É fato que a quarentena trouxe um aumento no consumo de vinhos no Brasil. Para a Miolo, uma das maiores vinícolas nacionais, este crescimento foi da ordem de 15%.
Só não foi maior porque a empresa é muito dependente dos espumantes: as borbulhas representam 40% de sua receita anual e, sem as festas, esse consumo caiu significativamente.
Adriano Miolo, da terceira geração da família de imigrantes e atual diretor- superintendente da vinícola, diz que em um ano atípico como 2020 não dá para fazer previsões de até onde vai este crescimento.
Por enquanto, ele diz que a capacidade da vinícola é suficiente para atender os consumidores e que o desafio é contornar questões pontuais, como falta de garrafas em alguns momentos.
Na tentativa de reverter a queda de espumantes, a Miolo está lançando um novo produto, o brut nature, e reformulou visualmente as suas garrafas para atrair o consumidor no final do ano. “Ao menos para brindar o fim de 2020, os consumidores devem abrir um espumante”, afirma.
Dos vinhos, ele é só sorrisos. A safra de 2020 foi excelente, mesmo com a tensão da Covid-19 (as uvas amadureceram na mesma época que o vírus estava chegando ao Brasil).
E os rótulos premium, que ele chama de Lendários, da safra de 2018, estão chegando ao mercado agora, com boa aceitação – o kit com os sete vinhos é vendido por R$ 1.834,33.
Entre eles estão rótulos premiados, como o Lote 43, o Quinta do Seival Castas Portuguesas e o Sesmarias, como Miolo conta na entrevista a seguir.
Os dados mostram um aumento na venda de vinho neste ano, com destaque para os nacionais. Como está a Miolo?
Neste ano, até julho, tivemos um aumento na comercialização de vinhos, mas com queda nos espumantes. Sentimos este impacto, principalmente com a nossa parceria com hotéis e resorts no Nordeste. Até o ano passado, os espumantes representavam 40% do nosso faturamento. Agora estão ao redor de 20%.
Há ações para reverter esta queda?
O final do ano é o grande de momento do espumante e preparamos novidades. Repaginamos o Terranova Moscatel, com nova embalagem. Refizemos todo o projeto Miolo Cuvée, que era chamado de Cuvée Tradição. A linha passou por processo de rotulagem, de embalagem e também de mudança no produto. Mudamos o corte e agora tem mais pinot noir e menos chardonnay. Também vamos lançar no final deste mês o Miolo Cuvée Nature, aumentando a nossa linha. Com o sucesso do nosso espumante premium, o Íride, percebemos que há um mercado para os nature (elaborados sem adição de licor de expedição e mais secos). O tomador de espumante habitual está querendo conhecer mais e provar novidades. O novo Nature chega com preço competitivo, na casa dos R$ 70.
Qual a previsão de vendas para o fim de ano?
Ainda não dá para saber, mas a gente acredita que vai retomar e crescer. Não vai haver grandes festas, mas acreditamos que vai haver celebração, talvez em casa, com a família. As pessoas deverão tomar espumante no fim do ano, mesmo que seja para comemorar que o ano acabou.
Como está a procura pelos vinhos?
Os vinhos representavam 60% do nosso faturamento, agora estão em 80%. Acredito que, no segundo semestre, a procura pelo espumante mude essa porcentagem para 50% para vinhos e 50% para espumantes. O brasileiro deixou de tomar o espumante por uma razão especial e acredito que vai voltar com força, até porque há uma valorização dos produtos nacionais.
Mas como está o consumo dos vinhos?
O ano começou muito difícil. Teve a dificuldade da safra, não pela qualidade, que foi muito boa, mas porque a chegada do Covid coincidiu com a colheita. E as incertezas continuam até hoje. Primeiro, teve o fechamento dos restaurantes e demais canais do on trade, que representam, para a Miolo, quase 20% do nosso faturamento. Este canal parou completamente. Muitos distribuidores nossos tiveram de se reinventar. Por outro lado, o varejo tradicional nunca parou e tomou o lugar de outros canais de venda. Não temos os dados separados por canais, mas dá para dizer que o varejo cresceu muito, com destaque para o e-commerce. Hoje até um pequeno armazém tem o seu online. E fizemos um projeto grande com o e-commerce da Wine, que começou com os 30 anos da Miolo, no ano passado, e foi concluído agora.
Quanto foi o crescimento?
Nosso aumento está próximo de 15%. A marca Almadén foi a que mais cresceu, com os seus varietais, mas as linhas Seleção, Reserva e até os nossos ícones cresceram na mesma proporção. Mas como o Almadén é um projeto de 2 milhões de garrafas, o impacto é maior.
Quanto cresceu o Almadén?
Tivemos o mesmo aumento percentual, de 15%, tanto para os vinhos baratos como para os caros. Mas quando coloca o volume, parece aumentar muito: 15% sob 2 milhões de garrafas é significativo. Aqui no Sul, o Almadén é vendido por RS 19,90, em São Paulo, pelos impostos, por R$ 24,90.
Mas não teve problema de fornecimento de garrafas de vidro para esse crescimento?
Esse é um problema sério e não só de agora. Não chegamos de ter de tirar de produto de linha, mas tiveram rupturas. Precisávamos de 100 mil garrafas e conseguíamos 70 mil. Eles não estão conseguindo produzir para atender o mercado e isso piorou com a pandemia.
Como estão os seus estoques de vinho?
Como temos a nossa própria produção, com 10 milhões de quilos por ano, temos o nosso estoque. Isso nos ajuda em qualquer problema de quebra de safra. Temos sempre duas safras na cantina em média, porque tem os vinhos que estão envelhecendo nas barricas, e tínhamos vinho para este aumento de consumo. A questão é saber qual o limite de vinhos que o brasileiro vai consumir. A média mundial é de quatro litros per capita e a gente está em dois e alguma coisa. Estamos abaixo da média mundial. Se pensarmos nos países não tradicionais, os Estados Unidos consomem mais de 10 litros per capita e até recentemente eles não consumiam vinhos. O Japão, de um consumo que não existia, hoje está em sete litros. A Bolívia consome mais que o Brasil, proporcionalmente. O Brasil tem de ser visto como um país do Novo Mundo. Não podemos esperar um consumo de 30 litros per capita, mas de dez litros a gente deveria esperar.
É possível estimar quando chegaremos a esse patamar?
Difícil dizer. Mas precisamos entender o nosso mercado. Atualmente o produto nacional é mais valorizado, há a preocupação de consumir o local, e o mundo ficou mais solidário nesta pandemia. Mas, no fim de 2019, 88% dos vinhos finos eram importados e apenas 12% eram brasileiros. No primeiro semestre agora o nacional foi para 17%.
É um bom resultado ganhar cinco pontos percentuais em menos de seis meses.
Sim, mas ainda é muito pouco. Mesmo com toda essa possível ou temporária melhoria, ainda é pouco. Nem voltamos ao patamar de 2016, quando era 80% a 20%.
Mas você acredita que há espaço para mais crescimento?
Acho que isso vai continuar. As pessoas estão falando mais e provando mais o vinho brasileiro. As mídias estão divulgando mais o vinho brasileiro. E as pessoas provam e gostam. Pode ser que esta experimentação ajude a consolidar mais e a recuperar mercado. Além disso, estamos vindo de duas safras de excepcional qualidade.
Esse aumento leva a Miolo a pensar em novos investimentos?
Temos vinhos em estoque e ainda não chegamos ao ponto de pensar em plantar mais uvas. Temos 1 mil hectares em produção, em quatro regiões diferentes do Brasil.
Como está a aceitação da safra 2020?
Já lançamos a maioria dos brancos. O nosso gamay (a uva da região de Beaujolais) foi um sucesso e as 25 mil garrafas já acabaram. Agora estamos começando a lançar os tintos varietais, que são os vinhos mais jovens. Os Lendários devem ser lançados entre o final de 2021 e o começo de 2022. Fizemos todos os nossos ícones nesta safra, do Lote 43 até o Sesmaria. Nesta safra usamos entre 80 e 100 novas barricas, 90% delas de carvalho francês.
E o turismo no Vale dos Vinhedos?
No início da pandemia, paramos completamente. Olhamos juntos as atividades de e-commerce, televendas e enoturismo, que representam 15% das vendas para o consumidor final. O e-commerce, que não era e ainda não é tão significativo, e o televendas compensaram a queda do enoturismo, que ficou três meses fechado. Já abrimos, mas com restrições e só 50% da sua capacidade. Os turistas estão voltando, mas são uns 35%, 40% do que eram.