Atrair atenção e recursos não é novidade para a Magic Leap. Fundada em 2011, a startup americana de dispositivos que combinam realidade aumentada e virtual já captou, desde 2014, mais de US$ 2,6 bilhões, junto a nomes como Google, Alibaba, JP Morgan, Temasek, fundo soberano da Arábia Saudita e a brasileira Globo.

Depois de reunir esse grupo de investidores de peso e de alcançar uma avaliação de cerca de US$ 8 bilhões, a companhia parece estar, novamente, próxima de uma injeção de recursos. Segundo o site americano Business Insider, a Magic Leap assinou um acordo de compromisso com uma grande empresa do setor de saúde, de nome não revelado.

A princípio, a transação incluiria um investimento de US$ 100 milhões por uma fatia no negócio. Entretanto, algumas fontes ouvidas pelo portal ressaltam que ainda há uma incerteza sobre os termos do acordo e que não está descartada a compra de toda a operação.

Se o montante envolvido é mais modesto se comparado aos cheques polpudos de outras captações da startup, o momento vivido pela Magic Leap é também muito diferente dos tempos em que a companhia se consolidou como uma das grandes promessas do setor de tecnologia.

Há duas semanas, a empresa anunciou a demissão de mais de mil funcionários. Os cortes atingiram metade do time e alcançaram todos os níveis da operação, dos profissionais no chão de fábrica aos executivos do alto escalão.

Em comunicado divulgado no dia 22 de abril, Rony Abovitz, CEO e cofundador da startup, atribuiu as medidas aos impactos da Covid-19. “Enquanto empresas de todo o mundo lutam para se adaptar a mudanças sem precedentes, nós também tivemos que examinar o modo como nossa empresa opera”, afirmou ele, em comunicado.

Abovitz também destacou que a pandemia reduziu a disponibilidade de capital e o apetite por investimentos de longo prazo. E falou sobre uma mudança de direcionamento da startup. “Devemos diminuir os investimentos em áreas nas quais o desenvolvimento tem sido mais lento”, disse, fazendo uma referência às ofertas direcionadas aos consumidores e ressaltando que o foco agora será unicamente o mercado corporativo.

Antes da pandemia

A mudança no patamar dos aportes e na estratégia da Magic Leap não está, no entanto, relacionada unicamente à Covid-19. Antes da crise, a empresa, acostumada a replicar imagens, sons e conteúdos em outras dimensões e espaços virtuais, já vinha sendo forçada a encarar, de fato, a realidade.

Apesar de todas as promessas e do burburinho criado em torno de sua operação, a verdade é que, até hoje, a startup pouco entregou. Até pouco tempo, por exemplo, a Magic Leap não tinha sequer lançado seu headset no mercado. E quando isso aconteceu, os resultados ficaram bem aquém do esperado.

Lançado em meados de 2018, o produto, batizado de Magic Leap One, chegou ao mercado com uma expectativa inicial de superar a marca de 1 milhão de unidades vendidas. Pouco tempo depois, a meta foi revisada para 100 mil headsets. E, em pouco mais de seis meses, o volume foi de apenas 6 mil unidades, segundo dados obtidos pelo site americano The Information.

Lançado em meados de 2018, o headset Magic Leap One vendeu apenas 6 mil unidades em pouco mais de seis meses

Na época do lançamento, o dispositivo chegou a ser usado pela Rede Globo dentro da grade de cobertura da Copa do Mundo da Rússia. No programa “Central da Copa”, o apresentador Tiago Leifert usava o headset e interagia, por exemplo, com jogadores virtuais. A emissora também chegou a anunciar uma parceria de pesquisas usando o equipamento.

O campo de aplicações envolve outras áreas. Em saúde, por exemplo, a startup alemã Brainlab e o Stanford Children’s Hospital fecharam parcerias para testar o equipamento em frentes como a simulação e o planejamento de cirurgias, com réplicas de tumores em 3D.

Entre outras ofertas, a Magic Leap sugere o uso do dispositivo para visualizar e interagir com modelos em 3D em campos como o design de produtos, projetos e plantas de engenharia ou mesmo a escolha de móveis em um ambiente.

O polêmico dispositivo da Magic Leap

Mas além das vendas decepcionantes, o dispositivo, que chegou às prateleiras com um preço de US$ 2,3 mil, recebeu avaliações nada animadoras de publicações renomadas especializadas em tecnologia, como os portais americanos Tech Crunch e The Verge.

Entre outras questões, os sites destacaram que havia uma “desconexão chocante entre os vastos recursos e o produto real” e que o equipamento não trazia o avanço revolucionário tantas vezes prometido. Na prática, a empresa não conseguiu satisfazer a grande expectativa criada em torno do produto.

Outros fatores contribuíram para sinalizar que a Magic Leap enfrenta problemas. Aos poucos, alguns nomes ligados à companhia foram deixando a operação. Seja nos assentos do Conselho de Administração, como foi o caso de Sundar Pichai, CEO do Google e da Alphabet, em 2018, ou mesmo em posições do dia a dia da operação, como o diretor financeiro Scott Henry e o vice-presidente de estratégia criativa John Gaeta, no fim de 2019.

Ao mesmo tempo, a empresa passou a assistir ao crescimento da concorrência com os investimentos crescentes de gigantes de tecnologia em realidade virtual e aumentada. Entre eles, Amazon, Microsoft, Apple e Facebook.

Sob esse cenário, a empresa já vinha buscando captar recursos nos meses anteriores à escalada da Covid-19. Segundo a agência Bloomberg, as opções na mesa passavam pela venda de uma parte significativa ou de toda a operação. E nesse roteiro, o objetivo da Magic Leap era levantar mais de US$ 10 bilhões. Facebook e Johnson & Johnson foram alguns dos nomes especulados como possíveis interessados.

Nesse contexto, o eventual acordo com uma gigante do segmento de saúde é visto como uma nova oportunidade para a empresa e abre caminho para que a startup concentre suas fichas em aplicações para o setor. A companhia interessada usaria os headsets da Magic Leap para procedimentos cirúrgicos e treinamentos de profissionais da área.

Sob essa nova realidade, restringir as estratégias e esforços em um único segmento também daria mais fôlego para que a empresa superasse os impactos da Covid-19 e os fiascos do passado. Especialmente em um setor que, na visão de especialistas e do próprio Abovitz, pode ampliar seus investimentos em tecnologia e em áreas como telemedicina por conta dos reflexos da pandemia.

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