Aos 45 anos, Nuno Lopes Alves já teve diversos países para chamar de “casa”. Brasileiro, filho de portugueses, ele se mudou para a terra natal dos pais aos sete anos. Aos 18, voltou ao Brasil para estudar e iniciar sua carreira, que inclui passagens por empresas como Accenture e Barclays.

Nos anos seguintes, já como executivo, suas escalas incluíram longas estadias na Espanha, Inglaterra e Colômbia, além de mais um retorno ao Brasil. Nesse roteiro, Alves conheceu a mulher, australiana, com quem teve três filhos, cada um, de uma nacionalidade diferente. E acumulou muitos aprendizados.

“Você passa a entender que existem diferentes realidades e se habitua a não julgar as coisas sob a mesma perspectiva”, diz Alves, num sotaque de forte acento lusitano, ao NeoFeed. “É uma adaptabilidade que me dá muito conforto. Uma nova situação, para mim, é mais do que tranquilo. É desejada.”

Essa vivência se conecta com o seu desafio mais recente. Em julho de 2021, ele assumiu a operação local da Visa, gigante americana de bandeira de cartões de crédito e de débito, avaliada em US$ 449 bilhões, e dona de uma rede de aceitação de 80 milhões de varejistas, dos quais, 10 milhões estão no Brasil.

Naquela que Alves chama de sua quarta temporada no País – entre idas e vindas, essa relação soma 26 anos, o executivo tem a missão de liderar a operação brasileira diante de uma série de ingredientes que está impactando o negócio tradicional da companhia. Entre eles, o Pix e o Open Banking.

“O mercado vai evoluindo e vamos nos adaptando. Resistir seria um problema”, diz o country manager da Visa no Brasil. “O que buscamos é abraçar e oferecer. Nós queremos ser a rede das redes.” Ele explica o que seria, na prática, esse conceito.

“É quase como um hub universal. Nós percebemos que conseguimos ser esse hub que faz com que uma transação possa começar numa rede e terminar em outra e nós estamos no meio”, diz. “Também podemos agregar serviços a essa transação. Porque temos esses serviços para a nossa própria rede.”

Na entrevista ao NeoFeed, Alves aprofunda essa tese e dá mais detalhes de como a Visa está tentando se posicionar nesse novo mundo, a partir da perspectiva da operação no Brasil, país no qual a empresa tem mais de 100 clientes ativos, entre bancos tradicionais, neobanks, fintechs e afins.

Essas três últimas frentes incluem nomes como Mercado Pago, XP, Pagseguro, Neon, Rappi e Natura. E foram responsáveis pela emissão de mais de 20 milhões de credenciais (cartões) da Visa nos últimos dois anos. Confira os principais trechos da entrevista:

De que maneira questões como o Pix e o Open Banking estão impactando o setor e o negócio da Visa?
Nós temos, obrigatoriamente, que pensar fora da caixa e pensar fora da caixa antes de uma nova realidade. O Pix, por exemplo, fez um belo serviço ao trazer uma enorme quantidade de usuários que antes só transacionavam em dinheiro em espécie. Há cerca de quatro meses, um estudo da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), mostrou que aproximadamente 13% dos usuários de Pix não tinham qualquer produto de pagamento eletrônico e outros 13% tinham, mas não usavam a não ser para fazer saque em caixa eletrônico. Então, são mais ou menos 26% dos usuários do Pix muito permeáveis a serem digitalizados. E quando Pix dá uma experiência bem resolvida, eles passam a ter acesso às nossas experiências, então, acaba crescendo a torta. A gente passa ter um mercado endereçável que se amplia.

E quanto ao Open Banking?
O Open Banking acaba criando todo um novo playground, um novo espaço de atuação. Você começa a ter novas experiências e jornadas onde pode atuar. Temos uma parceria com uma empresa chamada Celero, por exemplo, e já lançamos alguns projetos com eles, com soluções que permitem encontrar onde existem contas a pagar e a receber associadas a pequenos e médios estabelecimentos. E isso passa a ser base para organizar a vida financeira, inclusive estender a oferta financeira, através de parceiros para esses pequenos negócios. Então, aumentam as possiblidades. No final, o que estamos fazendo é ampliar a nossa pegada.

Como a Visa está se posicionando no que diz respeito às criptomoedas?
Primeiro, queremos cada vez mais ajudar a viabilizar novas plataformas e novos players. Nós temos mais de 70 acordos no mundo e vamos expandir essa base. Nosso papel é dar mais fluidez à movimentação financeira e aos pagamentos. Se você quiser dar liquidez a esses ativos e transacioná-los no comércio, através da credencial da Visa, você passa a ter essa possibilidade. Em outra frente, já temos APIs que ajudam esses parceiros a comprar, custodiar e vender essas criptomoedas com uma implementação mais rápida e que permitem um time to market melhor.

"O Open Banking acaba criando todo um novo playground, um novo espaço de atuação"

E no Brasil, como essa área está evoluindo?
Temos parcerias com empresas como Alter, Zro Bank, Cripto.com e outras que ainda não posso mencionar. Um dos projetos que já fazemos envolve, por exemplo, o agronegócio, por meio de uma parceria com a Agrotoken.

Como funciona essa parceria?
Ela permite que produtores passem a ter tokens associados às suas produções de grãos e, a cada tonelada, eles ganham um token que passa a poder ser transacionado nos 80 milhões de estabelecimentos nos quais temos aceitação no mundo. O que fazemos, no fim, é dar possibilidades para que a transação flua em qualquer parte do mundo, para qualquer pessoa ou qualquer negócio. Então, todos esses espaços, de open banking, de criptomoedas, são novas possibilidades de transacionar. Se pensarmos que a Visa tem 180 moedas no mundo com as quais opera e que você usa o seu cartão virtualmente em qualquer país do mundo, com as criptomoedas não deveria ser diferente e é nesse sentido que estamos atuando hoje.

Quais são os próximos passos nessa área?
Olhando para frente, o que queremos fazer é a integração entre blockchains. Esse é um conceito que chamamos de adaptador universal de blockchains, que permite a troca integrada de valores, independentemente do blockchain, para poder fazer com que seja ainda mais fluída a convivência de diferentes sistemas. Hoje, eles são relativamente fechados. O nosso papel é dar mais interconectividade a essas redes. Hoje, ainda é um conceito, tecnicamente, em amadurecimento.

Há algum exemplo de projeto sendo desenvolvido nessa direção no Brasil?
Estamos trabalhando com o Banco Central no Lift Challenge Real Digital (iniciativa que busca viabilizar a criação de uma moeda digital nacional), juntamente com Microsoft e Consensy, que é um consórcio. Estamos desenhando um protótipo funcional para pequenos e médios negócios, com um foco nas finanças descentralizadas, usando blockchain. A ideia é levar pequenos e médios produtores rurais brasileiros a se financiarem globalmente. A moeda será o real digital, nessa prova de conceito, e a liquidação, em princípio, se dará com esse adaptador que eu acabei de citar. Qualquer investidor no mundo, em qualquer moeda, deveria ser capaz de financiar esse produtor rural que recebe um real digital sem ter que se preocupar com a complexidade que está por trás.

O metaverso é outro conceito que vem ganhando espaço no mercado. Há oportunidades para a Visa nesse contexto?
Para a Visa, o metaverso representa um ponto de inflexão estratégico e deverá acelerar tendências como o desenvolvimento de soluções e serviços de vendas e marketing, estratégias de gestão de risco e a popularização de ativos digitais. Acreditamos que cada vez mais veremos uma expansão do ser humano, para aquilo que chamamos de “Meta Me”, ou “Meta Eu”, onde teremos uma grande mistura entre nossas personas digitais e analógicas – eu em carne e osso e os meus avatares. Temos oportunidade de trazer interoperabilidade no metaverso por meio de nossa rede e as credenciais de pagamento – que estarão cada vez mais desmaterializadas. Estamos ativamente envolvidos em iniciativas para ajudar nossos parceiros a explorar oportunidades nesse ambiente emergente.

Então, é possível dizer que, mais do que uma ameaça ao seu negócio tradicional, a Visa está vendo esse cenário como uma oportunidade?
Nós temos que nos adaptar. Há muito anos, você via as operadoras de telefonia resistindo muito aos players de voz sobre IP, porque isso destruiria, em teoria, o negócio deles de voz. Até o momento em que elas perceberam que o negócio na verdade estava em dados. E quando avançaram para dados, esses caras passaram a ser parceiros fundamentais, porque geram mais consumo de dados. É mais ou menos com essa visão que encaramos essa transformação. O mercado vai evoluindo e vamos nos adaptando. Resistir seria um problema. O que buscamos é abraçar e oferecer. Nós queremos ser a rede das redes.

O que significa exatamente esse conceito?
Ele se baseia em efeito de rede, em ter muito mais relevância pelo alcance. Gosto de usar uma analogia bem simples. Você vai lembrar dos tempos em que operadoras de telefonia cobravam muito mais de quem era de outra rede. Se ligasse para alguém da mesma rede, tinha um preço mais conveniente, se você ligasse pra fora, acabava tendo preço muito alto e o modelo atrapalhava a expansão de todo o sistema. Quando eles passaram a diminuir essa diferença e depois, com o uso de dados, ela foi eliminada. Então, o mesmo princípio faz com que uma credencial nossa seja relevante. Você vai para mais de 200 países, tem acesso a uma rede de 80 milhões de comércios e consegue usar o seu cartão. Mas e se você não precisar se ater apenas às credenciais Visa ou à rede Visa? Se conseguir usar sua criptomoeda em um comércio que aceita Visa? Então, esse já é um primeiro passo.

Quais outros exemplos você poderia dar?
Outro é: e se você conseguir mandar um Pix pra alguém que mora no Canadá usando a nossa rede como portadora dessa transação? Ou seja, é quase como um hub universal. Eu poderia dar vários casos de uso, como a integração de diferentes blockchains. Quando você vai expandindo esse conceito, nós percebemos que conseguimos ser esse hub que faz com que uma transação possa começar numa rede e terminar em outra e nós estamos no meio. E se conseguimos dar transacionalidade, também podemos agregar serviços a essa transação. Porque temos esses serviços para a nossa própria rede. Eu falo aqui de antifraude, de gestão de dados, de fidelidade, ou seja, tudo aquilo que fazemos para a nossa rede, em princípio, poderia ser feito para a rede de terceiros. Então, estamos indo muito nessa lógica de nos tornamos mais relevantes dando mais abrangência e depois colocando nossos serviços à disposição de outras redes. São "n" as possibilidades quando começamos a ver o mundo dessa maneira.

Já há casos de oferta de serviços sob essa ótica no Brasil?
Nós temos uma prova de conceito para medir padrões de fraude em cima do Pix, com um parceiro. Já conseguimos ajudar nossos clientes com algo que não é diretamente da nossa rede, a medir o quanto uma transação tende a ser fraudulenta, ainda que ela não passe por nós e esteja no Pix. O produto que temos para isso se chama Prevent. É algo que vai deixar de ser um piloto muito em breve para ser algo comercializável. Esse é um dos casos. Vamos ver outros ao longo dos próximos meses.

O Brasil é um mercado sofisticado no que diz respeito aos pagamentos. Como esse contexto se reflete em investimentos e na relevância da operação brasileira no mapa global da Visa?
O Brasil é um dos principais mercados da Visa no mundo. Eu mesmo faço parte de um comitê dos principais mercados e que a cada dois meses se reúne com o board global, onde eles escutam e discutem quais são as necessidades de cada mercado. E o Brasil é muito vocal em pedir recursos para a inovação que acontece aqui. Por outro lado, a gente vem desenvolvendo há muito tempo inovações locais que acabam sendo exportadas.

"O Brasil vem sendo um celeiro de inovação da Visa para o mundo"

Você pode citar alguns desses projetos?
O metrô do Rio de Janeiro tem uma tecnologia por trás que foi inventada aqui no Brasil, que permite implementar as soluções de transporte urbano com um mínimo de investimento por parte do operador. Outro exemplo é permitir que emissores façam a aquisição digital de clientes com uso de serviços nossos que acabam reduzindo o risco e agilizando o processo. Também foi inventado aqui. Eu poderia dar mais alguns exemplos, mas é esperado que o Brasil forneça tecnologia para o mundo. Então, quando levo casos daqui para o comitê, vejo muita receptividade. Eles pedem mais e mais. Então, o Brasil vem sendo um celeiro de inovação da Visa para o mundo.

No Brasil e, globalmente, quais dados traduzem a evolução dessa nova pegada da Visa?
No Brasil, por exemplo, já conseguimos ver um nível de uso de pagamentos por aproximação de 35%. É uma média. Já tem clientes acima de 75%. Esse número era de 25% há dois meses. Globalmente, já emitimos 4 bilhões de tokens. Se você pensar que temos 3,9 bilhões de cartões, significa que hoje já temos mais tokens do que cartões. Então, quando falamos da desmaterialização do cartão, porque ele passa a estar no relógio, no celular, no app, é isso que está acontecendo concretamente.

Na prática, a Visa está, então, indo muito além dos cartões?
O curioso é que nós nunca fizemos um cartão. O cartão é um veículo, é uma casa para a nossa credencial. Ali você tem os dados lógicos da sua credencial. Como você tem no seu celular, na sua geladeira, eventualmente, e nos apps que usa. Então, o cartão vai ser cada vez mais desmaterializado. Porque vamos buscar, cada vez mais, tirar fricção de qualquer jornada de consumo. Fazendo um fast forward, nós vemos um futuro onde se não precisa de nada a não ser a biometria para fazer qualquer tipo de transação. Os seus dados lógicos, com suas contas, vão estar na nuvem. Então, nós imaginamos um mundo em que o cartão como nós conhecemos desaparece. E vamos além. Imaginamos um mundo em que boa parte das decisões de compra sejam feitas por máquinas, que já conhecem os seus padrões de consumo e que conseguem simplificar a sua vida. Então, não somos e não seremos, definitivamente, uma empresa de cartões no sentido físico da palavra.