Em 1987, Marcos Boschetti e Fabiano Kerber, ambos com sete anos, fundaram sua primeira “empresa”. Financiados pelos pais, os dois vendiam adesivos feitos a partir de imagens de revistas. O negócio teve vida curta. O preço não agradou ao mercado, restrito ao bairro Lindóia, em Porto Alegre, onde moravam.
Se a estreia nos negócios não vingou, a amizade entre o colorado e o gremista se fortaleceu, assim como a veia empreendedora. Em 2003, após se formarem em Ciência da Computação na UFRGS, eles fundaram a Nelogica, com a ideia de democratizar o acesso dos investidores a plataformas de análise do mercado.
Fora do eixo Rio-São Paulo, a dupla chegou longe. Hoje, os softwares da investech dominam as telas de mais de 2 milhões de traders mensalmente e em mais de 100 países, por meio de parcerias com bancos, corretoras, gestoras e outros atores do mercado financeiro.
Agora, a Nelogica está avançando em seu plano com a entrada em educação financeira, o olhar para M&As e o foco em estabelecer sua presença, em definitivo, além do Brasil. “Ao contrário de muitas empresas de tech, estamos mantendo o ritmo. Temos mais de 70 projetos em curso”, diz Boschetti, cofundador e CEO da Nelogica, ao NeoFeed.
Com lançamento nesta semana, a Invest Academy é uma das novas apostas da companhia. A plataforma de educação financeira trará conteúdos criados com parceiros e terá foco em renda variável e criptoativos.
O portfólio inclui desde cursos online de menor extensão, sobre temas como fundamentos do trader e gerenciamento de risco, com aulas gravadas e ao vivo, até MBAs, com aulas presenciais e duração de até dois anos. Uma das ofertas na largada é um MBA sobre criptofinanças, criado com o Ibmec.
“Investir não é um jogo, não é sorte. Já existem muitas iniciativas no mercado, mas há também diversos gaps de educação financeira”, afirma Boschetti. “Queremos alcançar do investidor millennial até o mais experiente, e ajudar a separar o joio trigo nesse mar de dados da internet.”
Além de opções gratuitas e pagas, abertas a qualquer aluno, a Invest Academy terá conteúdos patrocinados por empresas. E contará com recursos como vídeos, lives com professores e ferramentas de acompanhamento e de troca de informações entre a comunidade.
Com a meta de chegar a, no mínimo, 20 cursos no início de 2023 e a 30 mil alunos formados no primeiro ano de operação, a plataforma nasce independente. Mas a ideia é integrá-la aos demais sistemas da Nelogica.
“Nós vamos criar jornadas acessíveis a um clique, que vão combinar os conceitos teóricos e o mercado real, piscando na tela do usuário”, diz. “Quanto mais informada e mais bem-sucedida essa pessoa, mais tempo ela vai permanecer conosco.”
Baseada no modelo de software como serviço, a Nelogica tem ofertas tanto para o B2C, ou seja, para investidores em geral, como no B2B2C, quando suas plataformas funcionam como um white label de bancos, corretoras e afins.
Com acesso via mensalidades, a partir de R$ 79,90, em sua versão mais simplificada, o carro-chefe é a Profit, com sistemas e algoritmos que reúnem dados de mercado e cotações em tempo real, além de ferramentas de análise e de negociações eletrônicas, entre outras funcionalidades.
Há uma segunda linha que envolve a infraestrutura por trás da oferta de investimentos de mais de 300 instituições financeiras. Hoje, toda a operação da Nelogica é apoiada por quatro data centers e uma equipe de 700 profissionais. Em breve, esse time deve chegar a 800 funcionários.
Aquisições e internacionalização
Esse pacote vem ganhando mais opções desde dezembro de 2020, quando a Nelogica captou R$ 550 milhões em uma rodada liderada pela brasileira Crescera Capital e a americana Vulcan Capital. O cheque polpudo foi o primeiro recebido pela empresa desde a sua fundação.
A companhia lançou, por exemplo, a Vector, plataforma especializada na negociação de criptomoedas. “Vamos ter mais novidades em negociação, investimentos e dados nessa área”, diz Boschetti. “Apesar do inverno cripto, esse mercado veio para ficar.”
Parte da rodada também vem financiando aquisições. Em 2021, a Nelogica comprou uma fatia do portal de notícias BMC News. E, neste ano, a ComDinheiro, plataforma de dados e inteligência de mercado, e a Akeloo, de ferramentas tributárias para investidores.
Há mais por vir nessa frente. Boschetti diz que a empresa está bem ativa em M&As e tem um comitê que analisa semanalmente as oportunidades. Além de uma boa dose de “acqui-hiring” - quando uma empresa compra outra de olho em sua equipe, outros ingredientes guiam essa tese inorgânica.
“Nosso olhar está em tudo o que possa complementar ou qualificar a jornada do investidor”, explica. “Ou seja, tecnologias que tornam a negociação eletrônica mais fluida e eficiente, e tudo o que envolve dados, inteligência e, agora também, educação.”
As conversas para eventuais acordos não estão restritas ao Brasil. A companhia começa a acelerar seus planos no mercado internacional e as aquisições podem encurtar esse caminho.
A empresa já tem profissionais no exterior. Mas, agora, vai investir em operações físicas para marcar definitivamente seu território. Boschetti diz que há “90% de chances” dessa trilha começar pelos Estados Unidos, no quarto trimestre. Prevista para 2023, outra escala é a Europa, com uma possível estreia no Reino Unido.
“Há muita energia vindo de parceiros asiáticos, especialmente na área de cripto”, observa. “Mas esse passo virá, provavelmente, depois da Europa.” A Nelogica já atende mais de 20 clientes no exterior. A carteira inclui exchanges como a Binance e a Coinbase.
À medida que amplia seus domínios e sua oferta, a Nelogica também estende seu universo de competição. Em educação financeira, por exemplo, o nome mais óbvio é a XP, que nasceu nesse espectro e voltou a investir com mais foco na área com a XP Educação.
O leque também tem empresas como o TC, que abriu capital em julho de 2021, levantando R$ 607 milhões. O principal rival, porém, é o Trademap, plataforma que mescla recursos como notícias, cursos, análises e ferramentas voltadas, por exemplo, à emissão de ordens, além de uma consolidadora de carteira.
“A Nelogica compete em diferentes espaços, mas tem uma posição privilegiada”, diz Bruno Diniz, sócio da consultoria Spiralem. “Eles já tinham uma plataforma bastante popular e de preço acessível. E como já estão nas telas de muitos traders, estão trazendo mais ferramentas que fazem sentido para esse cliente.”
Diniz ressalta que a Invest Academy é um passo essencial na construção dessa estratégia. “Isso é necessário e básico até para esse trader fazer melhor uso da plataforma”, diz. “E, no fim do dia, nessa disputa, o que vale é amarrar esse cara no seu ecossistema.”