Os economistas têm errado frequentemente as projeções do PIB e da inflação brasileira. Nos últimos dois anos, por exemplo, a complexidade da economia nacional fez com que os especialistas subestimassem esses dois indicadores. E já há sinais de que neste ano não vai ser diferente.
As expectativas mais otimistas dos economistas para o crescimento de 2025 projetam uma expansão de 2,23% do PIB no Boletim Focus, enquanto a estimativa para o IPCA, embora em queda, segue acima do esperado no início do ano, em 5,18%.
Diversas teses já foram formuladas para explicar o fenômeno, como o ganho de eficiência advindo das microrreformas do pós-Dilma e os gastos elevados do setor público. Mas um fator tem entrado cada vez mais forte nessa equação: a avalanche de crédito privado.
O movimento, que já ganhava corpo na década anterior, tomou novas proporções a partir da pandemia e hoje é a principal via de empréstimos para pessoas jurídicas.
De acordo com dados do Banco Central, o estoque de títulos privados, que inclui debêntures, e securitizados, como FIDCs e CRIs, soma R$ 2,25 trilhões — um crescimento de 186% desde o fim de 2020. Esse montante é 43% superior ao da carteira de crédito livre para PJ, que avançou apenas 45% no mesmo período.
Considerando também os créditos direcionados, com incentivos do governo, o volume de empréstimos bancários ainda é 13% maior que o via mercado de capitais. Mas essa diferença tem encolhido de forma consistente: em 2020, o crédito bancário para PJ era 125% superior aos empréstimos via mercado de capitais; em 2023, essa diferença caiu para 33,8%.
“Ao longo dos últimos anos, o mercado de crédito foi um motor importante de crescimento da economia brasileira e ajuda a explicar — embora não exclusivamente — o bom desempenho observado”, afirma Julia Gottlieb, economista do Itaú Unibanco.
Esse avanço dos estoques de crédito privado é puxado pela forte demanda dos investidores por esses papéis, atraídos pela promessa de maior rentabilidade frente a investimentos mais conservadores e, em muitos casos, pela isenção fiscal.
Uma fatia relevante desses fluxos entra via fundos de renda fixa, que captaram R$ 319 bilhões líquidos nos últimos 18 meses. Desse total, mais de dois terços foi para fundos de crédito, segundo dados da Anbima. Já o volume de debêntures investidas por fundos cresceu 240% desde 2020, encerrando maio com um estoque de R$ 639 bilhões.
“O aumento do crédito concentrado nas empresas favorece a produtividade, com modernização e ampliação dos negócios”, diz Robson Gonçalves, economista e professor de MBAs da FGV.
Além dos fundos, o brasileiro também tem investido diretamente em crédito privado. Segundo a Anbima, as pessoas físicas encerraram 2024 com R$ 127,13 bilhões aplicados diretamente em debêntures — alta de 147% sobre 2020.
Os investimentos diretos em CRI e CRA, beneficiados pela isenção de IR, cresceram 378% e 205%, respectivamente, no mesmo período, somando R$ 204 bilhões nesses instrumentos.
Carlos Lopes, economista do banco BV, avalia que o crédito privado já contribui para o PIB há bastante tempo, sobretudo após a pandemia, quando a Selic caiu a 2% e obrigou o poupador a buscar alternativas mais rentáveis.
“O brasileiro começou a acessar mais fundos de crédito privado em busca de retornos maiores. Isso virou uma cultura, que tem ampliado cada vez mais esse mercado e incentivado empresas a emitir nesses instrumentos”, afirma.
O queridinho dos gestores
Mais recentemente, o destaque tem sido a aceleração das captações dos Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs), que atuam principalmente com médias empresas via antecipação de recebíveis.
Com os spreads das debêntures comprimidos pela demanda, os FIDCs se tornaram os queridinhos dos gestores de crédito privado que buscam mais retorno sem elevar tanto o risco. O ingresso costuma ocorrer sobretudo pela chamada “cota sênior”, que dá maior proteção contra eventuais calotes do portfólio.
Os FIDCs foram a classe que mais captou nos últimos 12 meses, com entradas líquidas de R$ 120,5 bilhões até junho, segundo a Anbima — superando em R$ 1 bilhão os fundos de renda fixa tradicionais. A presença direta de pessoas físicas nesses fundos praticamente dobrou em 2024, chegando a R$ 23 bilhões.
Para Alfredo Marques, sócio da Uqbar, esse avanço do mercado de capitais na concessão de crédito repete o caminho já trilhado por economias mais maduras. “É só uma questão de tempo para que a securitização via FIDCs ganhe ainda mais espaço, tanto no crédito a pessoas físicas quanto jurídicas. As condições para isso já estão dadas”, aponta.
Ele ressalta que esse movimento impulsiona a economia ao pulverizar o crédito. “Você tem fintechs e fundos atuando em microsetores e nichos específicos, que conseguem montar ofertas adaptadas ao cliente porque conhecem de fato o segmento e têm o histórico do comportamento de crédito”, afirma.
Essa maior profundidade do mercado de crédito privado tem permitido que empresas captem volumes expressivos, mesmo com a Selic no maior patamar desde 2006. Para Lopes, do BV, isso mostra como o apetite do investidor por instrumentos mais rentáveis sustentou o avanço do crédito — o que, por sua vez, dificulta o trabalho do Banco Central para esfriar a economia.
“Mesmo com juros nesse nível, não tivemos uma desaceleração tão intensa do crédito quanto se imaginava. Isso indica que talvez seja necessário manter juros elevados por mais tempo para conter essa dinâmica”, diz Lopes.
Ainda assim, ele vê esse efeito como transitório. “Não é que a expansão do crédito diminua a potência da política monetária. Pelo contrário: quanto mais crédito, maior o impacto dos juros sobre a economia.”, complementa o economista do banco BV.
Daqui para frente, no entanto, a expectativa é de arrefecimento. Já há sinais disso na concessão bancária para PJ, que caiu 2,5% em maio, descontados efeitos sazonais. O crédito às famílias também recuou, em 3,9%.
“Já vemos uma desaceleração na margem, com o custo do crédito subindo e afetando principalmente as famílias. Esse é o ciclo natural: o Banco Central eleva juros, encarece o crédito e isso esfria o consumo — algo necessário para trazer a inflação a um patamar mais confortável”, afirma Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research.