A Faria Lima, endereço símbolo do mercado financeiro brasileiro, cruzou com o Primeiro Comando da Capital, o PCC, uma das maiores organizações criminosas do Brasil, e virou alvo de uma ação da Polícia Federal, na quinta-feira, 28 de agosto.

Entre os prédios espelhados e cafés movimentados que marcam o ritmo da região, a rotina deu lugar à presença de agentes federais, que investigam o suposto envolvimento de profissionais da elite financeira com o crime organizado.

Entre as companhias citadas pela PF no âmbito das investigações estão Reag, Genial, Trustee, Buriti, Altinvest, Libertas Asset, Actual Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, Banvox Distribuidora de Títulos e Valores, Banco Master, Brasil Special Opportunities e BFL Administração de Recursos.

No mercado, essas casas são associadas a nomes conhecidos do mercado: a Reag é ligada a João Carlos Mansur; a Genial Investimentos tem como principais sócios Rodolfo Riechert e André Schwartz; a Trustee está sob o comando de Maurício Antonio Quadrado, que também figura entre os sócios da Banvox.

A Buriti, por sua vez, é liderada por Marcelo Alves Varejão, enquanto a Altinvest tem como referência Rogério Peres. A MAM Asset, por sua vez, é ligada ao Banco Master, de Daniel Vorcaro. Já a Brasil Special Opportunities é relacionada a Cleiton Santos Santana; a Libertas Asset e a Actual DTVM, a Clélio Gomes; e a BFL Administração de Recursos, a Marcelo Cardoso Lisboa.

Segundo apurou o NeoFeed, no Pátio Malzoni, um dos prédios ícones da avenida Faria Lima e a casa de muitas gestoras, vários executivos fugiram com documentos pelos elevadores privativos. Construído em formato de "agá", possui duas torres e uma grande laje corporativa, além de um protocolo para a chegada de agentes da Polícia Federal, que tem acesso direto a um dos subsolos onde fica a garagem.

A ação envolveu a Receita Federal, a Polícia Federal e diversos órgãos parceiros, com o cumprimento de mandados em cerca de 350 alvos — entre pessoas físicas e jurídicas — espalhados por oito estados. As investigações revelaram uma complexa estrutura de fraudes, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro: entre 2020 e 2024, mais de 1.000 postos de combustíveis movimentaram R$ 52 bilhões.

Em paralelo, o esquema utilizou cerca de 40 fundos de investimento para a blindagem patrimonial, segundo a Polícia Federal, com ativos avaliados em R$ 30 bilhões, incluindo usinas, terminais portuários, frotas de caminhões e imóveis de luxo.

De acordo com a Receita Federal, o patrimônio associado ao esquema chegava a R$ 30 bilhões, distribuído em cerca de 40 fundos de investimento. Entre os ativos identificados estavam 1.600 caminhões, quatro usinas produtoras de álcool, um terminal portuário, mais de 100 imóveis, seis fazendas no interior de São Paulo e até uma casa avaliada em R$ 13 milhões em Trancoso, na Bahia. Todos esses ativos, segundo a investigação, faziam parte do patrimônio desses fundos.

A operação chamou atenção do mercado, dadas as cifras e o tamanho das instituições sob escrutínio da Polícia Federal, mas não foi uma grande surpresa. Antes mesmo da PF colocar seus agentes na rua, os rumores já circulavam pelo centro financeiro de São Paulo – tanto que há suspeitas de vazamento da operação, o que fez vários mandados não serem cumpridos.

“Esta informação sobre envolvimento de gestores com o PCC já estava circulando”, disse um gestor de fundos sob a condição de não ter seu nome revelado. “Ouvi pela primeira vez há umas duas semanas que havia suspeita de lavagem de dinheiro do PCC com envolvimento de alguma gestora grande.”

Outro gestor também afirmou que a operação não foi recebida com “muita surpresa”. “Fazer administração fiduciária de A a Z pode dar nisso. É difícil julgar, mas era uma possibilidade.”

De acordo com a Polícia Federal, a engrenagem financeira se apoiava em uma rede sofisticada para dar aparência de legalidade às operações. A fintech BK Instituição de Pagamento era usada como canal para movimentar recursos de origem ilícita.

Já dentro do sistema financeiro, segundo a investigação, os envolvidos estruturaram uma rede de transações entre fundos de investimento sem justificativa econômica real. Essas negociações eram realizadas de forma sucessiva, em um movimento de “tabelinha” que servia apenas para dificultar o rastreamento da origem dos recursos.

É justamente nesse ponto que recaem as maiores suspeitas sobre as instituições financeiras mencionadas na operação. Segundo a Receita Federal, muitas das estruturas usadas para blindagem patrimonial eram fundos de investimento compostos majoritariamente por um único cotista, formato que, na prática, facilitava a circulação de recursos ilícitos sem que houvesse transparência sobre a real finalidade econômica das transações.

Um gestor de recursos, também sob condição de anonimato, avaliou que o episódio não deve arranhar a reputação da indústria, mas deverá elevar as exigências dos controles internos. “Vai impactar bem os envolvidos e subir a régua de compliance para o resto do mercado. Mas acho que vai beneficiar quem fica.”

Questionada, a Reag, informou que agiu de forma "regular e diligente" nos fundos mencionadas pela PF em que atuou na prestação de serviços e que tais fundos foram, há meses, objeto de renúncia ou liquidação. A Reag também informou que "não possui nem nunca possuiu qualquer envolvimento com as atividades econômicas ou empresariais conduzidas por esses clientes".

Em resposta à reportagem, a Actual informou apenas que não está na lista de investigados, mas sim em um pedido de informação.

Já a Genial afirmou ter recebido a notícia com “surpresa e indignação” e ressaltou que sempre conduziu suas atividades com base nos mais elevados padrões de governança corporativa, ética e compliance regulatório, em estrita observância à legislação e regulamentação aplicáveis. A instituição acrescentou que está à disposição das autoridades para prestar os devidos esclarecimentos.