O ouro acumula valorização de 58% em 2025, superando amplamente a maioria dos índices acionários e ativos financeiros tradicionais. Nos últimos 30 dias, o metal avançou 11%, consolidando um movimento que vai além da volatilidade típica dos mercados de commodities.
Para o banco suíço Lombard Odier, essa trajetória expressa uma reordenação geopolítica profunda. As economias emergentes estão construindo alternativas ao sistema financeiro dominado pelo dólar, redesenhando rotas comerciais e aumentando reservas estratégicas em ouro.
A projeção de 12 meses do banco suíço para o metal precioso está em US$ 4.600 por onça troy - um sinal de que os fundamentos estruturais devem sustentar a alta mesmo diante de eventuais recuos de curto prazo. O ouro está sendo negociado perto de US$ 4.100 na quarta-feira, 22 de outubro.
O principal motor da valorização do ouro está na mudança de comportamento dos bancos centrais de países em desenvolvimento. China, Rússia, Índia, Brasil e África do Sul intensificaram compras de ouro para reduzir exposição ao dólar e viabilizar linhas de swap bilaterais que permitem liquidação de comércio em moedas locais.
“A ascensão do ouro reflete uma reorganização geopolítica mais profunda, com metais preciosos e outras commodities desempenhando um papel especial. As economias emergentes, lideradas pelos BRICs, estão afirmando seus próprios interesses e melhorando sua segurança energética, alimentar e sanitária”, escreveram Michael Strobaek, global chief investment officer (CIO), e Nannette Hechler-Fayd'herbe, head of investment strategy, sustainability and research e CIO de Emerging Markets do Lombard Odier
As reservas globais de ouro dos bancos centrais, hoje em 18% do total de ativos, estão em patamar cerca de 50% inferior ao registrado antes dos acordos de Bretton Woods - feito em 1944 para estabilizar a economia global.
A tendência de recomposição desses estoques deve fornecer suporte estrutural aos preços e beneficiar países produtores e refinadores do metal.
Paralelamente, emergentes aceleram o desenvolvimento de plataformas de liquidação transfronteiriça baseadas em moedas locais e tecnologias como distributed ledger technology (DLT), uma “concorrente” do blockchain.
Essas iniciativas não buscam criar uma moeda comum ou substituir o dólar por completo, mas garantir autonomia, eficiência e custos menores no comércio Sul-Sul - fluxo que cresce à medida que as políticas comerciais dos Estados Unidos, sob a gestão Trump, reforçam barreiras tarifárias.
“A influência das organizações multilaterais pós-Segunda Guerra Mundial está diminuindo. Sinais de enfraquecimento do comprometimento dos EUA com instituições e tratados multinacionais, do Acordo de Paris à ONU, e a redução do financiamento são causa de esclerose nas organizações existentes”, escreveram os especialistas do Lombard Odier.
Os BRICs+, que hoje reúnem dez países, consolidam-se como o principal fórum do chamado Sul Global. Fóruns regionais proliferam, da Ásia-Pacífico à Ásia Central, num sinal de que a cooperação multilateral tradicional perde espaço para arranjos mais fragmentados e pragmáticos.
A ascensão da China como maior fabricante mundial e líder em setores de alto valor tecnológico reforça esse movimento.
O anúncio do primeiro-ministro Li Qiang de que o país não mais buscará tratamento diferenciado em acordos da OMC marca a autoconfiança de uma potência que se vê como produtora dominante, enquanto o consumidor americano ainda responde pela maior fatia da demanda global.
A China domina o refino de terras-raras, insumos essenciais para inteligência artificial e semicondutores, e já utiliza essa vantagem nas negociações comerciais com Washington. A Rússia controla tecnologia de refinamento de urânio, elemento-chave para programas nucleares.
Em um mundo de superpotências regionais e sem acordos de segurança mútua, a dissuasão nuclear ganha relevância. O Lombard Odier projeta aumento nos gastos com defesa, mas alerta que governos ocidentais com pouco espaço fiscal podem recorrer a controles de preços ou até nacionalizações no setor bélico. Já o setor nuclear deve ver expansão tanto no Ocidente quanto nos emergentes.
Para o Lombard Odier, a trajetória do ouro em 2025 vai além de especulação ou hedge contra inflação. Ela mostra a ascensão de um novo equilíbrio de poder, no qual emergentes constroem infraestrutura financeira, logística e energética própria, reduzindo dependência de sistemas ocidentais e ampliando influência sobre cadeias produtivas críticas.
Por isso, o cenário exige reavaliação estratégica para os investidores, com mais exposição a ouro como proteção, maior participação em ativos de mercados emergentes e atenção redobrada aos riscos políticos, de oferta e concentração tecnológica.
Contudo, o banco suíço alerta para riscos de intervenção estatal, controles de exportação e concentração tecnológica em países específicos.