Brasília - O projeto que fixa um teto para a dívida bruta da União foi retirado de pauta pelo senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR) depois de alertas da equipe econômica.
Alertado sobre os riscos de levar o País à moratória, Guimarães preparou uma fórmula própria para estabelecer limites de gastos do governo.
Em entrevista ao NeoFeed, o parlamentar explica como tirou do projeto - e, assim, do teto da dívida - as operações compromissadas do Banco Central e as obrigações de estados e municípios. A ideia, segundo ele, é preservar as funções da autoridade monetária.
A partir dessas duas exclusões, a dívida atual do País que está acima de 76% cairia para 64%, portanto, distante do teto de 80% que Guimarães quer estabelecer.
“O governo teria ainda um bom espaço para se ajustar e fazer as reformas que precisam ser feitas no nosso País”, diz o senador, que é ex-presidente do Grupo Positivo e ex-reitor da Universidade Positivo.
O parlamentar fez elogios ao trabalho do Banco Central (BC) e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, na semana passada, disse que o texto não trará melhores resultados, pois o governo já tem regras para assegurar a estabilidade das contas públicas.
Para a equipe econômica, o BC poderia ficar limitado à venda de títulos para administrar liquidez bancária e que pode comprometer controle da Selic, além de gerar "problemas graves" à política monetária e à estabilidade financeira.
“Foi muito bom que os técnicos do BC tenham colocado as preocupações, mas o relatório não mexerá na política monetária, mas, sim na fiscal”, afirma o senador.
“A intenção é colocar um limite que dê ao governo tempo para se estruturar”, complementa.
O senador vai protocolar o texto final na segunda-feira, 29 de setembro. Mas acredita que o debate se estenderá ao longo do mês de outubro em razão de pedidos de vista e sugestão de audiências públicas - que, segundo ele, serão muito bem vindas.
O texto tem caráter terminativo no Senado e, caso seja aprovado, não precisa passar pela Câmara dos Deputados. E também não depende do aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Como foram recebidas as críticas do ministro Haddad e dos técnicos do Banco Central ao texto inicial sobre o teto da dívida?
O projeto estava ainda em elaboração quando começaram a surgir algumas preocupações. Foi muito bom que esses técnicos colocassem as suas preocupações, notadamente no que diz respeito às operações compromissadas, às reservas e ao funcionamento do Banco Central. Eu sempre tive muita clareza que esse projeto não é um projeto que está sendo discutido porque eu quero ou porque o autor do projeto, o senador Renan Calheiros, quer. Isso está sendo discutido porque está previsto na Constituição Federal, no artigo 52, inciso 6, que é uma obrigação do Senado fixar esse limite da dívida do governo. Esse limite já foi fixado para municípios e estados. É uma obrigação constitucional do Senado fixar por uma resolução esse limite.
O projeto não pode ser visto como política partidária?
Não é algo que se esteja pensando como política partidária ou política de governo. É uma política é uma política de Estado, seja quem for o próximo ao presidente da República, seja de direita, seja de esquerda, seja de centro, ele estará sujeito a essa regra econômica. É um freio para o tamanho da dívida.
"Isso está sendo discutido porque está previsto na Constituição Federal que é uma obrigação do Senado fixar esse limite da dívida do governo"
Como assim?
Ninguém pode dever infinitamente, porque se alguém pudesse ter uma dívida infinita, tudo estaria resolvido, não é? Imagine um prefeito, por exemplo, que pudesse fazer uma dívida tão grande quanto ele quisesse, sem limite. Ele poderia dar uma casa para cada eleitor, ele poderia colocar as ruas calçadas com paralelepípedos de ouro. Enfim, ele poderia fazer o absurdo. E evidentemente que não é assim.
Esse debate é antigo, inclusive.
Sim, lá atrás o senador José Serra fez um projeto que não andou. E agora o senador Renan Calheiros ressuscitou esse projeto e me deu a relatoria. Eu redigi um substitutivo. Estou tendo todo o cuidado de preservar as funções do Banco Central. Eu não quero, de forma alguma, interferir com a política monetária. Eu acho que o Banco Central do Brasil é um dos melhores bancos centrais do mundo. Faz muito bem o seu papel e eu não vou criar nenhuma dificuldade. Nem operações compromissadas nem na questão das reservas cambiais, nem coisa nenhuma.
Em outras palavras, o Banco Central fica livre?
Vou deixar o Banco Central livre para fazer o bom trabalho que ele faz. O objetivo desta resolução é interferir na política fiscal. Não é na política monetária. É fazer com que o governo tenha um prazo, também não é assim de hoje para amanhã, ele vai ter um prazo.
E qual é esse prazo?
Não há um prazo formal. Eu não consigo dizer com exatidão se é de 5 anos, se é de 10 anos. Esse prazo vai depender das variáveis macroeconômicas. E depende da atitude do governo.
A responsabilidade fiscal adiaria o projeto?
Se o governo começar a fazer superávit primário, que seja mínimo, ganha a confiança do mercado e, automaticamente, a taxa de juros baixa. Baixando a taxa de juros, a evolução da dívida é mais a longo prazo. Agora, se o governo insistir em fazer déficit primário e perder a confiança do mercado, o Banco Central obrigatoriamente, em função dessa política fiscal, é obrigado a manter o juro nas alturas.
Mais uma vez, culpa do governo.
Às vezes se culpa o BC pela alta taxa de juro. Mas quem entende de economia sabe muito bem que o BC só faz refletir sobre os problemas da política fiscal, porque se o governo joga muito dinheiro no mercado, aumenta muito a liquidez, faz muitas benesses sociais, é claro que você vai ter mais inflação. Você vai ter uma diminuição da taxa de desemprego, que é uma coisa boa, mas acaba sendo sempre um voo de galinha, porque não se sustenta.
"Às vezes se culpa o Banco Central pela alta taxa de juro. Mas quem entende de economia sabe muito bem que o BC só faz refletir sobre os problemas da política fiscal"
O projeto tem esse compromisso?
Se a inflação começa a disparar e o Banco Central é obrigado a colocar o juro lá em cima, vai chegar num ponto em que podemos cair. É a famosa dominância fiscal, que seria muito grave. Então, esse limite que nós estamos colocando não é para paralisar o governo daqui a um ano, dois anos. É para dar um alerta para o governo: "Olha, existe uma parede, você está dirigindo o carro. Tome cuidado, não vá bater o carro contra essa parede".
Qual vai ser o limite?
Estou criando um conceito de dívida em que eu libero totalmente os títulos que existem para as operações compromissadas. Se eu tirar as operações compromissadas, se eu tirar a dívida dos entes subnacionais, como estados e municípios, a dívida hoje seria algo em torno de 64%.
Com o limite de 80% mantido?
Nós estaríamos colocando dentro desse conceito, excluindo compromissados, excluindo entes subnacionais, e criando um conceito de 80%. Então, o governo teria ainda um bom espaço para se ajustar, fazer as reformas que precisam ser feitas no nosso País, que são crônicas, como reforma Administrativa, como a da Previdência.
Dentro dessa fórmula, o governo ainda tem uma folga para gastar.
O governo, hoje, estaria dentro do teto. A intenção é colocar um limite que dê ao governo tempo para se estruturar. Não estamos fazendo isso para prejudicar ninguém, nem para prejudicar o governo e muito menos o Banco Central, certo?!
Então para o que é?
É para dar mais segurança ao próprio mercado. Isso vai ajudar o governo na medida que o mercado saiba que existe um limite da dívida. Que ele vai ter que tomar providências, que é o que todo mundo quer, cortar gastos e racionalizar os gastos.
E o que acontece se o governo estourar esse limite?
Ninguém vai gastar isso porque ninguém é louco. Mas, se ultrapassar o limite, o mundo não acaba. Não existe nenhuma lei que vai fazer abrir um buraco e o Brasil cair dentro. O mundo não acaba, não tem nada demais. Se ele chegar nesse limite, tem que comparecer ao Senado e apresentar um plano de como vai trazer essa dívida para dentro do limite. O Senado aprova esse plano e estamos conversados, a vida continua. Ele fica sujeito enquanto estiver fora do limite da dívida ao que diz a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
"Se ultrapassar o limite, o mundo não acaba. Não existe nenhuma lei que vai fazer abrir um buraco e o Brasil cair dentro. O mundo não acaba"
Como o senhor prevê a tramitação?
Protocolo o texto na próxima segunda [29 de setembro] e, se o presidente colocar na pauta de terça-feira [30], eu vou relatar. Mas é importante dizer que a resolução será aprovada de uma vez. Como relator, eu inicio o jogo, dou o pontapé inicial nessa bola. Daí todos os membros da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), provavelmente, podem pedir vista desse processo.
É essa a expectativa?
É um processo polêmico, tem uma série de medos, de incompreensões que precisam ser analisadas, aprofundadas. Eu, como relator, pego todas essas sugestões, analiso essas sugestões, vou certamente acatar algumas que forem lógicas, vou recusar outras que me parecerem inadequadas e o projeto vai à votação na CAE. Pode haver pedido de audiências públicas em que queiram chamar as grandes cabeças de economia do País para discutir esse assunto.
O próprio Haddad sugeriu essas audiências.
Ele sugeriu isso e pode acontecer. E, se acontecer, eu acho muito bom, acho ótimo. Quanto mais debatido, quanto mais esclarecido for esse assunto, melhor para o País. Eu não tenho nenhuma pretensão de ser o dono da verdade. Vamos discutir, vou aprender muito também, com toda humildade e vamos tentar fazer o que for melhor para o País.
Quanto estudou sobre o tema?
Eu pesquisei bastante esse assunto. Nós temos no mundo, hoje, 85 países que têm limite de dívida estabelecido. E em nenhum deles aconteceu uma hecatombe. Pelo contrário, eles têm um crescimento sustentável e vão muito bem. A União Europeia inteira tem limite para dívida, os Estados Unidos, o Canadá.
E como avalia o trabalho do ministro Haddad?
Vejo com bons olhos. Acho que ele se esforça, tem feito um trabalho muito bom no sentido de aumentar as receitas, aumentar o que o governo arrecada. Vamos esperar que não seja só no lado da receita que ele trabalhe bem, que ele ajude o governo também a cortar despesa, que é o mais importante.