Na disputa para saber quem será o grande nome da inteligência artificial (IA), bilhões de dólares estão sendo investidos para avançar na tecnologia que muitos apontam como a nova "revolução industrial", com potencial de causar disrupção em uma série de áreas.

Mas, até o momento, os principais avanços foram vistos em aplicações com “poucas consequências”, especialmente em texto e escrita. Já o uso de IA para áreas mais críticas, como saúde e finanças, não deve acontecer tão cedo, segundo Giuseppe Nuti, managing director e responsável pela parte de machine learning e IA do UBS Global Markets.

“No momento, as áreas em que a IA foi mais efetiva não foram tanto em relação à dificuldade dos problemas, mas naquelas em que as consequências de se fazer algo errado não são tão altas”, diz Nuti, em entrevista ao NeoFeed. “O principal avanço será quando pudermos fazer coisas de forma automática, em indústrias e aplicações em que as consequências das decisões são mais sérias.”

Segundo ele, no estágio atual, os modelos de linguagem de larga escala (LLM) ainda não são capazes de oferecerem respostas precisas o suficiente para que possam sair tomando decisões por conta própria.

No UBS, onde ele e sua equipe têm trabalhado em temas como trading algorítmico, que utiliza computadores e fórmulas matemáticas complexas para guiar a compra e venda de ativos, a IA foi adotada para serviços ligados à produtividade, como ler e resumir e-mails. Decisões de investimentos não estão nas mãos das máquinas.

Um dos palestrantes confirmados para o Latin America Investment Conference (LAIC), evento do UBS que acontece a partir desta terça-feira, 28 de janeiro, Nuti diz que o modelo atual ainda não consegue diferenciar o clássico “ruído do sinal”, tendo consequências pesadas para os portfólios.

“Quando se fala em preços de ativos, o nível de ruído tende a ser muito alto, o que torna as redes neurais não necessariamente a melhor escolha”, afirma Nuti, que também é professor na Universidade de Cornell.

No momento em que o mundo de IA sofreu um “abalo sísmico” com a notícia de que a chinesa DeepSeek desenvolveu um modelo de IA tão poderoso quanto o da OpenAI por um custo menor, Nuti diz que a tendência para os próximos anos é o surgimento de modelos menores, produzindo os mesmos resultados.

“O mundo está mudando rapidamente e a direção é para modelos menores”, diz. “Com isso, as diferenças entre os países e as empresas estão diminuindo.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:

Em que estágio estamos da IA e suas aplicações? Há muito frenesi em torno da tecnologia e muitos dos críticos apontam que, dado o tamanho de investimentos, as tecnologias ainda não demonstram para que vieram, com as aplicações visando ao ganho de produtividade…
Quando estamos falando de GenAI e LLM, concordo com a declaração de que o valor agregado está especialmente no ganho de produtividade. Acho que existe muito barulho em torno de IA, se o hype vai se concretizar. Nos últimos 12 meses, o foco de muitos clientes tem sido na monetização da tecnologia. Se voltássemos há um ano e meio, tudo era possível com IA. Agora, o nome do jogo é o que está funcionando, o que pode ser entregue nos próximos três a seis meses. E é justo, considerando o quanto de tempo e recursos foram gastos no tema.

A tecnologia tem feito diferença de fato para as companhias e para as indústrias?
Quando olhamos para diferentes indústrias e para as diferentes aplicações, existem algumas aplicações de IA para as quais a relevância dos resultados não é muito significativa. Se seu filho está fazendo um trabalho para a escola, não faz muita diferença, desde que a professora deixe utilizar IA. Mas para diagnósticos médicos, a barra é muito alta. E não acho que a indústria de IA foi capaz de resolver as questões envolvendo o uso da tecnologia [na medicina]. Nos ganhos de produtividade, eles ainda estão apoiados no fator humano.

Como assim?
No caso de programação, por exemplo, os assistentes de IA tornam o programador produtivo, mas o programador é o responsável pelo código. O principal avanço será quando pudermos fazer coisas de forma automática, em indústrias e aplicações em que as consequências das decisões são mais sérias. Esse é um quebra-cabeça que precisa ser resolvido. No momento, as áreas em que a IA foi mais efetiva foram naquelas em que as consequências de se fazer algo errado não são tão altas. A habilidade da indústria de IA de validar quão bom a IA é boa para setores com consequências altas é uma questão em aberto.

Na escala de consequências do uso de IA, como fica o uso dessa tecnologia nos bancos e para investimentos? Em que parte da escala fica esse setor?
Com certeza está lá junto com o grupo em que as aplicações têm sérias consequências. No fim, o UBS, como outro nome na indústria financeira, cuida do dinheiro dos clientes e temos um dever fiduciário de fazer o nosso melhor. Não podemos dizer “vamos testar algo”. As decisões que tomamos têm consequências. Dentro da indústria financeira, existem aplicações específicas em que o uso de IA é ok, como resumir e-mails. Mas perguntar para a GenAI qual ação investir, não parece ok. Pelo menos não nesse estágio.

"As áreas em que a IA foi mais efetiva foram naquelas em que as consequências de se fazer algo errado não são tão altas"

A tecnologia pode evoluir a ponto de a IA poder decidir a compra ou venda de uma ação?Ainda não temos a capacidade de validar nos modelos esse tipo de aplicação num grau alto de certeza, para permitir o uso. Todas as LLM são construídas em cima de redes neurais, com uma quantidade enorme de parâmetros, que geralmente funcionam quando há poucos ruídos de informação. Alguns dos melhores modelos têm uma precisão de 55%, de 60%, o que é muito alto. Mas em alguns problemas, ter muitos parâmetros pode ser um problema, porque pode resultar em relações espúrias. Em preços de ativos, o nível de ruído é muito alto, o que torna as redes neurais não necessariamente a melhor escolha.

Como então a IA está sendo adotada pelos bancos e pelo setor financeiro e quais os ganhos que se está tendo? Qual a experiência do UBS?
Nosso principal foco é nos ganhos de produtividade que podemos ter, implementando ferramentas testadas e comprovadas, como o Copilot. É preciso destacar que todos no mercado terão ganhos de produtividade com a adoção de IA, não é algo como ‘usamos tal ferramenta, então vamos ir mais rápido que a concorrência’. A concorrência também está usando. Não vejo um ganho de produtividade que coloca alguém na dianteira. As novidades das LLM estão na parte de escrita e leitura. No mundo dos bancos de investimento e trading, a escrita não é a principal necessidade. A leitura, por sua vez, é importante, porque notícias e informações movem o mercado. E os CEOs precisarão se preparar.

Giuseppe Nuti, do UBS Global Markets

Como assim?
Coisas que acontecem com empresas, boas ou ruins, são geralmente a gênese de volatilidade no mercado. A habilidade de ler isso de forma automática está sendo explorada. Agora é possível ler de forma automática os documentos regulatórios, assim como transcrições de teleconferências de resultados. E a tecnologia está mais acessível. Com isso, vem riscos adicionais. Há dez anos, um CEO não teria que se preocupar com a call sendo transcrita e analisada para perceber sentimentos. Agora, muitos CEOs precisarão se capacitar para transmitir a informação do jeito que pretendiam.

Com a evolução da tecnologia, como fica a questão da responsabilidade, a possibilidade de responsabilizar a tecnologia pelas respostas que ela dá? Essa discussão está ocorrendo, está evoluindo?
Essa é uma discussão crucial. A questão da responsabilidade, validação, qualidade dos resultados, tudo isso é importante. Uma resposta correta em diagnosticar algo não transforma a IA em um médico. Isso não quer dizer que não estou otimista com a tecnologia. IA é provavelmente a coisa mais impressionante que está ocorrendo. Mas precisamos estar atentos aos riscos e não acho que administramos os riscos de uma forma suficiente para permitir que os modelos tomem decisões em assuntos importantes. É preciso encontrar formas de validar os modelos para aplicações mais complexas.

Um dos pontos levantados por alguns críticos é que as Big Techs têm investido muito na tecnologia e obtido poucos resultados. Essa é uma visão correta ou é uma questão de olhar para esses aportes com uma perspectiva de médio e longo prazo?
Não concordo que as companhias estão investindo muito além. Essa tecnologia vai revolucionar como trabalhamos e investir tempo e dinheiro é fundamental. No UBS, temos uma abordagem de portfólio. Algumas iniciativas são aspiracionais, com chance de não dar certo, mas entendemos que são importantes. E tem projetos que vão funcionar, mas não vão provocar uma revolução. E tem todo o tom de cinza. Acho que essa abordagem é a correta. É preciso investir tempo e esforço para aplicações revolucionárias, mas também é preciso obter ganhos de produtividade aqui e agora.

O despontar da IA tem sido destacado como um fator que aumenta as diferenças entre as economias avançadas e emergentes. Como vê essa questão? Os países em desenvolvimento ficarão para trás?
Existe um gap entre as empresas que conseguem desenvolver e treinar os modelos, existem poucos nomes que são players competitivos na área, tornando difícil para países que não têm essas empresas para guiar como a tecnologia será desenvolvida. Por outro lado, o mundo está mudando rapidamente e a direção é para modelos menores, tão eficientes quanto os grandes. Nos últimos seis meses, vimos modelos fenomenais saindo, menores, mas produzindo o mesmo resultado, sendo mais eficientes, com a tecnologia ficando cada vez mais ao alcance dos países que querem investir.

Essa é a tendência? Modelos menores?
Não tenho uma bola de cristal, se a próxima inovação será um modelo maior, nas mãos de poucas empresas, mas a direção por ora é em direção a modelo menores. Com isso, as diferenças entre os países e as empresas estão diminuindo.