A próxima quinta-feira, 12 de junho, pode ser decisiva para o grupo Coteminas, de Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp. Nesta data, está programada a assembleia com credores para a aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial (RJ) da companhia.
O pedido de RJ foi protocolado em maio de 2024, envolvendo a empresa e nove das suas controladas. Desde então, os trâmites se arrastam por conta de diversas discordâncias. Entre elas, o valor da dívida incluída no processo, que, de uma cifra inicial de R$ 2 bilhões, foi reduzido para R$ 1,48 bilhão.
Há um grupo, porém, excluído dessa discussão, mas que foi tão ou mais impactado quanto os pouco mais de dez mil credores que integram a lista da RJ: os donos de franquias da MMartan, rede varejista de cama, mesa e banho e principal marca da Ammo Varejo, o braço de varejo da Coteminas.
“Nós estamos na categoria dos enrolados”, diz um desses franqueados, ao NeoFeed. “Estamos praticamente sem produtos e pedindo socorro há muitos anos. Eles só prometem e nunca cumprem. Há muitos franqueados falidos, a situação é cada vez mais caótica e nossa paciência está se esgotando.”
Josué Gomes da Silva, o presidente da Coteminas, rebate essas afirmações. “Sinceramente, às vezes essas observações são fruto de um momento, vamos dizer, específico, de um franqueado ou outro. E que não refletem a totalidade da operação”, diz ele, ao NeoFeed.
Nesse contexto, o NeoFeed conversou – sob condição de anonimato - com franqueados de diferentes regiões do País, com uma ou mais lojas da MMartan. Alguns mantêm uma longa relação com a marca, antes mesmo de a Coteminas assumir a operação, em 2009. Outros, são parceiros mais recentes.
Todos, porém, têm um ponto em comum. Eles dizem enfrentar um problema crônico de desabastecimento, que teve início antes da pandemia e se agravou com a Covid-19. E que, inclusive, foi o fator preponderante para o pedido de RJ tanto da Ammo Varejo como do próprio grupo Coteminas.
Nessa trilha, esses franqueados acumulam prejuízos e dívidas, que variam de R$ 500 mil a R$ 8 milhões, e têm buscado opções para virar o jogo. Mas, assim como as suas vitrines e prateleiras, as opções para colocar um ponto final nessa relação parecem cada vez mais escassas. E caras.
“Eu fiquei traumatizada e já tentei diversas vezes fazer o meu distrato”, diz uma das franqueadas, que fechou sua loja há mais de um ano. “Mas eles são inflexíveis e você se sente ameaçado. Nós somos uma formiga perto do elefante.”
Nesse embate, há uma questão que, na visão dos franqueados, dá indícios do quão desigual pode ser essa disputa. Uma das cláusulas estabelece que qualquer controvérsia nessa relação será resolvida por arbitragem. Com um detalhe: o foro escolhido é a Câmara da Fiesp, a federação das indústrias onde Gomes da Silva, o dono do grupo, é o presidente - veja cópia do contrato na galeria de imagens abaixo.
“A empresa nos desestruturou financeiramente e nos obriga a buscar nossos direitos em um campo que não é neutro”, afirma outro franqueado. “E a arbitragem é caríssima. Você tem que antecipar uma quantia equivalente a 50% do valor venal da sua franquia. Eles determinam esse valor.”
Na outra ponta, Gomes da Silva, ressalta que essa cláusula já estava incluída no contrato antes de a Coteminas adquirir a operação. Além de observar que só foi eleito para presidir a Fiesp, no período de 2022 a 2025, em julho de 2021, e de fazer outras ressalvas.
“Colocar em dúvida a idoneidade de uma Câmara que é presidida por Sidney Sanches e tem Ellen Gracie como vice-presidente é um despropósito”, diz Gomes, em uma referência aos ex-ministros do STF. “Só isso já joga por terra toda e qualquer consideração que esses franqueados tenham feito.”
Conforme apurou o NeoFeed, existem divergências, porém, no que diz respeito ao fato de a cláusula já constar do contrato antes da entrada da Coteminas. Alguns dos franqueados mais antigos confirmam essa informação.
Há casos, no entanto, de franqueados - na rede também há bastante tempo - que assinaram um termo de “aceitação expressa de arbitragem” transferindo o palco para a resolução de eventuais conflitos de fóruns na Justiça comum, em outras localidades, para a câmara da Fiesp/Ciesp. Inclusive, após Gomes da Silva ter sido eleito para presidir a entidade.
À parte dessa questão, também não há um consenso sobre as alternativas jurídicas na mesa. Uma das opções é uma ação coletiva para obter os distratos. Mas, na visão dos advogados dos próprios franqueados, essa medida teria pouca efetividade, dadas as especificidades de cada caso.
“O que pode ser feito é uma ação coletiva para o desligamento por falta de mercadorias ou para dissolver a arbitragem”, diz uma das fontes. “Para isso, porém, é preciso que todos concordem, o que é quase impossível. Mas se acontecer, acredito que haverá uma enxurrada de processos contra eles.”
Para onde correr?
Diante desse cenário, os franqueados têm optado por caminhos diferentes para lidar com sua situação. Mesmo não conseguindo um acordo de distrato, muitos decidiram fechar as portas de suas lojas, em uma tentativa de, pelo menos, estancarem suas perdas.
Aqui, no entanto, também há problemas. Existem casos, por exemplo, de parceiros que estão sendo processados pela Ammo Varejo por quebra de contrato justamente sob a alegação de terem encerrado suas operações.
Essas ações incluem outra conta desfavorável. Com o alegado abastecimento precário das lojas e, por consequência, seu efeito no giro das operações e no bolso dos franqueados, muitos contraíram dívidas com a rede no pagamento de royalties e mercadorias compradas antes que essa situação viesse à tona.
“Muitos querem negociar essa dívida, especialmente pelo fato de que não foram os causadores dessa situação”, afirma uma das fontes. “Mas eles não dão, minimamente, um desconto. E querem receber tudo dentro dos prazos.”
Gomes da Silva, por sua vez, diz que a empresa precisa “ser rígida no que se refere a contas a receber” e que, havendo atrasos, a companhia não pode fornecer os produtos. “E as cláusulas contratuais são, de certo, respeitadas pelas duas partes”, afirma.
Entretanto, mesmo quem, por ventura, esteja disposto a quitar essas dívidas para se desligar da MMartan terá dificuldades para resolver tais pendências. Outra cláusula define um prazo de non-compete de três anos para o franqueado no caso de término ou rescisão do contrato.
Essa linha se estende, inclusive, a seus “familiares, sócios, prepostos e empregados”. Bem como a utilização do ponto de venda para “atividades idênticas ou similares”, seja pelo antigo parceiro ou por terceiros.
“Esse é o meu segmento. É o que eu sei fazer. Como vou pagar minhas dívidas?”, questiona um dos franqueados. “Para sair, ou eu faço um acordo ou pago multa. E, se entro em litígio, tenho que ir para a arbitragem na Fiesp. Então, são facas de todos os lados e você não tem para onde correr.”
Os caminhos também são diversos para quem opta por continuar com suas lojas em operação. O que não significa que esse roteiro esteja livre de outros riscos. Um exemplo são os franqueados que, diante da falta de itens, passam a vender produtos de outras marcas, algo que também é proibido no contrato.
“Hoje, existem lojas nas quais mais de 80% dos produtos já são de outras marcas”, afirma uma das fontes. “Para alguns, não tem outra opção. Como eles vão sobreviver sem mercadoria?”.
Segundo as fontes, os problemas de abastecimento das lojas se intensificaram após a RJ ser protocolada. Com os agravantes de que os poucos – e cada vez mais raros – produtos ainda disponíveis também perderam qualidade. E muitas das linhas que eram os carros-chefes da marca saíram do mix.
“É fio, costura torta, tecido duro. O pouco que chega não é produto da qualidade MMartan”, diz uma delas. “Existem problemas com fornecedores, por falta de crédito. Eles pagam a primeira e a segunda vez à vista, e depois deixam de pagar.”
Parte das fontes também ressaltou que a Ammo Varejo criou recentemente um limite de crédito atrelado a métricas como vendas e eventuais dívidas do parceiro com a rede. “Se eu não vendo, não me liberam para comprar. Mas como vou vender se não tenho produto?”, questiona um deles.
Nesse contexto, quem continua operando estritamente sob as regras da franqueadora também têm buscado atalhos para driblar a falta de itens no estoque. Para quem ainda tem condições, uma das alternativas têm sido comprar diretamente dos fornecedores.
Apesar dessas diversas frentes, o saldo está longe de ser positivo. Um dos franqueados observa, por exemplo, que seu faturamento caiu 46% em 2024. E, no acumulado de 2025, a queda já é de 27% na comparação com igual período do ano passado.
Questionado, Gomes da Silva ressalta que a empresa foi “forçada” a entrar com o pedido de RJ. E que, como é comum em processos dessa natureza, há uma redução de capital, que acaba impactando “um pouco” a operação. Mas ele observa que o abastecimento tem se mantido “bastante razoável”.
“Não há dúvida que o fornecimento está um pouco abaixo do histórico. Mas isso está sendo normalizado e não houve um desabastecimento por completo”, afirma. “Pode ser que deixamos de ter alguns itens, mas eram itens de baixo giro, com pouca venda, e, pela restrição de capital, você deixa de oferecer.”
Uma “atualização” com atrasos
Na origem de todo esse contexto, a crise da Ammo Varejo já vinha se arrastando há alguns anos. Mas veio à tona, de fato, em fevereiro de 2024. Na época, o NeoFeed revelou que a Coteminas corria o risco de perder sua operação de varejo.
Essa ameaça estava ligada a uma emissão de debêntures de R$ 175 milhões, realizada em 2022 e estruturada pela Farallon Capital. Sua garantia estava atrelada a 100% das ações da Ammo Varejo, que, posteriormente, entrou em default, quebrando covenants acordados no contrato.
Três meses depois, a Coteminas e suas controladas recorreram ao pedido de RJ. E, no comunicado divulgado na época, o grupo citou que esse caminho foi tomado justamente na esteira dos impasses gerados pelo caso envolvendo a Ammo Varejo, que poderia trazer um “dano irreparável” à sua operação.
Desde então, em paralelo às etapas da RJ, o grupo vem encontrando dificuldades para manter o mercado informado sobre suas operações. Nessa direção, a Coteminas perdeu seu registro de companhia aberta em 2024. Há um mês, a Ammo Varejo seguiu o mesmo percurso.
Os constantes atrasos na divulgação dos balanços das empresas foram um dos principais pontos por trás dessas medidas. Assim como as recusas de auditores externos em dar seus pareceres a esses resultados quando eles foram reportados.
Divulgado em abril deste ano, o último balanço da Ammo Varejo cobre o segundo trimestre de 2024. E nessa “atualização”, os números não são nada animadores. No período, a rede apurou um prejuízo líquido de R$ 44,9 milhões, contra R$ 36,1 milhões no mesmo intervalo de 2023.
A receita líquida caiu 39%, para R$ 50,7 milhões, e o Ebitda ficou negativo em R$ 15,6 milhões. A empresa fechou o trimestre com um capital de giro de R$ 21,8 milhões, queda anual de 43,7%, além uma dívida líquida de R$ 256,4 milhões, ante R$ 244,8 milhões no primeiro trimestre de 2024.
Para começar a tentar virar a chave – e esses números, a Ammo Varejo e a Coteminas têm uma agenda crucial no curto prazo. Seja na assembleia marcada para essa semana ou, caso seja preciso, numa segunda convocação com credores, marcada para o dia 26 de junho.
“É óbvio que falar em 100% é impensável, mas estamos confiantes que teremos a maioria para a aprovação do plano”, diz Gomes. “Com isso e a desalavancagem gerada pela própria natureza do plano, há perspectivas positivas para a empresa.”