Maior empresa de delivery de refeições do mundo, a chinesa Meituan não tem economizado para expandir suas fronteiras. E o mercado brasileiro, um dos seus próximos destinos e onde o grupo projeta um investimento de R$ 5,6 bilhões, é uma das provas desse apetite.
Em paralelo a esses planos de expansão, que prometem acirrar a concorrência nos países em que a empresa desembarcar, a gigante asiática começa a enxergar problemas dentro de casa, com a ascensão de rivais em seu mercado doméstico.
É o que mostra uma entrega, em particular, do seu balanço do segundo trimestre, divulgado nesta quarta-feira, 27 de agosto. No período, a Meituan reportou um lucro líquido de 365,3 milhões de yuans (US$ 51,1 milhões), o que representou uma queda de 96,8% sobre o mesmo intervalo de 2024.
Nessa mesma base de comparação, o Ebitda ajustado recuou 81,5%, para 2,78 bilhões de yuans (US$ 388,8 milhões). Já a receita registrou alta de 11,7%, para 91,84 bilhões de yuans (US$ 12,8 bilhões), abaixo das projeções do mercado, que apontavam para 93,6 bilhões de yuans.
Na esteira desse “desapontamento”, as ações da empresa fecharam o pregão em Hong Kong em queda de 3,08%. No ano, os papéis acumulam uma queda de 23,7%, dando ao grupo um valor de mercado de 710,2 bilhões de yuans (US$ 99,2 bilhões).
A companhia atribuiu o desempenho bem aquém do esperado a uma “competição irracional”, que teve início justamente nesse trimestre e foi marcada por uma guerra de preços. O que, segundo a empresa, fez com que o lucro operacional dessa operação na China recuasse 75,6%.
O grupo não citou nomes. Mas quem entrou em seu caminho e interrompeu um longo período de lucros robustos foram dois players locais, não menos gigantes: o Alibaba, por meio da plataforma Ele.me, e a JD.com, que têm ofertado descontos agressivos para atrair clientes em seus serviços de delivery.
No saldo desses embates, as três empresas investiram bilhões em subsídios aos consumidores e na contratação de entregadores nos últimos meses. O que gerou um alerta dos reguladores chineses, que chamaram a atenção para a “concorrência desordenada” e a “guerra de preços autodestrutiva”.
Após essa chamada, o trio se comprometeu a colocar um pé no freio nessa estratégia. Os números recentes parecem desmentir, porém, essa intenção. A JD.com, por exemplo, também reportou uma queda de 51% em seu lucro trimestral. O Alibaba divulga seu balanço no fim desta semana.
Promessas à parte, analistas entendem que, nesse front, quem tem mais a perder é a Meituan. Isso porque, para a empresa, o delivery é o carro-chefe. Já para os seus rivais, o negócio é uma porta de entrada para um ecossistema muito mais amplo de ofertas.
Em uma tentativa de ampliar suas fortalezas, a empresa tem acelerado a expansão da Keeta, seu braço internacional. A plataforma desembarcou neste mês no Catar e tem a perspectiva de avançar em outros países da região em breve.
Esses esforços também carregam, porém, um custo. No balanço divulgado hoje, a Meituan ressaltou que os investimentos em expansão internacional ampliaram o prejuízo operacional em sua frente de novas iniciativas, que registrou uma perda de 1,88 bilhão de yuans (US$ 262,9 milhões).
Trincheira internacional
Ao mesmo tempo, a gigante chinesa também já enfrenta problemas com rivais nessa frente da expansão internacional. E o Brasil, onde ainda não desembarcou oficialmente – o início da operação está previsto para o quarto trimestre – é um exemplo do que está acontecendo nessa trincheira.
No País, essa disputa está movimentando os tribunais. Na semana passada, a empresa denunciou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que a 99Food, serviço de delivery da 99, vem usando uma cláusula de banimento da Keeta ao estabelecer relações comerciais com restaurantes.
“A ilegalidade da referida cláusula é evidente tanto sob o viés concorrencial, quanto sob o viés do direito civil, considerando que a 99Food age em evidente abuso de direito e viola os mais básicos princípios que regem as relações privadas no Brasil, a exemplo da boa-fé”, diz um trecho da denúncia.
Entre outros pontos, o documento foi acompanhado de cópias de supostos contratos que a 99Food está estabelecendo com restaurantes, nos quais veta a possibilidade dos estabelecimentos firmarem acordo com a Keeta.
Os termos da denúncia foram os mesmos que a empresa protocolou, há duas semanas, em uma ação no Foro Central de São Paulo. Nesse processo, a Keeta pede a suspensão imediata das supostas cláusulas de bloqueio impostas pela concorrente e a proibição de sua inclusão em futuros contratos.
Segundo a ação, a 99 já teria abordado mais de 100 redes no País, oferecendo pelo menos R$ 900 milhões em pagamentos antecipados, vinculados à assinatura desses contratos. “Esse valor é quase equivalente aos R$ 1 bilhão que a Didi (dona da 99) anunciou para reiniciar a 99Food”, frisa a Keeta.
Além desse processo, a empresa chinesa já havia protocolado outra ação acusando a 99 de concorrência desleal e uso indevido de marca, a partir da compra, no Google Ads, de palavras-chave com o termo Keeta e correlatos.
A companhia alega que, ao pesquisar essas palavras, o consumidor visualiza anúncios patrocinados da 99Food, deslocando o resultado orgânico da Keeta para posições inferiores no serviço de busca.
Na ação, a companhia teve deferido na última terça-feira, 12 de agosto, o pedido de concessão de tutela de urgência para que a rival cesse imediatamente essa prática, sob pena de multa diária mínima de R$ 20 mil, além do pagamento de indenização por danos morais de R$ 100 mil.
Alvo dessas investidas da Meituan, a 99 contra-atacou. A empresa também recorreu à Justiça alegando que a Keeta imita elementos distintivos da marca 99, incluindo o design da plataforma 99Food.
O documento aponta semelhança na combinação de cores, estilo das fontes e uso de elementos gráficos, como os dois “ee’s” invertidos que formariam um efeito semelhante ao número 99.
Enquanto as duas rivais escalam essa briga, o iFood, que domina cerca de 80% desse mercado no Brasil, também vem reforçando sua “artilharia” diante da perspectiva de uma concorrência mais acirrada.
No início de agosto, a empresa controlada pela Prosus divulgou que planeja investir R$ 17 bilhões no Brasil para o ano fiscal que vai de abril de 2025 até março de 2026. O montante representa um crescimento de 25% sobre o valor aportado no exercício fiscal anterior.