Às vésperas da decisão sobre o caminho que o Comitê de Política Monetária (Copom) dará à taxa Selic, hoje em 14,75%, o CEO da Multiplan, Eduardo Peres, deu um recado duro para o governo federal, a quem ele considera principal responsável pelo momento econômico desafiador, por, segundo ele, “não fazer a lição de casa” e cortar os próprios gastos.
“O desajuste fiscal do governo é muito responsável por isso. O tamanho do gasto do Estado é que joga essa taxa para esse tamanho”, diz Peres, em entrevista ao NeoFeed, logo após reunião pública para analista e investidores. “O governo custa muito e é ineficiente.”
Para o empresário, que assumiu o comando da companhia dona de 20 shoppings no País em fevereiro de 2023, no lugar de seu pai, José Isaac Peres, o segmento imobiliário da Multiplan vem sendo impactado pela alta da taxa de juros.
“Apesar de estarmos bem nas vendas do nosso projeto imobiliário de Porto Alegre [bairro privativo em construção, chamado Golden Lake], poderíamos estar muito melhor. E poderíamos ter colocado de pé outros projetos, mas não me sinto encorajado”, diz Peres. “A taxa de juros influencia muito este investimento a longo prazo.”
A empresa também hibernou a ampliação de dois shoppings, que estavam no pacote inicial de sete centro de compras, por causa dos desafios provocados pela atual política econômica. “Vamos jogar para a frente. Quero aguardar o resultado da eleição presidencial no ano que vem. Vamos ver para onde vai o Brasil.”
A expectativa do CEO é de que o Congresso rejeite o pacote fiscal apresentado pelo governo federal, principalmente no que diz respeito ao aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que foi muito mal recebido pela classe política e pelo setor produtivo.
“Torço muito para que isso não prospere. Falta ao governo fazer o dever de casa e cortar suas próprias despesas. Se o governo fosse bom, teríamos hoje uma taxa de juros muito menor. Basta olhar os indicadores de avaliação que já dá para entender”, afirma.
Em reunião com investidores, a empresa reportou crescimento de 14,6% nas vendas dos 20 shoppings da companhia em maio. Em abril, a alta registrada foi de 17,3%. O market share da companhia nas vendas do varejo subiu, passando de 8,5%, em 2019, para 12,1%, em 2024.
No ano passado, a companhia adotou uma estratégia agressiva de alocação de capital, com R$ 3,6 bilhões aportados, sendo R$ 2,1 bilhões em recompra de ações (em setembro, a família Peres, principal controladora, e a própria companhia compraram todas as 111,2 milhões de ações do fundo canadense Ontario Teachers Pension Plan (OTPP), equivalentes a 19,2% do capital social da Multiplan).
Mas, segundo Peres, o ritmo de 2025 deve ser diferente, provocado principalmente pelo caminho da economia brasileira. “Agora a ideia é reduzir os investimentos, ser mais seletivos. Até porque essa taxa de juros nos obriga a fazer isso.”
A companhia fechou o primeiro trimestre com volume de vendas de R$ 5,5 bilhões nos 20 shoppings, alta de 7,9% sobre o mesmo período de 2024. A taxa de ocupação chegou a 96,3%, e a inadimplência líquida, 0,8%.
No acumulado de 2025, as ações da Multiplan na B3 registram valorização de 27,8%. A empresa está avaliada em R$ 13,4 bilhões.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Eduardo Peres ao NeoFeed.
Qual a responsabilidade do governo federal, na sua avaliação, pela taxa Selic a 14,75%?
O desajuste fiscal do governo é muito responsável por isso. O tamanho do gasto do Estado é que joga essa taxa para esse tamanho. O governo custa muito e é ineficiente. E esse custo acaba na mão do consumidor, seja comprando um produto ou na busca por um financiamento. Há muita ineficiência nessa questão.
Como o senhor enxergou o pacote que previa aumento nas alíquotas do IOF, apresentado pelo ministro Fernando Haddad?
Muito ruim. Torço muito para que isso não prospere. Vamos ver qual vai ser o posicionamento do Congresso. Falta ao governo fazer o dever de casa e cortar suas próprias despesas. Precisa diminuir esse tamanho. Não dá para ficar desse jeito. Se o governo fosse bom, teríamos hoje uma taxa de juros muito menor. Basta olhar os indicadores de avaliação que já dá para entender. Gostaria de ver um Brasil mais leve, no ponto de vista das despesas públicas.
Acredita que o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, seguirá a linha de seu antecessor, Roberto Campos Neto, na condução da política econômica?
Até agora, ele tem sido um discípulo do Roberto Campos Neto. Tomara que continue assim. Um Banco Central independente é tudo o que o País precisa. O modelo que foi implementado por seu antecessor é esse. E precisa continuar.
Com a taxa de juros a esse patamar, a Multiplan pode pisar no freio em mais investimentos em aquisições e expansões?
Sim. A gente veio de um ano muito ativo, e até atípico, em que a gente comprou uma participação muito grande da companhia, que estava na mão de outro sócio. E agora a ideia é reduzir os investimentos, ser mais seletivos. Até porque essa taxa de juros nos obriga a fazer isso. Não podemos entrar de peito aberto em qualquer coisa. Não me sinto a vontade para sair comprando com esse ambiente econômico.
Mesmo com a taxa de juros a 14,75%, a Multiplan vem registrando aumento no volume de vendas em seus centros de compras. O consumo conseguiu ser blindado, apesar da Selic?
No consumo, não entendo que tenha afetado diretamente. As vendas nos nossos shoppings vêm crescendo e temos visto dinheiro no mercado. Temos visto as pessoas consumindo e estamos crescendo acima do próprio setor e do varejo. Também passamos a oferecer muitas atividades nos shoppings. Comprar é mais uma delas. E, pelos resultados de vendas que tivemos em abril e maio, devemos ter um segundo semestre de crescimento.
Em seu discurso no evento, o senhor falou que irá concluir em três anos o plano de expansão de sete shoppings, que seriam em cinco, com investimentos de R$ 1,5 bilhão. Como foi possível mesmo com esse cenário econômico desafiador?
Estamos conseguindo antecipar porque entendemos que tinha mercado para isso e a gente queria atender melhor também o entorno dos shoppings. Em Brasília, por exemplo, nosso shopping ficava em um local isolado. Hoje um bairro inteiro cresceu em volta e há muitos empreendimentos. E estamos crescendo as locações das lojas na velocidade esperada, inclusive no preço. Só que do pacote inicial, deixamos dois de fora: o ParkShopping São Caetano e o Jundiaí Shopping. Mas aí foi por questão política. Vamos jogar para a frente. Quero aguardar o resultado da eleição presidencial no ano que vem. Vamos ver para onde vai o Brasil.
Com pouco mais de dois anos à frente da operação da Multiplan, o senhor tem recebido muito conselho de seu pai na gestão?
Ele não atua mais na linha de frente, mas segue firme na presidência do Conselho de Administração. Com frequência, diz o que pensa, se gostou, se não gostou. E a gente ouve. Ele é o principal acionista. Mas meu pai, com 85 anos, hoje tem desenvolvido muitos projetos de construção em Miami, em iniciativas próprias dele.