O executivo João Carlos Brega anda preocupado com o que acontecerá com o Brasil no pós-crise do coronavírus. Como CEO da operação latino-americana da Whirlpool, que tem as marcas Brastemp, Consul e KitchenAid, ele teme uma crise social sem precedentes.
“Isso começou com uma crise sanitária, que gerou uma crise econômica e que está em via de gerar uma crise social”, diz Brega em entrevista exclusiva ao NeoFeed. A solução para a saída deste cenário, diz Brega, reside em várias medidas ao mesmo tempo.
“Não há uma bala de prata”, diz ele. E complementa. “Há uma discussão muito rasa de ‘ou você é a favor da saúde ou é a favor da economia’. Essa é uma discussão de quem não consegue entender que o sistema e as coisas estão linkadas, não tem como fugir disso”, diz ele.
No Brasil, a Whirlpool conta com fábricas em Joinville (SC), onde produz refrigeradores; em Rio Claro (SP), onde fabrica fogões e máquinas de lavar; e em Manaus (AM), de onde saem aparelhos de ar-condicionado. Isso, sem contar as unidades administrativas e centros de pesquisa.
Desde o início dessa crise, a produção caiu muito. Em algumas plantas chegou a 70%, o que soa o sinal de alarme e preocupa os seus mais de 11 mil funcionários no País. Mas Brega diz que a última opção é demitir, pelo menos nos próximos quatro meses.
“O empresário que demite não está salvando o caixa dele, está alimentando a recessão”, afirma. Na entrevista que segue, Brega fala sobre política, a ação do governo, o mercado, e sugere como o Brasil deve tratar essa crise e se preparar para uma retomada. Acompanhe:
Como você está enxergando o cenário atual com essa crise causada pelo coronavírus?
Nós, na Whirlpool, não acreditamos em uma bala de prata. Não acreditamos em uma única solução. A gente vê e, infelizmente, conclui que, na realidade, isso começou com uma crise sanitária, que gerou uma crise econômica e que está em via de gerar uma crise social. No nosso entendimento, há uma discussão muito rasa de ‘ou você é a favor da saúde ou é a favor da economia’. Essa é uma discussão de quem não consegue entender que o sistema e as coisas estão linkadas, não tem como fugir disso. É preciso ter calma e serenidade para enfrentar essa realidade. Como somos uma empresa global, tivemos a oportunidade de ver o que aconteceu na China e na Itália antes de chegar aqui.
Você então conversou com os seus pares que comandam as operações da Whirlpool em outros países?
Sempre. Essa troca de melhores práticas sempre ocorreu com muita frequência. No fim de janeiro, nosso chairman já tinha definido critérios de como enfrentaríamos esse momento. Respeito às orientações médicas e as leis e a saúde do nosso colaborador. Depois, vem a nossa responsabilidade junto aos consumidores.
Como atender os consumidores no meio das quarentenas que têm acontecido em algumas regiões do País?
Falando do Brasil, com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal (STF), deixar com que 5,4 mil cabeças, que são os prefeitos, decidam sobre locomoção ou trânsito é uma insanidade.
Por quê?
Porque está tudo conectado. Voltando ao respeito com o consumidor. Imagina que você tem mais de 60 anos, faz parte do grupo de risco e está na sua casa, você depende de um medicamento e ele precisa ser refrigerado. Aí a sua geladeira quebra. E aí? Precisa de um técnico, mas esse técnico não pode ir até você porque a locomoção é restrita. É uma coisa muito básica, que, muitas vezes, as pessoas que tomam decisões não têm conhecimento.
Você disse que vinha falando com os executivos da companhia que comandam as operações em outros países. O que aprendeu com o exemplo da China?
No fim de fevereiro, a gente afastou os grupos de risco, trouxemos protocolos de produção sanitária como o distanciamento de um metro entre os funcionários nas linhas de produção. Nos ônibus fretados, só uma pessoa por banco e pulando o banco de trás; nos refeitórios, ninguém se senta ao lado e nem na frente de ninguém. Levamos isso para o governo de Santa Catarina, mostrando que é o que chamávamos de padrão de produção de segurança sanitária. Fomos colocando isso porque não acreditamos que o lockdown é a solução. O lockdown gera consequências que podem precipitar o problema social.
“O lockdown gera consequências que podem precipitar o problema social”
Se o lockdown não é a solução, qual seria?
Não tem uma bala de prata, não é um problema que você soluciona de uma hora para outra. Mas a gente modestamente entende como a coisa deva ser feita.
Como deve ser?
Vou olhar para frente. O Ministério da Saúde foi muito feliz em passar a mensagem para a população de que esse vírus tem uma letalidade baixa. Por outro lado, o nível de contaminação é muito alto e, se você ficar doente, o governo ou os hospitais não têm como atender. Hoje a prioridade é gerar leito hospitalar e buscar ventiladores mecânicos para que o Ministério da Saúde consiga falar: ‘eu consigo cuidar de você’.
E o que mais?
Em paralelo, são necessárias outras ações. Ao fazer esse freio na atividade econômica, cria-se uma tensão muito grande em toda a cadeia. Qual é o papel do Executivo? Entrar para distender, gerar liquidez. Num País com 35% de carga tributária, é muito óbvio onde o governo deve gerar liquidez. Ele tem que postergar o recolhimento tributário, tem de reconhecer que tem de ajudar a economia informal e a atividade privada tem de comparecer.
“Ele (o governo) tem que postergar o recolhimento tributário, tem de reconhecer que tem de ajudar a economia informal e a atividade privada tem de comparecer”
Comparecer como?
Não demitir na primeira hora. Manter o emprego pelo maior tempo possível, com o suporte do governo. Mesmo porque, e eu falo pela Whirlpool, a gente tem estudos matemáticos que mostram o seguinte: se você tem uma crise, vale mais a pena manter um funcionário por quatro meses do que demitir. O custo de demissão, mais o tempo de recontratação, mais o tempo de treinamento para um novo empregado atingir a performance do anterior, são quatro meses. O governo tem ajudado e o Ministério da Economia tem sido muito proativo nisso. A atividade privada também tem a responsabilidade social.
De que forma?
A Whirlpool tem participado da produção do que chamamos de face shield, que é aquela máscara que parece de soldador. Transformamos uma parte do parque fabril e estamos produzindo 1 mil por semana. Estamos doando para Santa Catarina, para São Paulo e Manaus, onde temos nossas fábricas. Estamos apostando muito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com o respirador. Aplaudimos a iniciativa da Embraer em fabricar o respirador; o Bradesco e a Rede D’Or, que montaram um hospital no Rio de Janeiro; a Ambev, que montou hospital em São Paulo. Estamos voluntariando refrigeradores e bebedouros com outros colegas da Eletros, não tem esse negócio de marca, vamos ajudar, fazer o papel social para superar essa fase. Então, é o executivo, a iniciativa privada e falta uma perna.
Qual perna?
O Congresso. Ele precisa pensar e agir hoje para facilitar a saída dessa crise. O Congresso precisa votar toda aquela pauta que está lá parada. Não precisa esperar as reformas tributária e administrativa. Já existe uma pauta lá de nove ou dez projetos como a independência do Banco Central, a repactuação do pacto federativo e outras. O Congresso precisa votar porque a gente vai voltar a crescer e, quando voltarmos a crescer, se não estivermos com o freio de mão puxado, vamos recuperar muito mais rápido.
Mas ainda não entendi qual seria a sua posição sobre o melhor modelo em relação ao lockdown horizontal. Qual seria?
Não tem o melhor modelo, tem o possível. Não adianta, precisamos atuar em reduzir (os danos). Acho legal quando as pessoas falam: ‘tem que ficar em casa’. Mas e aquele cidadão que tem de sair para trabalhar para fazer com que aquela atividade fundamental funcione?
Então qual seria a solução?
A solução é foco muito rápido. A gente já sabe. O Brasil precisa produzir 1,4 mil respiradores por semana. Os ministérios da Economia e da Saúde já mapearam que a gente consegue chegar no meio de abril a 1 mil respiradores.
“A solução é foco muito rápido. A gente já sabe. O Brasil precisa produzir 1,4 mil respiradores por semana”
A Whirlpool vai produzir respiradores mecânicos?
Não é tão fácil. Estamos com a UFRJ num projeto e colocamos a nossa linha de produção à disposição, aplaudindo a Embraer e a Flextronics que estão adiantadas. Tem a WEG que anunciou que deve produzir 500 unidades em 30 dias. É a soma de todos.
Quando você acha que a economia voltará a girar?
Se não chegarmos no cidadão e dissermos para ele que, se ele ficar doente, o Estado ou a assistência médica vão cuidar dele, ele não vai consumir. A economia é guiada por crença e otimismo. A gente precisa resgatar essa confiança. Resgatando essa confiança, a economia vai girar de novo. Os ministérios da Saúde e da Economia estão fazendo um excelente trabalho. A gente vai sair. Esse downsize na economia vai seguir por um tempo e vamos recuperar. Se o Congresso destravar o que já sabe o que tem de destravar, o Brasil vai voar.
“Se o Congresso destravar o que já sabe o que tem de destravar, o Brasil vai voar”
Falando em Congresso, o deputado Wellington Roberto (PL-PB) protocolou um Projeto de Lei em que a União poderia captar 10% do lucro líquido dos últimos doze meses de empresas com patrimônio líquido superior a R$ 1 bilhão. A ideia seria usar esse dinheiro para combater o coronavírus e o governo poderia devolver em quatro anos. Como você avalia essa proposta?
Lamento que, nessa altura dos acontecimentos, quando há necessidade clara de gerar liquidez a toda cadeia de valor, que basicamente se dá na iniciativa privada, para evitar um caos social, ainda tenha alguém que acredite que aumentar a carga tributária - que é acima de 35% do PIB - seja a solução. Seria cômico se não fosse um representante do Congresso Nacional.
Qual é a sua avaliação sobre a postura do presidente Bolsonaro em relação a essa crise?
Eu não personifico. Vejo que o Executivo, como um todo, está fazendo um excelente trabalho. O Ministério da Agricultura, da Infraestrutura, da Saúde, da Economia e até da Defesa estão fazendo um excelente trabalho. Não há o que se falar deles, é que muita coisa não é visível.
Mas a “bateção” de cabeça entre o presidente e os governadores é visível...
É visível, mas do lado prático não resulta em nada. As coisas que têm de acontecer acontecem.
Você não acha que atrapalha?
Não ajuda, mas não tem que fazer juízo de valor porque o que tem de ser feito está sendo feito. Acho que temos de focar no que é importante, não no que é periférico.
Falando da sua operação, seus clientes são os varejistas. Como você está sentindo esse mercado?
O varejo offline parou porque as lojas estão, literalmente, fechadas. Não adianta hoje, com o consumidor preocupado com a saúde e com o emprego, você abrir loja. Ele não vai comprar eletrodoméstico, não vai comprar bens duráveis. Por definição, bens duráveis são vendidos quando você tem emprego e financiamento. Não existe essa perspectiva. Temos duas alavancas na nossa demanda: reposição, quando quebra um produto e você precisa comprar porque são essenciais; e planejado, quando vai renovar a casa. Planejado acabou, não tem a confiança do consumidor. É uma falácia achar que simplesmente, ao abrir a economia, vai voltar tudo ao normal sem resgatar a confiança do consumidor. Não vai.
“É uma falácia achar que simplesmente, ao abrir a economia, vai voltar tudo ao normal sem resgatar a confiança do consumidor”
Os varejistas já estão procurando a Whirlpool para negociar ou postergar pagamentos?
Isso a gente não divulga, o que a gente discute em casa fica em casa. O que posso dizer, como um dos participantes da cadeia de valor, é que é natural que uma discussão para que seja distendida essa cadeia aconteça. Seja sob o ponto de vista do fornecedor, do fabricante, do revendedor, do consumidor final e do governo. É esperado isso.
Vocês diminuíram a produção?
Ao implantar aquelas medidas sanitárias de produção, caiu 35%. Em Santa Catarina, onde temos a nossa planta de refrigeradores, caiu 50%. Em Rio Claro, onde fazemos máquinas de lavar roupas e fogões, a produção caiu 70%. Em Manaus, onde é sazonal e produzimos aparelhos de ar-condicionado, já estavam previstas férias em 1 de abril e antecipamos para 26 de março.
Até quando você consegue manter seus funcionários sem a necessidade de demitir?
A última decisão a ser tomada é a demissão. O que temos negociado com o governo é uma flexibilização da legislação trabalhista. Mas os canais são home office, férias coletivas, redução de jornada. Esse é o caminho. Por que o emprego é muito importante? Porque o emprego é renda, renda é gasto e gasto é giro da economia. O empresário que manda o colaborador embora está alimentando a recessão. Ele não está salvando o caixa dele, está alimentando a recessão.
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