Durante o ano de 2022, a Facily colocou em prática um plano de reestruturação de seu negócio. O foco estava em tentar reduzir a queima de caixa em um momento de difícil acesso a capital – ainda mais para uma companhia que parecia cada vez mais distante de se tornar lucrativa.

O cenário era desafiador. No começo de 2022, depois de captar mais de US$ 500 milhões com diferentes fundos de venture capital, a startup de social commerce via o mercado de venture capital mudar. Captar uma nova rodada, como havia sido planejado inicialmente, já não era mais viável.

Nos primeiros meses de 2022, a Facily diminuiu seu negócio em uma tentativa de arrumar a casa. Isso culminou em uma queda de mais de 90% no GMV e custou mais de 800 empregos com o fechamento de filiais e a redução da operação em São Paulo. Ao mesmo tempo, a queima de caixa caiu de US$ 30 milhões para US$ 2,5 milhões, segundo fontes.

“Quando você projeta um crescimento baseado em acesso a capital e isso não acontece, você gasta mais dinheiro do que tem”, diz Diego Dzodan, CEO e cofundador da Facilly. “Se a Facily não tivesse ajustado as despesas, dinheiro em caixa não teria sido o suficiente.”

Em entrevista ao NeoFeed, Dzodan conta detalhes sobre a reestruturação do negócio e o que espera para o futuro da empresa. A reportagem, com base em relatos de investidores e executivos familiarizados com a operação, também questionou o CEO sobre os números atuais e as perspectivas de investidores que já não acreditam mais numa recuperação do negócio. Confira:

Se a Facily não tivesse realizado as mudanças que reduziram a operação, a companhia corria o risco de não ter sobrevivido ao ano passado?
Claro. A resposta curta é sim. Quando você projeta um crescimento baseado em acesso a capital e isso não acontece, você gasta mais dinheiro do que tem. Se a Facily não tivesse ajustado as despesas, dinheiro em caixa não teria sido o suficiente. Essa foi a virada do negócio. Foram decisões difíceis, mas necessárias.

Houve resistência por parte da diretoria e dos investidores para que a Facily adotasse esse plano? A empresa havia acabado de levantar capital com um discurso de crescimento acelerado...
Tivemos apoio incondicional de nosso conselho. Foi uma crise para todos. Os investidores também estavam lidando com um mercado que derretia de uma forma inacreditável. As expectativas foram resetadas muito rapidamente pelo conselho. Sem isso, o caixa teria sido mais comprometido.

"As expectativas foram resetadas muito rapidamente pelo conselho. Sem isso, o caixa teria sido mais comprometido"

Ainda assim, o NeoFeed apurou que alguns investidores já consideram o write-off na startup. Ou seja, não acham que vão recuperar o investimento. Outros classificaram a Facily como uma “empresa zumbi”...
Temos uma lista muito grande de investidores. Não posso opinar em cada caso em particular por conta das estratégias de cada um. Mas os investidores próximos da operação, que estão no board das operações, nos dão apoio incondicional. Sobre empresa zumbi, estamos crescendo em um ritmo de dois dígitos por mês e as margens estão positivas. Não é uma empresa zumbi. É uma empresa que encontrou um espaço e que ninguém atende, que é a base de pirâmide.

Pode detalhar melhor o que você quer dizer com  as “margens estão positivas”?
No ano passado, conseguimos reverter a conta para que cada venda já pudesse pagar o custo do produto. Esse é o primeiro passo. O segundo passo era fazer com que as vendas também cobrissem os custos logísticos, o que aconteceu no fim do ano. Em 2023, os custos de marketing também foram cobertos em cada venda.

O NeoFeed apurou com pessoas familiarizadas com a operação que a redução da operação da Facily gerou uma queda de 90% no GMV. Isso procede?
A gente não fala dos números de GMV por questões competitivas. Reduzimos de forma proposital. O que importava antes era crescimento e volume. E fizemos isso, mas sem a eficiência para sustentar esse volume. Diminuímos a queima de caixa e melhoramos a eficiência. O volume era uma variável importante há dois anos. Agora o que interessa é se você tem um negócio autossustentável.

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A Facily já chegou neste estágio de ser autossustentável?
Estamos numa situação em que, com o caixa gerado todos os dias, você consegue reinvestir esse dinheiro para captar mais clientes. Esse foi o grande objetivo desta redução do GMV.

Ao mesmo tempo em que a Facily reduziu seu GMV no passado para trazer maior eficiência ao negócio, a companhia diz que cresce a um ritmo de 30% ao mês. Esse crescimento não é alto demais e vai na direção contrária do plano?
Um volume alto gera complicações na hora de trocar a forma como você coordena processos ou mudar uma tecnologia no negócio. Mas, depois que o negócio está nos trilhos e você não queima mais caixa a cada pedido, há uma mudança na dinâmica. É uma questão de economia e escala. Já há margem positiva nos pedidos, agora é preciso ter um aumento nos pedidos para pagar os custos fixos.

"Já há margem positiva nos pedidos, agora é preciso ter um aumento nos pedidos para pagar os custos fixos"

O NeoFeed apurou no ano passado que a Facily tinha dinheiro em caixa para suportar a operação até agosto de 2023. Estamos em abril. Em que nível está o caixa da startup?
No ano passado estávamos queimando mais caixa, até porque estávamos colocando a casa em ordem. O plano autossutentabilidade que estamos executando envolve fazer com que esse gasto seja compatível com a disponibilidade de capital. Com o caixa que temos, vamos muito além do ponto de breakeven.

A Facily chegou a negociar um novo aporte em 2022?
Não. Tivemos muito acesso a capital em 2021 e o mercado também está muito adverso. O caixa é suficiente para executar o plano. Não estamos procurando e nem iniciamos conversas no ano passado. Alguns fundos nos procuraram, mas não dedicamos tempo a isso.

Antes do mercado de venture capital mudar totalmente no ano passado, a Facily planejava buscar dinheiro no mercado?
Claro. Sem dúvida, esse era o plano. Sempre soubemos que a virada para a eficiência precisaria ser feita em algum momento. Em um contexto em que você tinha um acesso a capital daquela forma, aquela era a estratégia mais acertada.

Um eventual IPO ainda está nos planos da Facily?
Nossa estratégia era e continua sendo fazer um IPO. Sei lá quando o mercado vai voltar a se interessar neste tipo de situação, mas essa sempre foi a nossa meta. É o IPO que dá a uma startup o acesso a capital em outra escala e pode fazer a Facily ser uma das maiores empresas da América Latina.

Concorrentes da Facily no social commerce como Muni e Favo fracassaram no Brasil. Por que a startup não terá o mesmo destino?
Eu diria que foram três grandes fatores. Primeiro foi a questão do capital que levantamos. Se você fica sem caixa, acabou o jogo. O segundo ponto foi o modelo construído e que ataca justamente o preço e foca na base da pirâmide de consumidores. A dificuldade estava nas margens, que eram apertadas. Por fim está a escala atingida, que é muito grande e permitiu que a gente testasse modelos que outras empresas não conseguiam.

Sobre a questão logística, especialistas na área dizem que acordos emergenciais com transportadoras de grande escala, como os firmados pela Facily, tendem a ser caros demais para as empresas. Isso atrapalhou?
Eu não atribuiria exatamente à situação emergencial. O custo que pagamos, que era muito maior do que podíamos pagar, era maior porque os modelos que estavam disponíveis não podiam atingir um custo competitivo que precisávamos. Tínhamos um volume gigantesco de pedidos e a prioridade era atender o cliente. Mas fizemos isso de forma temporária enquanto construíamos os modelos certos.

De quanto foi a redução no custo de cada pacote entregue?
Hoje, o custo de cada pacote está próximo de 10% do que era anteriormente.

Como está o plano de expansão atual para novas praças?
Estamos permanentemente abrindo novas operações em diferentes cidades. Estamos em mais de 40 cidades. Neste ano chegamos em municípios como Campo Limpo, São Roque, Várzea Paulista. Também fizemos a expansão em algumas cidades que já operávamos. No Guarujá e em outras cidades do litoral paulista, por exemplo, aumentamos a nossa base de parceiros.

Há previsão para a Facily voltar a operar em outros estados novamente?
Em algum momento, vamos expandir o suficiente dentro de São Paulo. Hoje ainda há muito espaço para crescer por aqui. Precisamos fazer o crescimento mantendo a margem do negócio. Se expande muito e vamos para regiões sem densidade, a margem deixa de ser positiva. Em algum momento essa expansão vai acontecer. Sendo realista, a eficiência é prioridade ante à expansão para novas praças.

Há a intenção da Facily de mudar seu negócio para competir contra empresas como Justo, Daki, Shopper, entre outras?
Sinto que o segmento de maior renda está muito bem servido. É um modelo que funciona e há empresas bem-sucedidas e preparadas para isso. A gente cria muito mais valor em um espaço onde ninguém está focado, que é na base da pirâmide, e que provamos que temos um modelo que funciona.