O mercado de galpões logísticos registrou forte desenvolvimento nos últimos anos em São Paulo. Impulsionado pela demanda do e-commerce, o segmento mostra uma mudança estrutural na relação entre oferta e demanda, criando um cenário que estimula cada vez mais operações de M&A.

A avaliação é de especialistas ouvidos pelo NeoFeed, que apontam que a oferta restrita de novos galpões na capital paulista e em cidades próximas, aliada à demanda aquecida, manterá os aluguéis elevados — cenário atrativo para investidores que buscam ativos já performando.

Um estudo da consultoria de real estate CBRE, obtido com exclusividade pelo NeoFeed, mostra que, pela primeira vez, o mercado de condomínios logísticos de São Paulo e região vive um ciclo real de aumento consistente nos valores de locação.

Nos últimos 24 meses, os aluguéis subiram até 30% acima da inflação do período, impulsionados pela alta na ocupação. Na capital, onde se concentram galpões voltados ao last mile, a CBRE constatou a quebra inédita do teto de aluguel de R$ 50 por metro quadrado.

No raio de 30 quilômetros, também há aumento consistente de preços, com galpões para fulfillment triple A ultrapassando R$ 40 por metro quadrado.

O movimento fez com que a região ganhasse o apelido de “Faria Lima dos galpões”, por apresentar tendência semelhante à do mercado de lajes corporativas da avenida que se tornou o centro financeiro de São Paulo — e até do Brasil.

“Os aumentos dos aluguéis já foram pontuais, mas hoje são uma tendência do mercado”, afirma Rodrigo Couto, diretor de industrial e logística na CBRE. “O mercado nunca fez tantas revisões nos últimos dois anos. Não víamos um ciclo tão longo de alta nos preços.”

Enquanto a demanda por galpões crescia, a oferta não acompanhava, levando a vacância a patamares historicamente baixos. No raio de 30 quilômetros em torno da capital paulista, a taxa de vacância caiu para 9,1% no segundo trimestre, abaixo dos 10,3% registrados nos primeiros três meses do ano — um dos menores níveis dos últimos 15 anos.

Segundo Couto, a alta dos juros no pós-pandemia restringiu o desenvolvimento de novos galpões, fator que ainda persiste. “Com juros mais baixos, as TIRs dos projetos buscavam algo em torno de 12% a 14% ao ano. Agora, é preciso algo entre 20% e 25% para justificar o investimento”, afirma.

O aumento dos custos de obras também pesa na decisão dos investidores, segundo Guilherme Bueno, sócio-fundador e portfólio manager da área de desenvolvimento e incorporação da RBR Asset.

Desde 2020, o INCC acumula alta de 46,9%, enquanto o IPCA subiu 32,9% no mesmo período. “Os custos pós-pandemia subiram demais. Um galpão padrão que custava R$ 1,2 mil o metro quadrado em 2020 ou 2021 hoje custa quase R$ 2,4 mil”, afirma Bueno.

Esses fatores vêm limitando a chegada de novos produtos ao mercado. Para este ano, a CBRE estima a entrega de 1,3 milhão de metros quadrados, acima dos 860 mil do ano passado, mas ainda abaixo do necessário para acompanhar o ritmo de absorção. “Mesmo com essa quantidade, a vacância deve continuar caindo”, diz Couto.

Essa confluência de fatores está estimulando M&As de ativos, com fundos imobiliários — especialmente os voltados para renda — indo ao mercado para comprar, buscando lucrar com a alta dos aluguéis de ativos já performando.

A RBR aproveitou o momento para reciclar seu portfólio. No final de junho, a gestora anunciou a venda de todos os ativos que detinha — cerca de 250 mil metros quadrados de galpões locados e mais 200 mil prestes a serem entregues — para o fundo XPLG11, da XP Asset. A transação, que supera R$ 1 bilhão, deve ser concluída nos próximos 60 dias.

“O M&A, para os grandes fundos, é uma forma mais fácil de crescer do que desenvolver, por conta da complexidade e do prazo maior, o que afeta a renda”, diz Bueno.

Para Gabriel Barbosa, sócio e gestor da TRX Investimentos, o cenário torna atrativo adquirir ativos prontos e locados para valorização. “Às vezes, é possível encontrar imóveis com preço ainda bom ou com contratos de locação defasados, e capturar essa curva de valorização diante da oferta e demanda”, afirma.

O bom momento dos galpões está trazendo a TRX de volta ao segmento. A gestora tem histórico em galpões, com forte presença no modelo built to suit. Mas desde 2019, com a listagem do TRXF11, seu fundo carro-chefe, passou a investir mais em lojas para varejo.

Na semana passada, isso mudou com a compra de um imóvel do Mercado Livre na região metropolitana de Curitiba. Por 44% do empreendimento, a TRX pagou R$ 208 milhões e analisa novos ativos, inclusive em São Paulo.

“Essa foi nossa volta à logística, e temos no pipeline outros ativos sendo avaliados. Estamos recebendo ofertas e estamos em fase de análise”, afirma Barbosa.

Novos desenvolvimentos

Mesmo com os entraves, o mercado deve ver alguma retomada de investimentos em galpões, estimulada pela perspectiva de queda dos juros.

A alta dos aluguéis e a expectativa de melhora nas condições macroeconômicas incentivam quem tem capacidade de desenvolver novos projetos. É o caso da Zagros Capital, que estuda investir em um grande projeto no raio de 30 quilômetros, segundo Pedro van de Berg, CEO da gestora.

“Não é simples fechar a conta, por causa do custo alto de terreno, obra, capital e prazo de investimento. Mas, diante da perspectiva de melhora de cenário, é possível assumir algum risco. A conta pode fechar, considerando a queda dos juros e o aumento de preços e demanda”, diz van de Berg.

Sem entrar em detalhes, ele afirma ter assinado um acordo para avaliar o projeto, localizado em área nobre do mercado de galpões. Até então, o projeto estava inviabilizado devido às condições de desenvolvimento.

Outro formato que vem ganhando força é o retrofit. O movimento está concentrado em São Paulo, onde as leis de zoneamento e a disputa por terrenos com incorporadoras limitam novos projetos. Alguns desenvolvedores estão adaptando fábricas antigas às necessidades do last mile. A RBR considera investir em um projeto nesse modelo.

“Hoje não há terrenos disponíveis dentro da cidade, nas Marginais, e as empresas estão reformando galpões, mesmo com pé-direito mais baixo”, afirma Couto, da CBRE. “Esses projetos estão concentrados nas zonas Oeste e Sul, principalmente na região que liga com Osasco.”

A chegada de novos projetos, no entanto, não será suficiente para frear os aumentos de preços. No raio de 30 quilômetros, a queda dos juros pode estimular novos empreendimentos, já que as aprovações tendem a ser mais rápidas. Mas surgem novos desafios.

O primeiro é a escassez de terrenos, com poucas áreas grandes disponíveis para aquisição e desenvolvimento. Outro ponto é que muitas dessas áreas exigem obras de infraestrutura para conexão com rodovias — com prazo estimado entre dois e três anos.

Quem pretende desenvolver já possui projetos em carteira ou busca adquirir terrenos ainda não aproveitados. “Ainda é possível encontrar greenfields em regiões com acesso mais difícil às rodovias. Mas está cada vez mais difícil achar e precificar terrenos em frente às grandes vias — são áreas que viraram ‘ouro’”, afirma Couto.