A distribuição de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) tem se tornado cada vez mais dependente de aportes de pessoas físicas, atraídas pela isenção fiscal. Sua participação chegou a 81% do volume das emissões de março, de acordo com levantamento exclusivo da CR Data para o NeoFeed.

A predominância de investidores individuais nas ofertas de CRI começou em outubro, quando os fundos de investimento imobiliário (FIIs), tradicionalmente os maiores compradores desse tipo de ativo, passaram a representar a minoria. A metodologia do estudo considerou tanto a participação direta de pessoas físicas nas ofertas quanto aquisições feitas por consórcios que atuaram na distribuição.

“Quando não conseguem colocar a oferta inteira ou querem vender com spread depois, eles podem ficar com o papel. No final, vai para a mão da pessoa física”, diz Felipe Ribeiro, sócio e diretor de investimentos alternativos do Clube FII, responsável pelo estudo, ao NeoFeed. Trata-se de instituições como XP e BTG Pactual, que frequentemente lideram esse tipo de operação.

O movimento é reflexo direto da alta dos juros, que torna os títulos isentos ainda mais atrativos. Desde o fim de 2023, o volume investido por pessoas físicas em CRIs cresceu 42%, para R$ 89 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Para quem compra, o principal benefício em relação aos títulos tradicionais do mercado é a isenção de imposto de renda, que nos títulos públicos varia de 15% a 22,5%, dependendo do tempo de carrego.

Na outra ponta, os FIIs têm enfrentado dificuldades para captar. Sua participação nas emissões recuou de 68% em setembro para apenas 15% em março. Instituições financeiras que não participaram da oferta e pessoas jurídicas representaram cerca de 4%. Até o terceiro trimestre, a participação dos fundos nas emissões de CRIs vinha rodando entre 40% e 70% em 2024, sendo maioria em cinco dos nove meses.

Sem novas ofertas, os fundos de papel — principais compradores de CRIs — operam com caixa limitado, financiado quase exclusivamente pelas amortizações dos ativos já em carteira. Além disso, a grande maioria está sendo negociados com desconto em relação ao valor patrimonial, o que inviabiliza novas emissões de cotas. Esse desconto, na média, tem girado próximo de 18% entre os fundos de papel.

Um estudo da Opea Securitizadora mostra que, entre os FIIs com patrimônio acima de R$ 800 milhões, a posição média de caixa era de apenas 3,49% no fim de fevereiro. “A queda de emissões de CRIs é explicada pela falta de caixa do grande comprador, que são os fundos imobiliários”, afirma Lucas Drummond, head de DCM da Opea.

Até março, as emissões de CRI somaram R$ 8,8 bilhões — 42% abaixo do volume do primeiro trimestre de 2024, segundo a CR Data. Já os fundos captaram R$ 3,7 bilhões no primeiro bimestre, cerca da metade do registrado no mesmo período do ano anterior.

Diante da falta de liquidez dos fundos, 60% dos CRIs estruturados pela Opea passaram a ser distribuídos via rito ordinário, destinado ao público em geral. Nos anos anteriores, cerca de três quartos a dois terços das ofertas da casa seguiam o rito automático, restrito a investidores profissionais.

As ofertas ordinárias, por exigirem registro junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), têm um processo mais custoso. No entanto, a demanda mais ampla pode compensar os custos com taxas menores.

Felipe Ribeiro, sócio e diretor de investimentos alternativos do Clube FII
Felipe Ribeiro, sócio e diretor de investimentos alternativos ;do Clube FII

Em casos de emissores conhecidos, essas taxas chegam a ficar abaixo do CDI, com a isenção fiscal compensando o spread negativo em relação aos títulos públicos. Foi o caso da emissão da Allos, que saiu a 99% do CDI. A previsão inicial era de levantar R$ 500 milhões na oferta, mas, dada alta demanda pelos papéis, a companhia levantou R$ 625 milhões.

Marcos Ribeiro do Valle, sócio e diretor comercial da Habitasec, diz que a presença da pessoa física tem crescido até mesmo em ofertas via rito automático. “Ofertas que seriam integralmente tomadas por um grande investidor profissional passaram a ser divididas com casas de wealth e assessores de investimentos, que tecnicamente também são considerados investidores profissionais por terem a figura de um gestor”, afirma.

Com esse novo fluxo, Valle afirma que está ajustando o foco do negócio, antes voltado a estruturar operações exclusivamente para gestoras. “Estamos expandindo para trabalhar mais com bancos e distribuidores do mercado de varejo. Provavelmente começaremos a fazer ofertas via rito ordinário.”

O Banco Fator, que atua exclusivamente com investidores institucionais, reconhece que a retomada das captações dos FIIs depende de uma virada na curva de juros.

“O que turbinou muito o mercado, alguns anos atrás, foram as novas captações, dinheiro novo para esse tipo de ativo. Tendo só uma melhora mais firme da curva de juros, a gente vai poder ver com força isso voltando”, afirma Filipe Albert, responsável pela originação no Banco Fator.

Embora ainda não haja sinais claros de recuperação nas captações, Guilherme Almeida, head de renda fixa da Suno Research, vê nos fundos de papel uma oportunidade mais interessante do que investir diretamente em CRIs.

“Desde que seja um fundo de qualidade, o preço descontado acaba sendo uma boa oportunidade para o investidor. Se os fundamentos estão ali, não é a cota negociada em bolsa que vai determinar o futuro do ativo.”

Além da remuneração gerada pelos CRIs em carteira, o investidor pode se beneficiar da valorização das cotas, caso elas se aproximem novamente do valor patrimonial.

Almeida destaca ainda que muitos investidores de varejo não têm preparo técnico para avaliar os riscos de crédito e liquidez de um CRI individualmente. “O mercado secundário de CRI é muito restrito. E o investidor de varejo costuma focar apenas na rentabilidade do produto."