Na última década, a escalada dos dispositivos móveis, em particular, os smartphones, trouxe consigo uma transformação radical no comportamento dos consumidores e, por consequência, nos produtos e serviços ofertados por empresas dos mais variados segmentos da economia.
Mais recentemente, os rápidos avanços da inteligência artificial, na esteira dos modelos generativos, sugerem que esse novo boom tecnológico carrega o potencial de provocar o mesmo impacto gerado pela mobilidade.
Nessa discussão, há quem, de fato, enxergue conexões entre as duas ondas. Mas que, ao mesmo tempo, entenda que a inteligência artificial generativa possa superar a sua antecessora. Esse é o caso de Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza.
“O potencial de disrupção da inteligência artificial é infinitamente superior ao que foi a do mobile. É extremamente revolucionário”, disse Trajano, no painel de abertura do NeoSummit Inteligência Artificial, evento do NeoFeed, realizado na quarta-feira, 25 de junho.
“O ChatGPT levou 17 meses para atingir 800 milhões de pessoas e 90% do seu uso é fora dos Estados Unidos. A internet demorou 23 anos para isso”, complementou ele. “Todos os gráficos e o volume de empresas se movimentando não deixam dúvida que a IA pode ser mais disruptiva que a própria internet.”
Um tom semelhante foi adotado por Alberto Griselli, CEO da TIM. O executivo destacou o “legado” das mudanças trazidas pela mobilidade, como o desenvolvimento da estrutura por trás dessa evolução e a explosão de conexões em áreas como a internet das coisas, para ressaltar o potencial da IA generativa.
“A história tende a se repetir e a IA vai transformar tudo em cima dessa infraestrutura. E quem não participar vai ficar para trás”, disse Griselli. “Como empresa, de um lado, somos habilitadores dessa onda. E, de outro, nosso objetivo é capturar parte dessa criação de valor que vai nascer.”
É justamente sob esse último ponto, porém, que Trajano enxerga diferenças – e riscos - em relação às transformações impulsionadas pelos dispositivos móveis. Em particular, no que diz respeito às empresas e atores que mais se beneficiarão nessa nova onda.
“A minha dúvida é se as startups vão capturar essa disrupção, como foi no mobile”, disse Trajano. “Existe um risco de concentração política, econômica e tecnológica gigante. E, se nada for feito, pouquíssimas empresas vão capturar esse valor.”
Nesse ponto, ele citou que companhias como a OpenAI, a dona do ChatGPT, estão tendo acesso a dados de companhias para alimentarem seus modelos de IA. Essas mesmas empresas, por sua vez, precisam pagar cifras elevadas para terem acesso a essas ferramentas.
“Você não só está doando seu dado como está pagando um valor significativo, em dólar, para treinar esses modelos. E depois, ainda paga pela utilização”, afirmou Trajano. “Não há uma regulação no Brasil. Então, existe uma ausência muito preocupante de soberania estatal e corporativa nessa questão.”
A alternativa que começa a ser usada com maior escala pelo Magazine Luiza é a adoção de modelos open source para treinar seus próprios modelos. Especialmente em aplicações que não demandam tanta rapidez para serem colocadas em execução.
“Ainda estamos colhendo resultados concretos de nossos investimentos em IA não generativa, em áreas como supply chain, reposição de estoque e modelos de crédito”, disse o CEO. “Mas temos um próximo ciclo de IA generativa, com muita coisa para ser lançada no segundo semestre.”
No caso da TIM, após uma primeira onda de adoção nas frentes de atendimento ao consumidor e à antecipação de problemas em equipamentos e redes, o uso da IA também está avançando para novas etapas.
No atendimento, por exemplo, as chamadas dos clientes começam a ser analisadas por recursos de IA, que já sugerem, em seguida, a resposta a ser dada pelo atendente. Até então, segundo o executivo, a operadora já vinha capturando uma redução de duplo dígito no tempo e nos custos nessa área.
As duas empresas – na figura de Griselli e Trajano – também têm paralelos no que diz respeito ao papel que os CEOs devem exercer em meio ao ganho de escala e de adoção da inteligência artificial generativa.
“Nós já tínhamos uma série de iniciativas, mas, em 2022, a adoção da IA na TIM mudou de patamar”, disse Griselli. “E meu papel na época foi botar ela no centro da estratégia e ser sempre um patrocinador muito forte desse tema.”
Trajano, por sua vez, ressaltou que costuma evitar alguns burburinhos tecnológicos – como o metaverso e as criptomoedas, e que é preciso saber escolher bem e separar os sinais dos ruídos. Mas que, em outros casos, como o mobile e, agora, a IA, é preciso adotar uma outra postura.
“Eu sabia que o e-commerce e o mobile iam revolucionar, por isso entramos de cabeça e estávamos certos. E com a IA não vai ser diferente”, afirmou o CEO do Magalu. “Então, meu papel é o que eu chamo de CEO pastor. Eu preciso evangelizar, deixando claro que isso não é opcional. É mandatório.”