Pouco após assumir o comando da Americanas, Sergio Rial está de partida da companhia, depois da descoberta de “inconsistências” no balanço da companhia da ordem de R$ 20 bilhões. 

Segundo comunicado divulgado pela empresa na quarta-feira, dia 11 de janeiro, Rial e o diretor financeiro e de relações com investidores, André Covre, decidiram não permanecer na empresa, decisão que tem efeito imediato. Ambos tomaram posse em 2 de janeiro. 

O conselho de administração nomeou interinamente João Guerra para os cargos. Com 31 anos de casa, ele tem atuado nas áreas de tecnologia e recursos humanos, sem envolvimento na gestão contábil ou financeira da empresa. 

De acordo com a Americanas, foram detectadas inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta fornecedores realizados em exercícios anteriores, incluindo 2022. Traduzindo: dívidas com fornecedores que podem ter sido subestimadas pela companhia.

No comunicado, a empresa informa que, entre as tais inconsistências numa análise preliminar, a área contábil identificou a existência de “operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem”, nas quais ela é devedora perante instituições financeiras “e que não se encontram adequadamente refletidas na conta fornecedores nas demonstrações financeiras” do terceiro trimestre de 2022. 

A empresa estima que o efeito caixa dessas inconsistências seja imaterial, mas informou que, neste momento, não é possível determinar todos os impactos de tais inconsistências na demonstração de resultado e no balanço patrimonial.

Por conta desta situação, o conselho de administração decidiu criar um comitê independente para apurar as circunstâncias que ocasionaram as inconsistências contábeis.

“Os acionistas de referência da Americanas, presentes no quadro acionário há mais de 40 anos, informaram ao conselho de administração que pretendem continuar suportando a companhia, tendo o Sr. Sergio Rial como seu assessor nesse processo, prestando apoio na condução dos trabalhos”, diz trecho do comunicado.

Fontes do mercado informaram ao NeoFeed que, desde a semana passada, a temperatura na Americanas estava alta. Carlos Alberto Sicupira, do 3G, e Eduardo Saggioro, membro do conselho de administração, muito ligado a Sicupira, estiveram na sede da empresa. "Pensávamos que era porque o resultado do quarto trimestre tinha sido ruim. Agora ficou claro o motivo", diz um executivo do varejo.

Bomba

A notícia caiu como uma bomba no mercado. Um executivo de um grande marketplace, espantado com a notícia, confidenciou ao NeoFeed que precisou ler cinco vezes o Fato Relevante por que não acreditava no valor bilionário envolvido.

A situação pode ter graves consequências para as finanças da empresa. Segundo outra fonte, com essa inconsistência, o patrimônio líquido da companhia fica negativo, levando a um estouro dos covenants (obrigações junto a credores) da empresa. O patrimônio líquido da Americanas está na casa dos R$ 14 bilhões. "Se realmente for isso [inconsistências de R$ 20 bilhões], é incompreensível", disse a fonte.

Um gestor, que também pediu para não ser identificado diante da gravidade da situação, afirmou que vendeu a posição no ano passado, afirmando que o "modelo de gestão da 3G Capital, acionista de referência da Americanas, pressupõe forçar as contas de fornecedor, que aparentemente é a raiz do problema. É um caso para repetir um IRB da vida", disse.

Para uma casa com uma grande posição no papel, a primeira reação foi o choque. "Não temos nenhuma informação, também estamos investigando." Executivo de outra gestora relevante no cap table da companhia também se mostrava atônito. "Desde que o Rial foi anunciado, tinha uma call muito grande no papel da empresa", diz ele. "E nós entramos nessa call."

Além dos efeitos sobre a Americanas, o caso também joga dúvidas a respeito da parceria da Americanas com a Vibra. Rial é presidente do conselho de administração da antiga BR Distribuidora, que é sócia da Americanas nas lojas de conveniência BR Mania. Cada empresa tem 50% do negócio.

Uma das fontes ouvidas pela reportagem destacou a existência de um conflito de interesse, visto que Rial é presidente do conselho da Vibra e era até hoje CEO da Americanas. "Difícil ser isento nisso", afirmou. Como fica isso agora?

O caso representa um banho de água fria nos esforços da Americanas de recuperar suas operações. Rial assumiu no lugar de Miguel Gutierrez, que trabalhou por quase 30 anos na companhia, com a missão de obter crescimento com rentabilidade.

O grande desafio é tornar o braço digital competitivo, em meio ao afunilamento do mercado de e-commerce brasileiro. No terceiro trimestre, o GMV total foi de R$ 11,8 bilhões, o que representa uma variação de -8,3% em relação ao terceiro trimestre de 2021. O resultado foi fruto da combinação do crescimento da plataforma física
(+12,4%) com a desaceleração da plataforma digital (-14,4%).

Um executivo de alto escalão de uma grande varejista disse que "a Americanas tem feito bobagem há muito tempo". "No fim do ano, por exemplo, chegaram a dar cashback que representava 80% do valor do produto", afirma. E prossegue. "Uma loucura."

As ações da Americanas fecharam o dia com alta de 0,76%, a R$ 12. Em 12 meses, elas acumulam queda de 60,3%, levando o valor de mercado a R$ 11,5 bilhões. Os investidores dormirão com a dúvida sobre o tamanho do tombo do papel na abertura do pregão de quinta-feira, 12 de janeiro.

"Eu calculo que já começa em -15%", diz um gestor buyside. Outro gestor reforça que o tombo pode ser bem maior. "Vai cair 40%", diz ele. Antes, porém, às 9h, Sérgio Rial participa de uma teleconferência. Só aí os investidores terão, de fato, ideia da real dimensão do problema.