O mundo mal se acostumou com os seguidos recordes nas últimas semanas do mercado de ouro - reflexo da busca intensificada por proteção em meio à inflação persistente, déficits fiscais, guerras tarifárias e tensões geopolíticas – e a prata já desponta como opção nessa corrida em direção ao porto seguro dos investimentos.
Na terça-feira, 14 de outubro, a prata atingiu recorde histórico no mercado de Londres, onde costuma ser negociada, chegando à cotação de US$ 53 a onça, superando o recorde anterior de 1980 e acumulando uma valorização de mais de 85% em 2025.
A forte alta foi impulsionada por uma série de fatores, que incluem desde a escassez de produção, passando pelo apetite de investidores, que veem o metal branco como ativo mais barato do que o ouro — cujo preço, nove vezes mais elevado do que o da prata, também atingiu uma nova máxima na terça-feira, de US$ 4.179 a onça troy, elevando seus ganhos no ano para 59% —, e com demanda de setores como o de eletrônicos e painéis solares.
A disparada do preço da prata na terça, porém, foi catalisada por um evento específico: uma escassez sem precedentes no mercado físico de Londres, operado pela London Bullion Market Association (LBMA), a entidade responsável por definir os padrões de pureza, negociação e liquidação para os metais preciosos negociados no mercado de balcão londrino.
Estoques em níveis historicamente baixos geraram um prêmio de até US$ 2 por onça em relação aos contratos futuros da Comex (Commodity Exchange), a principal bolsa de futuros e opções dos Estados Unidos para metais preciosos como ouro, prata, cobre e alumínio.
A falta de liquidez levou comerciantes a recorrerem a medidas incomuns, como o transporte aéreo de barras de prata entre continentes — prática normalmente reservada ao ouro.
“O metal está no lugar errado, foi para Nova York”, alertou Adrian Ash, corretor da BullionVault, plataforma online de compra e venda de ouro e prata. A relutância dos detentores em movimentar prata diante da incerteza tarifária contribuiu para o aperto no mercado europeu.
A escassez também elevou as taxas de arrendamento da prata em Londres para mais de 30% ao mês, encarecendo drasticamente o custo de manter posições vendidas. O fenômeno se espalhou para outros metais preciosos, como platina e paládio, que também registraram altas expressivas.
A valorização da prata está intimamente ligada ao desempenho do ouro, que já vinha atingindo recordes sucessivos. Com o ouro ultrapassando US$ 4.179 a onça, investidores migraram para a prata como alternativa mais acessível. Esse movimento de “transferência segura” é típico em momentos de estresse financeiro.
Além disso, tensões comerciais entre os EUA e a China, ameaças à independência do Federal Reserve e a paralisação do governo americano (o famoso shutdown) impulsionaram a demanda por ativos considerados portos seguros.
A proposta de tarifas adicionais sobre produtos chineses e a investigação da Seção 232 do governo americano sobre minerais críticos — incluindo prata — agravaram o deslocamento de estoques para Nova York, dificultando o abastecimento em Londres.
Demanda industrial
Outro fator ajuda a transformar a prata em um metal que disputa mercado com o ouro.
Diferentemente do ouro, a prata possui forte apelo industrial. Com excelente condutividade elétrica, é essencial na fabricação de painéis solares, veículos elétricos e semicondutores. Mais de 50% da prata vendida em 2025 foi destinada a esses setores, segundo estimativas do mercado.
A produção limitada — já que a prata é extraída como subproduto de outros minérios — não acompanha o ritmo da demanda, gerando déficits consecutivos há cinco anos. Em 2025, a escassez projetada é de 187 milhões de onças.
O Bank of America elevou sua meta de preço para a prata em 2026 de US$ 44 para US$ 65 por onça, citando déficits persistentes, lacunas fiscais e juros mais baixos. Ou seja, a prata deve continuar a registrar oscilações acentuadas, mas sustentadas por fundamentos sólidos.
Combinando o papel de ativo financeiro e commodity produtiva, a prata se consolida como protagonista nos mercados de metais preciosos, refletindo não apenas a busca por segurança, mas também a transformação industrial e energética global - o que explica o apelido de "ouro com esteróides", como o metal é definido por traders.