotar o prazo de 30 dias, que estava em contagem regressiva desde 13 de janeiro quando havia entrado com uma medida cautelar para preservar o caixa.

Seis dias após essa decisão, na quinta-feira, 19, a rede varejista entrou com pedido, em caráter de urgência, na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro com dívidas de R$ 43 bilhões e cerca de 16,3 mil credores, segundo o documento obtido pelo NeoFeed.

A expectativa é de que um plano para a recuperação da empresa em até 60 dias se a Justiça deferir o pedido da Americanas.

A medida já era esperada pelo mercado desde o início da tarde, quando o BTG Pactual e o BV conseguiram na Justiça suspender a decisão e bloquear o montante aplicado. Juntas, essas duas instituições financeiras tinham algo em torno de R$ 1,4 bilhão.

No pedido de recuperação judicial, os escritórios Basílio Advogados e Salomão, Kaiuca, Abrahão, Raposo e Cotta Advogados argumentam que as movimentações dos bancos tornou a situação da Americanas complicada.

A disponibilidade imediata de caixa da Americanas girava em torno de R$ 800 milhões, segundo fato relevante divulgado nesta quinta-feira, 19 de janeiro. O montante de quase R$ 8 bilhões que a empresa teria para tocar o seu dia a dia foi se esvaindo após a grave revelação feita por Sergio Rial. O executivo, que ficou apenas nove dias como CEO da empresa, anunciou uma “inconsistência contábil” de, aproximadamente, R$ 20 bilhões.

Além do bloqueio das aplicações, a Lojas Americanas reportou no balanço do terceiro trimestre um consumo de caixa de R$ 1,6 bilhão. Soma-se a isso investimentos sem liquidez na casa de R$ 1 bilhão e a antecipação dos recebíveis do cartão de crédito em torno de R$ 3 bilhões. O rebaixamento da nota de crédito da companhia impede que bancos e adquirentes realizem essa operação.

"Por essas razões, o Grupo Americanas viu-se sem saída, precisando emendar,
em sete dias, a tutela cautelar, para que seja recebido este pedido de recuperação judicial", diz um trecho do pedido de recuperação judicial.

Há, ainda, um fator desconhecido: qual foi o comportamento operacional da Americanas no último trimestre de 2022. Esses dados ainda não são públicos. Caso a empresa tenha consumido mais caixa nesse período, a situação atual para o rodar o dia a dia pode ser ainda pior.

O pedido apresentado ao juízo traz apenas dados relativos ao terceiro trimestre, com os advogados afirmando que o problema de fluxo de caixa vivenciada é fruto das iniciativas dos bancos e que é passageira, considerando o desempenho operacional.

Segundo o documento, a posição de caixa da Americanas totalizava aproximadamente R$ 8 bilhões no terceiro trimestre, considerando os valores bloqueados pelos bancos, o que representaria 6,4 vezes o valor da dívida de curto prazo. O endividamento bruto alcançou R$ 20,8 bilhões.

Os advogados afirmam que a crise enfrentada pela Americanas está dragando o caixa, por conta dos movimentos dos bancos, e que é preciso agir rapidamente.

"O risco, então, caso não seja deferido o imediato processamento desta recuperação judicial, é de um absoluto aniquilamento do fluxo de caixa do Grupo Americanas, o que impedirá o cumprimento de obrigações diárias indispensáveis ao exercício da atividade empresarial, tal como o pagamento de fornecedores e funcionários", diz outro trecho do documento.

A recuperação judicial é um instrumento que evita a falência e permite à empresa organizar o seu fluxo de pagamento para os credores. A chegada de Camille Loyo Faria, como CFO, uma especialista em reestruturar dívida, pode ajudar a Americanas a reestruturar o seu capital. Antes da executiva que esteve na reorganização da Oi, a Americanas contratou a Rothschild para ser a interlocutora nesse processo.

Desde a noite de 11 de janeiro, quando o fato relevante da Americanas chacoalhou o setor privado nacional, as redes varejistas concorrentes precisaram se reunir com analistas e gestores para mostrar que a mesma estratégia contábil não estava sendo utilizada por elas. A necessidade da explicação aconteceu após Rial ter deixado a dúvida no ar em teleconferência na sede do BTG, no dia 12.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está com investigações em curso para averiguar a responsabilidade dos executivos no caso Americanas. A consequência são multas e punições administrativas para os executivos. Além dessas, há pelo menos um caso de informação privilegiada em razão de uma posição short atípica feita com a ação da empresa pouco antes da revelação do caso.

Nos últimos dias, há mais perguntas do que respostas sobre o caso Americanas. O papel de CVM, B3 e PwC, principalmente, além dos conselheiros que deveriam ter analisado com lupa as informações prestadas pelos executivos. A governança corporativa ficou abalada.

Entre o pagamento de gordos dividendos e a carta de Rial defendendo sua biografia e reputação, os acionistas minoritários, os milhares de funcionários e os clientes esperam que essa RJ possa resgatar uma empresa quase centenária.