A perspectiva de início do afrouxamento monetário em 2026 deve começar a corroer o “ímã” que atraiu o fluxo de investimentos para a renda fixa. No entanto, as eleições e a situação fiscal do País ainda representam obstáculos para uma recuperação mais robusta, sobretudo na renda variável.
“A queda de juros traz várias mudanças nos fluxos de investimentos que estamos vendo hoje, predominantemente focados em operações indexadas ao CDI”, disse Marcio Verri, CEO da Kinea Investimentos, na manhã de terça-feira, 28 de outubro, durante o NeoConference 2025. “Juros altos são um ímã para a renda fixa.”
Nesse cenário, classes com risco um pouco mais elevado devem voltar ao radar dos investidores, após anos em que fundos de crédito privado e títulos isentos foram os “queridinhos” do mercado de capitais.
Quem pode finalmente começar a ver o cenário se desanuviar é a renda variável. Apesar dos recordes recentes, com o Ibovespa subindo mais de 22% e superando os fundos de renda fixa, essa classe de ativos ainda não retomou o fluxo de outros anos, segundo Gilson Finkelsztain, CEO da B3.
Segundo ele, o movimento atual está mais relacionado ao fato de o valuation das companhias brasileiras ter atingido “o fundo do poço”, puxado pelos investidores estrangeiros, que ainda estão “tímidos” em comparação com os últimos anos.
“Nos últimos dois anos, cerca de R$ 500 bilhões da indústria local saíram da renda variável e migraram para a renda fixa, e esses recursos ainda não voltaram”, afirmou Finkelsztain. “Apenas 5% dos recursos da indústria de mercados de capitais estão atualmente alocados em renda variável, enquanto a média histórica é entre 11% e 12%.”
Uma queda mais acelerada da Selic representaria um catalisador para a retomada da renda variável e de outras classes de ativos, como os multimercados. Mas as eleições de 2026 colocam uma interrogação sobre a capacidade de recuperação do mercado.
Para Finkelsztain, o que todos querem ver é como o tema das contas públicas e o cenário fiscal será tratado — ponto central para permitir uma queda acentuada da Selic, algo que não está no cenário atual.
“O ponto crucial para o futuro do país é que os candidatos, independentemente de quem vença, apresentem um plano para enfrentar o problema fiscal, visando o controle das despesas. Sem isso, o Brasil não conseguirá crescer de forma sustentável com juros mais baixos”, disse.
Uma proposta fiscal sustentável pode abrir caminho para encerrar a seca de quatro anos de IPOs na Bolsa. Diferente do último ciclo de abertura de capital, em que a liquidez abundante levou ao mercado empresas despreparadas, a expectativa é de que a retomada seja liderada por companhias já estabelecidas.
Para os painelistas, chegou ao fim a era do “múltiplo de receita”, em que o crescimento acelerado importava mais do que a rentabilidade, gerando prejuízos aos investidores.
“Após quatro anos sem IPOs, há empresas grandes e maduras, muitas delas investidas por private equities, prontas para listar. Diferente do passado, quando não sabiam como alocar o capital recebido, as companhias de hoje usarão os recursos do IPO para reduzir dívidas, tornando o processo mais sustentável e previsível”, disse Verri.
Enquanto a queda da Selic não se concretiza, o Brasil conta com a “sorte” de sua imagem não ser tão negativa quanto a de outros mercados. Questões fiscais, antes exclusivas do país, agora são um problema global, segundo o CEO da Kinea.
Ele destacou ainda a importância que o Brasil dá à agenda multilateral e à robustez da economia, com regras claras e atrativas para os investidores estrangeiros.
“O País possui reservas em dólar e uma conta corrente sustentável, o que o diferencia de outros, como a Argentina. Com disciplina fiscal, o Brasil tem potencial para atrair um volume significativo de recursos, essencial para financiar projetos de infraestrutura”, afirmou.