No mundo das idtechs, como são chamadas as empresas que atuam no setor de identificação digital, duas companhias costumam dominar o noticiário: unico e idwall. Com aportes milionários, acabaram virando as queridinhas de investidores e se tornaram onipresentes em assuntos como biometria facial.
Correndo por fora nesse ambiente, está uma gigante com mais de 60 anos, presença em 16 países, que certifica mais de dois milhões de documentos como RGs e CNHs por mês e tem capital aberto na B3. Eis a Valid Soluções, que agora deve pisar no acelerador para buscar as concorrentes nesse mundo digital.
“A companhia estava tão focada em ter grandes contratos na área governamental que acabou não fomentando dentro de casa os pequenos embriões que poderiam ter dado uma vertical de negócio no mundo privado, que a unico e a idwall acabaram desenvolvendo”, diz Ivan Murias, CEO da Valid, ao NeoFeed.
Chamado, em setembro de 2020, para fazer um turnaround na Valid, ele colocou em prática um ambicioso plano de reestruturação e foco no “core” do negócio. E, há três trimestres consecutivos, vem batendo recorde sobre recorde. “Estamos numa situação financeira melhor que nos permite olhar para outras empresas e empreendedores e trazer para jogar do nosso lado”, diz Murias.
Isso significa colocar uma máquina de M&A para funcionar. “Emitindo mais de 2 milhões de documentos por mês, há muitas soluções na nossa cadeia que poderiam ficar muito melhores com o volume que temos.” E prossegue. “Se uma empresa vem atuar dentro do meu ecossistema, ela vai ficar muito grande e melhor.”
A situação financeira que Murias diz permitir a empresa olhar para outros caminhos é justamente a sua desalavancagem medida pela dívida líquida/ebitda. Há 18 meses ela era de 3,6 vezes e agora, no primeiro trimestre deste ano, alcançou 1,6 vezes. Isso se deve, principalmente, pelo crescimento de sua geração de caixa.
No primeiro trimestre, a Valid atingiu uma receita líquida de R$ 580 milhões, uma alta de 18,4% em relação ao mesmo período do ano passado. O ebitda, por sua vez, chegou em R$ 103 milhões, 68,5% a mais do que no primeiro trimestre de 2021 e 2,4% a mais do que no último trimestre do ano passado. Na última linha do balanço, entretanto, anotou um prejuízo de R$ 18,1 milhões por conta da variação cambial de empréstimos contraídos no exterior.
Do total das receitas da Valid, cerca de 18% vêm da área de identidade, no qual faz CNH e RG; 23% de banking, com a fabricação de cartões de plástico para bancos e fintechs; e o restante das receitas vem da área de telecom, com a distribuição de chips, no Brasil e exterior.
Apesar de ser uma “notória desconhecida” do grande público, a companhia está presente na vida de milhões de pessoas. Cerca de 6 milhões de documentos são emitidos pela empresa a cada trimestre: 60% dos RGs e 80% das CNHs de todo o Brasil.
Em telecomunicações, a companhia faz aproximadamente 80 milhões de SIM Cards por trimestre. A empresa tem clientes como T-Mobile, Vodafone, Telefonica, America Movil, entre outras gigantes do setor.
Em cartões, a disputa entre neobanks e incumbentes tem beneficiado a Valid. No primeiro trimestre, a companhia emitiu 17 milhões e Murias diz que, mesmo com Pix e a digitalização, ainda há muito espaço para crescimento. “Nos Estados Unidos, a média de cartões por wallet é de 14,4. No Brasil, é de 5,4 e tudo leva a crer que devamos chegar a aproximadamente 8 ou 10”, diz o executivo.
O crescimento das operações casa com a mudança de mentalidade e otimização da companhia. Antes da chegada de Murias, a Valid contava com três fábricas: uma no Rio de Janeiro, outra em São Bernardo do Campo (SP) e uma grande planta em Sorocaba.
“Desativamos duas e concentramos toda a nossa produção em Sorocaba, uma unidade com 70 mil metros quadrados”, diz ele. Foi um projeto de payback entre 12 e 18 meses, representando entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões de ganho por ano por fábrica.
Perto do resultado da companhia, não é um número estrondoso. “Mas é justamente o somatório de pequenas ações que acabaram fazendo com que nesses últimos três trimestres apresentamos resultados históricos”, diz Murias. “Essa é uma ótica bem varejista”, diz o executivo que trabalhou em companhias como Walmart, C&A, Iguatemi e Tok&Stok.
O enxugamento da companhia também aconteceu nos investimentos realizados pela Valid em startups. Das cinco investidas, a empresa se desfez de suas participações em duas delas, a fintech BluePay, pela qual tinha desembolsado R$ 3,9 milhões, e na agtech Agrotopus, onde investiu R$ 6,5 milhões. “Não eram empresas que faziam parte do nosso core.”
O top management também foi trocado. Dos sete principais executivos que estavam, quatro novos chegaram e três foram mantidos. “Foi importante mesclar as pessoas com experiência no grupo com pessoas com um novo olhar”, diz Murias. A Valid conta com 5 mil funcionários no mundo e, desse total, 3,5 mil estão no Brasil.
A correção de rota foi necessária porque a empresa estava andando de lado e perdendo o bonde da inovação. “Como a empresa sempre teve contratos grandes e volumosos, ela era uma companhia mais preguiçosa de olhar para as pequenas coisas que se somam”, diz o CEO da Valid.
O mercado, entretanto, ainda não enxergou essa mudança. É o que se nota ao olhar o preço da ação da companhia, avaliada em R$ 685,6 milhões na B3. Em setembro de 2020, quando Murias assumiu, ele era negociado a R$ 10,21, em setembro de 2021 a R$ 9,18 e hoje encerrou o pregão valendo R$ 8,68.
“No começo desse ano, tivemos um pico de 50% valorização. Na nossa visão, essa também é uma leitura do mercado que os recordes trimestrais vão dando confiança e esse seria o novo run rate da companhia”, diz Murias. “Mas com a bolsa caindo não estamos imunes a esse fluxo.”