Nos últimos dois anos, o Fleury deixou claro que não estava disposto a economizar em seu plano de consolidar um modelo de negócios além da medicina diagnóstica, com a entrada no que classifica como novos elos – oftalmologia, por exemplo – e a criação de uma plataforma digital de saúde.

Na execução dessa estratégia, a empresa desembolsou mais de R$ 1 bilhão em aquisições desde abril de 2021. Somente no ano passado, foram cinco acordos, com destaque para a fusão com o Hermes Pardini, que ainda aguarda a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

A lógica de construção desse ecossistema segue em pauta no Fleury. Entretanto, os M&As, principal caminho adotado até aqui para concretizar essa aspiração, devem perder espaço nessa estratégia. Ao menos no curto prazo.

“Nós vínhamos em um hit rate bastante importante de M&A em 2022, mas o cenário mudou”, disse José Filippo, CFO do Fleury, em conferência com analistas na manhã desta sexta-feira, 17 de março. “Isso não quer dizer que não possamos fazer aquisições, mas seremos, obviamente, mais seletivos.”

O executivo ressaltou que, no ano passado, enquanto seguia bastante ativo nesse espaço, o grupo tinha como uma de suas metas trabalhar com uma alavancagem, medida pela relação dívida líquida/Ebitda, em um patamar máximo próximo de 2 vezes.

“Nós enfrentamos hoje um contexto de custo de capital diferenciado, que aumentou, em função da questão dos juros”, observou. “Dessa forma, entendemos que deveríamos ser mais conservadores nesse aspecto e mirar uma alavancagem mais próxima de 1 vez.”

Nessa direção, em 8 de dezembro do ano passado, o Fleury concluiu uma operação de aumento de capital no valor de R$ 847,3 milhões. E encerrou 2022 com uma alavancagem de 1,2 vez, contra 1,7 vez, no trimestre anterior, e 1,3 vez, um ano antes.

A dívida líquida no período ficou em R$ 1,4 bilhão, uma redução de 30,4% sobre o terceiro trimestre de 2022. Mesmo destacando o fato de ter alcançado uma estrutura de capital mais confortável, Filippo observou que a estratégia inorgânica terá menos foco nesse momento.

“Claro, não vamos deixar de analisar oportunidades que possam agregar nosso plano estratégico de crescimento e de montagem de portfólio”, afirmou. “Mas vamos priorizar uma alavancagem um pouco mais baixa e maior liquidez exatamente para enfrentar esse cenário mais desafiador.”

Jeane Tsutsui, CEO do grupo, também reforçou esse novo posicionamento mais cauteloso no plano das aquisições e deu mais detalhes de quais serão as aplicações prioritárias de recursos no decorrer do ano de 2023.

“Essa estrutura de capital mais robusta é uma oportunidade de mantermos nossa estratégia de crescimento orgânico”, observou. “Tanto em medicina diagnóstica, em marcas como Campana, quanto em novos elos.”

Em 2022, nessa frente orgânica, o Fleury contabilizou a abertura de 18 unidades de medicina diagnóstica e também em segmentos como ortopedia, oftalmologia e infusões de medicamentos. A estratégia também incluiu reformas e expansões em unidades já existentes.

“Já abrimos mais duas unidades Campana esse ano e mais de Vita em São Paulo”, ressaltou a executiva. “Também entramos organicamente em Teresina, no Piauí. Nossa visão é dar sequência e continuar capturando mercado.”

No ano passado, outro destaque dessa estratégia foi a estruturação do novo núcleo técnico operacional da marca, em São Paulo. Com o projeto, a área dedicada passou de 4,6 mil metros quadrados para 8,5 mil metros quadrados, o que, na prática, irá triplicar a capacidade para 120 milhões de exames por ano.

Tsutsui também reservou espaço para fazer alguns comentários sobre outra estratégia iniciada em 2022 e que promete ter grandes reflexos a partir desse ano: a combinação dos negócios do Fleury com o grupo Hermes Pardini, que, caso seja aprovada, irá demandar um grande esforço de integração.

“Estamos seguindo com todo cuidado para não ter nenhuma questão com o Cade, mas já temos times das duas empresas focados em planejar essa integração”, afirmou. “De tal forma que, quando tivermos a aprovação e fizermos o closing, possamos ser rápidos e capturar as sinergias.”

Copa e sazonalidade

Entre outubro e dezembro, o lucro líquido do Fleury recuou 56,3% na comparação com igual período de 2021, para R$ 31 milhões. No ano consolidado de 2022, também houve queda, de 12%, para R$ 307,9 milhões.

A receita líquida no trimestre teve um avanço de 9,5%, para R$ 1,1 bilhão, e, em 2022, de 15,1%, para R$ 4,8 bilhões. O Ebitda trimestral ficou em R$ 232,7 milhões, um desempenho 11,2% inferior em relação ao mesmo intervalo de 2021. No ano, a alta foi de 12,7%, para R$ 1,1 bilhão.

Nos últimos três meses de 2022, a margem Ebtida foi de 20,9%, contra 25,8%, um ano antes. O grupo encerrou o exercício com uma margem Ebtida anual de 26,7%, um recuo de 61 pontos base em relação a 2021, quando o indicador mostrou o patamar de 27,3%.

O grupo atribui a piora em parte dos indicadores ao impacto da realização da Copa do Mundo e a retomada da sazonalidade das festas de fim de ano, fatores que reduziram os dias de atendimento a clientes.

Em relatório, o Credit Suisse ressaltou que os resultados operacionais foram importantes para fazer frente a questões como a elevação das taxas de juros e endividamento adicional da operação, em virtude das aquisições, componente que foi amenizado com o aumento de capital. Mas ressaltou:

“É cedo para dizer se a queda de volume no quarto trimestre versus o terceiro trimestre foi limitada à sazonalidade ou pode incluir também uma normalização progressiva da frequência nos diagnósticos”, escreveram os analistas Maurício Cepeda e Pedro Caravina, com recomendação neutra e preço-alvo de R$ 16 para a ação.

Os papéis do Fleury estavam sendo negociados com queda de 0,81% por volta das 13h. No ano, as ações do grupo, avaliado em R$ 5,4 bilhões, registram uma desvalorização de 4,7%.