A entrada do Banco Master como acionista da farmacêutica Biomm, em fevereiro de 2024, por meio da gestora WNT, trouxe uma mudança repentina no patamar da negociação das ações da companhia, listada na B3 desde 2014. O volume disparou nos meses seguintes, com o próprio conselho de administração da empresa protagonizando parte relevante das negociações.
A empresa está envolta na polêmica sobre a necessidade da venda da participação dos 25,86% do fundo Cartago (substituto da WNT, em julho de 2025), que oficialmente pertence ao banco de Daniel Vorcaro, liquidado a partir da decisão do Banco Central, em 18 de novembro deste ano.
De abril de 2024 a novembro de 2025, o conselho de administração da companhia realizou 1.780 operações de venda de ações da Biomm, movimentando R$ 68,9 milhões, segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) levantados pelo NeoFeed. Esse montante, sozinho, é 231% maior que todo o volume negociado em 2023, ano anterior à entrada do Master.
O período do início das movimentações também coincidiu com o da troca dos membros do board, em abril de 2024. A chapa, eleita dois meses após o Master se tornar o maior acionista da empresa, marcou a entrada de Pedro Augusto Mesquita Prado, Marcio Pochmann (atual presidente do IBGE) e Laura Gomes Castanheira.
Além deles, integram o conselho da companhia André Capistrano Emrich, Walfrido dos Mares Guia Neto, Luiz Francisco Novelli Viana, Italo Aurélio Gaetani, Eduardo Augusto Buarque de Almeida e Cláudio Luiz Lottenberg, atual presidente do colegiado na Biomm.
A atuação se intensificou a partir de maio, quando as ações da Biomm atingiram R$ 21,20, o maior patamar em quatro anos, após quadruplicarem de preço em relação aos níveis de janeiro, antes da entrada do Master.
Em abril de 2024, quando a empresa anunciou que passaria a licenciar e distribuir a caneta emagrecedora à base de semaglutida, após o fim da patente, a ação ficou a R$ 15,29. Mas o preço não foi sustentado e, a partir de outubro, as ações da farmacêutica foram passaram a ser negociadas entre R$ 6 e R$ 10.
Apesar do volume relevante movimentado pelo conselho nos últimos meses, a maior parte das vendas era em porções pequenas. Do número total de negociações, 32% das vendas foram feitas em lotes únicos de 100 ações, 14,7% no mercado fracionado (com lotes inferiores a 100 ações) e apenas 18,9% em lotes superiores a 1 mil ações. Foram 6,3 milhões de papéis vendidos no período.
Outra característica das vendas foi o escalonamento de preços em um único dia. Somente no dia 18 de junho de 2024, por exemplo, foram registradas 29 vendas de ações pelo conselho, com os preços variando de R$ 14 a R$ 14,49, com uma diferença de 1 a 3 centavos para cada negociação. Ao todo, naquele dia, a soma das vendas feitas pelo conselho totalizou R$ 221,6 mil.
“Parece que há algum tipo de especulação, que pode influenciar o valor da ação. Isso merece uma apuração mais detalhada”, disse um especialista do mercado financeiro ao NeoFeed, na condição de anonimato.
Entre as transações atípicas, também se destacaram as negociações de compra e venda feitas pelo conselho em setembro e novembro deste ano por mais que o dobro do preço em que os papéis vinham sendo negociados na B3 no dia. De acordo com os documentos da CVM, o colegiado vendeu 75.251 ações a R$ 16,23 em 12 de novembro – dia em que o papel bateu máxima de R$ 7,75.
O preço foi o mesmo exercido na compra de 156,5 mil e venda de 1,23 milhão de ações por membros do conselho entre os dias 10 e 15 de setembro (quando o papel variou entre R$ 7,38 e R$ 8,36).
“É muito esquisito vender a ação no dobro do preço que é negociado na B3. Não faz sentido. Há regras de governança que precisam ser seguidas. A CVM precisa investigar isso”, afirma um especialista consultado pelo NeoFeed.
Como comprador, o conselho reportou 128 negociações, sendo 31% em lotes superiores a 1.000 ações, 28,7% em lotes únicos e apenas uma operação no mercado fracionário. Ao todo, foram 1,26 milhão de ações adquiridas por R$ 19,84 milhões.
A maior participação do conselho nas negociações foi acompanhada do aumento do volume médio movimentado pelas ações da Biomm. Ao longo de 2023, os papéis foram negociados a menos de R$ 100 mil por dia ao longo de 2023, com menos de 100 negócios por dia. Em 2024, a ação fechou durante seis meses com volume médio diário acima de 1 milhão.
Em junho de 2024, mês de maior movimentação do conselho, com 428 operações, foi o período de maior volume de negócios envolvendo as ações da Biomm, com giro médio de R$ 4,2 milhões por dia.
Período vedado
Das quase 2 mil negociações de compra e venda feitas pelo conselho, 27 ocorreram com menos de 15 dias antes da divulgação do balanço, período em que pessoas ligadas à administração ou ao conselho estão vedadas de operar ações da própria companhia. Essas operações foram feitas antes do balanço do segundo trimestre de 2024 e do primeiro e terceiro trimestres de 2025.
Os documentos da CVM não explicitam quais membros do conselho da Biomm negociaram os papéis, mas afirmam que no fim de novembro, a soma de participação dos nove membros do board era de 38,2 milhões de ações e 4,27 milhões de bônus de subscrição.
O volume de ações da Biomm detida pelo conselho da empresa sofreu um aumento substancial a partir dos relatórios de abril do ano passado, quando houve a entrada dos três novos membros.
De um mês para o outro, esse volume cresceu de 8,5 milhões de ações e 524,7 mil bônus de subscrição para 37,3 milhões de ações e 820,6 bônus de subscrição. Não foram registradas ordens de compra ou posse que justificassem o crescimento da posição.
Embora o montante supere qualquer posição de investidor individual, entre os membros do conselho, apenas o fundador da Biomm, Walfrido Mares Guia Neto, aparece como investidor relevante nos documentos da empresa, com 7,25 milhões de ações. Nenhum dos novos membros aparece na lista.
A quantidade, no entanto, se aproxima da reportada pelo conselho ao somar as ações de Mares Guia Neto com as detidas pelo fundo Cartago, do Master. De acordo com o último formulário de referência, de 26 de novembro, Walfrido e Master tinham juntos 42,64 milhões de ações da Biomm, enquanto o conselho havia reportado 42,48 milhões de ações, considerando os bônus de subscrição.
Desde a entrada do Master no corpo de acionistas relevantes da Biomm, a empresa recebeu quatro pedidos de esclarecimentos da CVM a respeito das negociações atípicas. Em todas as ocasiões, a companhia justificou que, devido à baixa liquidez, os preços dos papéis são mais sensíveis e que as decisões de compra e venda por parte de seus acionistas podem resultar em uma “volatilidade inesperada”.
Procurada pelo NeoFeed, a Biomm disse que “possui composição acionária pulverizada, e as negociações de ações fazem parte da dinâmica normal da bolsa. Toda e qualquer alteração relevante na composição acionária é divulgada ao mercado por meio de Fatos Relevantes”.
E completa: “a empresa não tem acesso à identidade dos cotistas de fundos investidores, e a identificação de acionistas segue a legislação e normas de privacidade. O quadro acionário completo está disponível no Formulário de Referência na CVM e no site de Relações com Investidores da empresa”.
Também procurada pelo NeoFeed, a WNT informou que “participou do aumento de capital realizado pela Biomm à época e, por essa razão, passou a constar entre os acionistas”. “Vale ressaltar que não indicou qualquer membro para o conselho ou para a diretoria. Posteriormente, deixou a gestão do fundo e não mantém mais posição ou vínculo com companhia”.
A CVM disse que “acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário. A autarquia não comenta casos específicos”.
No pregão de quarta-feira, 10 de dezembro, as ações da Biomm fecharam em queda de 4,13% na B3. No acumulado do ano, a desvalorização é de 13,27%. A farmacêutica está avaliada em R$ 1,22 bilhão. Com isso, a participação do Master vale R$ 315,4 milhões.