O caminho da retaliação aos Estados Unidos, que determinou cobrança de 50% na taxa de exportação a produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, é um péssimo negócio para os dois países.  A avaliação é do economista Roberto Giannetti da Fonseca, ex-secretário executivo da Câmara do Comércio Exterior (Camex) no governo de Fernando Henrique Cardoso.

“O prejuízo para os Estados Unidos será imenso, assim como para nós”, afirma. “A gente precisa procurar uma saída para esse imbróglio, criado desnecessariamente pelo Trump, em uma situação de ganha-ganha, e não perde-perde.”

Nesse sentido, ele entende que é necessário que o governo brasileiro produza uma “agenda positiva”, oferecendo concessões para conseguir minimizar o impacto do tarifaço.

Em entrevista ao NeoFeed, Giannetti da Fonseca acha possível que a medida adotada por Donald Trump seja derrubada na própria Justiça americana, em ações impetradas por importadores dos Estados Unidos.

“É uma medida ilegal. Não há fundamento jurídico. A legislação que ele se baseou para assinar esse decreto é uma lei de emergência. Nem o fato político citado na carta oferece respaldo jurídico nem o fato de que o Brasil teria superávit, o que não é verdade.”

Na avaliação do economista e empresário, que também foi diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), caso as negociações não avancem e a taxa de exportação entre de fato em vigor, o próprio mercado americano sofrerá o impacto da medida de Trump.

“Dos produtos que serão taxados, 80% são de matérias-primas e insumos industriais. Isso vai prejudicar a indústria dos Estados Unidos, que ficará sem a matéria-prima e que, em alguns casos, nem têm substituto no mercado mundial, como é o caso do suco de laranja e até do café brasileiro. Isso vai gerar perda de empregos”, diz Giannetti da Fonseca, também presidente da Kaduna Consultoria.

Sobre a reação do governo brasileiro, o economista avalia que o posicionamento até aqui tem sido correto por parte do presidente Lula. “Ele entregou esse tema para a pessoa certa, Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Comércio, Indústria e Serviços (MDIC), que é o ministério que tem a competência de coordenar e liderar essa negociação.”

A seguir, a entrevista de Roberto Giannetti da Fonseca concedida ao NeoFeed:

Na avaliação do senhor, qual é o caminho que o governo brasileiro deve adotar para minimizar o impacto do tarifaço anunciado por Donald Trump?
O caminho é a negociação. Não há outro. E negociação implica em ter um bom planejamento estratégico do que deve ser feito, conhecer bem todas as consequências do tarifaço e tentar construir uma agenda positiva, onde haja concessões recíprocas e que possam reduzir a necessidade dessa taxa de exportação imposta por Trump.

E como o senhor enxergou a medida do presidente dos Estados Unidos?
É uma medida ilegal. Não há fundamento jurídico. A legislação que ele se baseou para assinar esse decreto é uma lei de emergência. Nem o fato político citado na carta oferece respaldo jurídico nem o fato de que o Brasil teria superávit, o que não é verdade. Então, que emergência é essa? Adotar um tarifaço em cima de um país que apresenta déficit comercial em relação aos Estados Unidos. Não tem sentido. É uma antítese do objetivo da lei. Ainda mais envolver questão ideológica, como o Trump fez. Por isso que o decreto é ilegal. Mesmo assim, é importante negociar.

Nesse caso, o Brasil deve tomar alguma medida jurídica nos Estados Unidos ou junto à Organização Mundial do Comércio (OMC)?
São os próprios americanos que estão fazendo. Os importadores dos Estados Unidos estão impetrando ações contra a Casa Branca, dizendo que o decreto do Trump é ilegal. Ele vai perder na Justiça. O Brasil não tem que entrar nessa briga. Isso é entre eles.

O senhor entende que adotar retaliação, com base na lei de reciprocidade econômica, como está em estudo pelo governo federal, é uma saída?
Se entrar na retaliação, será ruim para os dois países. O prejuízo para os Estados Unidos será imenso, assim como para nós. O decreto do governo federal, que está para sair, é só autorizativo. Se vai ser usado ou não, depende da mesa de negociação. A gente precisa procurar uma saída para esse imbróglio, criado desnecessariamente pelo Trump, em uma situação de ganha-ganha, e não perde-perde.

E como é possível, agora, buscar essa relação ganha-ganha?
É criar uma agenda positiva com os Estados Unidos. E isso deve ser feito à mesa entre os dois governos. A gente tem o que oferecer e eles também têm o que oferecer.

Onde o Brasil perde mais se adotar a retaliação aos produtos americanos?
Os produtos vindos dos Estados Unidos vão ficar mais caros. Isso interessa para os consumidores? Claro que não.

Como o senhor avalia o posicionamento do presidente Lula até aqui?
A postura dele tem sido bastante adequada. O presidente tem sido contido e moderado. Às vezes, faz alguma provocação, mas isso é da personalidade dele. O importante é que ele entregou esse tema para a pessoa certa, Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Comércio, Indústria e Serviços (MDIC), que é o ministério que tem a competência de coordenar e liderar essa negociação.

Caso não haja um acordo e o tarifaço entre em vigor no dia 1º de agosto, qual será o impacto para e economia brasileira?
Se entrar em vigor, todo mundo vai perder. A exportação brasileira ficará extremamente prejudicada, porque os produtos ficarão mais caros e aí não serão vendidos, e os americanos ficarão sem os produtos brasileiros. Dos produtos que serão taxados, 80% são de matérias-primas e insumos industriais. Isso vai prejudicar a indústria dos Estados Unidos, que ficará sem a matéria-prima e que, em alguns casos, nem têm substituto no mercado mundial, como é o caso do suco de laranja e até do café brasileiro. Isso vai gerar perda de empregos.

Há analistas que entendem que o tarifaço possa impactar na inflação no Brasil e até aumentar custos de produtos no mercado nacional. Qual a sua visão sobre isso?
Isso não vai acontecer. Aqui vai sobrar produto. Inflação deve aumentar nos Estados Unidos. Mas não há interesse que os produtos fiquem. O Brasil quer exportar. Se sobrar, é excedente à nossa demanda. Pode haver perda de produto e até registrar alguma queda de preço. Mas vai dar prejuízo para o produtor e criará uma situação insustentável. Não há interesse, por exemplo, em inundar o mercado nacional com mais suco de laranja, por exemplo, que deixar de ir para os Estados Unidos. Ninguém vai deixar de tomar um dois ou copos de suco por dia para tomar cinco ou dez.

Nesse caso, não é possível abrir outros mercados?

Existe essa possibilidade, mas não é uma tarefa fácil. Não é do dia para a noite que isso acontece. Vai ser necessário também dar concessões sobre preço, abrir estrutura de venda. Isso demora meses ou até anos.