No próximo dia 16 de abril, a Eternit completa seis anos do deferimento do pedido de recuperação judicial pela 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central da Comarca de São Paulo. A boa notícia para os credores é que a fabricante de telhas de fibrocimento se aproxima de concluir esse longo capítulo da sua história.
“O edital da assembleia de credores, que acontece em maio, deve sair em breve. Estamos acelerando a nossa saída da RJ, o que vai facilitar muito a nossa vida”, diz Paulo Roberto de Oliveira Andrade, CEO da Eternit, em entrevista ao NeoFeed.
O que deixa Andrade confiante é a recuperação financeira da companhia. A Eternit voltou a ser uma empresa geradora de caixa. No ano passado, por exemplo, o Ebitda recorrente foi de R$ 118 milhões, a receita líquida de R$ 1,13 bilhão e o lucro líquido de R$ 127,2 milhões. “Hoje temos Ebitda positivo para todos os nossos produtos”, diz ele.
O fim da recuperação judicial é o primeiro dos três grandes problemas que o management da Eternit quer concluir este ano. E ele tem um objetivo claro: ter um ganho significativo em termos de custo financeiro.
Em fevereiro deste ano, a empresa contraiu um empréstimo de R$ 16,9 milhões com o Banco Fibra. Com prazo de quatro anos, a Eternit conseguiu uma taxa de CDI+5,28% ao ano, com carência do principal por seis meses. O encerramento da RJ pode reduzir esse prêmio de risco da companhia.
“Eu não tenho prazo para pagamento de fornecedor e, na parte de funding, tenho apenas meia dúzia de bancos que trabalham comigo, que cobram taxas mais altas e exigem garantias um pouco além da normalidade. Vai me dar mais gás”, diz o CEO da Eternit.
Outro fator importante é a volta do investidor institucional. A RJ é um entrave para muitos fundos de investimento de longo prazo, que ficam impossibilitados de investir em razão dos seus estatutos. E a empresa quer esse investidor de mais longo prazo.
Com 98,8% das ações em free float, o maior acionista da companhia é o D+1 Fundo de Investimento em Ações, que é gerido pelo BTG Pactual Wealth Management, com 26,86% do capital. Em seguida aparecem os investidores pessoa física Lírio Parisotto e Luiz Barsi Filho com 8,09% e 5,62%, respectivamente.
O segundo ponto que o management da Eternit quer resolver neste ano é a assinatura de um acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) para evitar ações civis públicas no futuro.
A empresa ainda tem muitos processos ligados aos problemas de saúde causados pelo amianto crisotila, que era o produto-chefe da companhia e a matéria-prima da fabricação das telhas há menos de uma década.
No passado, algumas substâncias eram manipuladas de maneira pouco técnica. Assim como o amianto crisotila, o mesmo aconteceu com benzeno, sílica e até o cimento. A Eternit informa que não existem novos casos de problemas de saúde há mais de 30 anos. E, mesmo na exploração dentro das minas (hoje as telhas não usam a matéria-prima), a exploração acontece de maneira controlada.
“Temos ações que vêm do nosso passado do amianto e estamos tentando endereçar via acordo global com o Ministério Público, como muitas empresas fizeram”, afirma Andrade. “Você deixa seu passivo mais pacificado. Estamos negociando com o MPT para fechar um acordo bom para os dois lados.”
Embora não consiga evitar processos individuais, fechar esse acordo com o MPT vai dar mais segurança para a companhia, que tem quase R$ 150 milhões de provisão para esse fim no seu balanço.
O terceiro ponto importante neste ano para a Eternit é garantir a continuidade de exploração da mina de amianto. Localizada na cidade goiana de Minaçu, que faz divisa com Tocantins, a operação está sob efeito de uma liminar estadual. “Essa é mais uma variável que tira o sono do investidor”, diz Andrade.
Por dois anos, até 2020, a mina ficou fechada em razão de uma decisão da Justiça do Rio de Janeiro, que repercutiu em todo o País. Mesmo com uma lei federal que permitia explorar o amianto de forma responsável, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a decisão estadual fazia sentido.
Para garantir a operação da mina, a Eternit conseguiu uma liminar. E essa lei está sendo apreciada pelo STF. Uma decisão definitiva, calcula a empresa, deve sair ainda este ano.
“A Eternit tem um passado muito associado ao amianto, mas estamos nos dissociando. Não usamos nos nossos produtos, nas telhas, há muito tempo. Temos a mina operacional apenas para exportação”, diz o executivo.
A mina de amianto crisotila processa 200 mil toneladas por mês. Esse volume está estável nos últimos anos. Em razão desse dilema, a empresa não faz investimentos para explorar novas jazidas. Tudo o que é produzido é endereçado para o mercado externo. A Índia é a principal compradora da matéria-prima.
Pelos cálculos da Eternit, a capacidade é de mais 20 anos de exploração. Esse tempo pode até dobrar a depender da decisão da Justiça.
O negócio da Eternit
O amianto foi, durante boa parte dos 84 anos de história da Eternit, sua principal fonte de receita. Quando o minério passou a ser proibido, a empresa entrou em colapso.
Atualmente, a exploração da mina representa de 30% a 35% do faturamento anual da companhia. Os 65% a 70% restantes vêm das coberturas, ou seja, da produção das telhas que só recentemente passaram a ser, de fato, o core business.
O amianto foi substituído pelo polipropileno (a resina é adquirida da Braskem) na fabricação das telhas em uma planta verticalizada em Manaus.
Nos últimos três anos, a Eternit passou a investir no projeto de telhas fotovoltaicas para concorrer com as placas convencionais. A tecnologia de captação da energia solar fica embutida nas telhas, uma vantagem estética e um diferencial para a construção de telhados aparentes, segundo a visão da empresa.
O custo, porém, ainda é um problema. A telha fotovoltaica ainda é de 30% a 40% mais cara que a alternativa do painel. Embora ele tenha caído nos últimos tempos (chegou a ser o dobro), a Eternit quer baixar para 5% a 10% para ser competitiva. A escala vai fazer diferença.
No quarto trimestre do ano passado, a companhia inaugurou uma nova fábrica de fibrocimento, na cidade cearense de Caucaia, perto do porto de Pecém. Esse foi o primeiro investimento da empresa em mais de 50 anos, integralmente feito com capital próprio de R$ 187 milhões para atender as regiões Norte e Nordeste do País.
Ao todo, a Eternit investiu em torno de R$ 500 milhões nos últimos três anos - contando com o aporte de capital de R$ 120 milhões feito pelos acionistas na companhia.
Esse montante foi usado para a construção da nova fábrica, para a renovação das antigas unidades, que aumentaram em até 15% a capacidade produtiva, e para a aquisição da concorrente Confibra, que foi incorporada em fevereiro deste ano. Com tudo isso, a empresa produz 100 mil toneladas por mês.
“Eu tenho de vender mais. Meu acionista fez um grande investimento e estou usando 60% da minha capacidade instalada. Tento não rifar preço, mas preciso utilizar meu ativo. Estamos trabalhando agora em uma segunda marca”, afirma Andrade.
Com valor de mercado de R$ 450,1 milhões, a ação da Eternit acumula queda de 12,1% no ano e de 14,6% em 12 meses. O endividamento líquido é de R$ 126 milhões, para uma alavancagem de 1,07 vez no fim do ano passado. A empresa tem espaço no balanço para atuar de forma mais agressiva, mas prefere ir com cautela nos seus planos.
Nos próximos 50 dias, a agenda corporativa da Eternit está cheia de compromissos. Na manhã desta terça-feira, 9 de abril, a empresa convocou os acionistas para votar nos conselheiros e escolher o presidente do board, atualmente ocupado por Fausto de Andrade Ribeiro, que foi CEO do Banco do Brasil de 2021 a janeiro de 2023. Não é esperada nenhuma grande mudança, ao contrário do que a empresa busca conseguir ao espantar seus três grandes fantasmas.