A jornada empreendedora é cheia de altos e baixos – muito mais baixos do que altos. E essas pedras ao longo do caminho são “romantizadas” por aqueles que conseguem sobreviver e atingir algum sucesso.

Mas a história da brasileira Linda Lifetech, uma healthtech fundada pelos brasileiros Rubens Mendrone, Luis Renato Lui, Rodrigo Victorio e Raquele Rebello e que desenvolveu uma tecnologia barata para detecção precoce de câncer de mama, atualizou a definição da palavra resiliência. E é o mais puro suco do Brasil.

A trajetória da Linda é também um relato de como o Brasil maltrata e desperdiça os seus talentos. A ponto de, depois de quase ir a falência, a healthtech está começando a trilhar um novo caminho bem longe do País.

A Linda acaba de transferir sua sede para Toronto, no Canadá, que fica 8,1 mil quilômetros de distância de São Paulo, seu antigo endereço. A cidadania também mudou. Hoje, a empresa não é mais brasileira, mas sim canadense – assim como a sua patente.

“É uma nova vida e um novo momento”, afirma Rubens Mendrone, CEO e um dos fundadores da Linda, em entrevista ao NeoFeed. “Trouxe ânimo, fôlego e vontade de fazer a coisa acontecer.”

Essa mudança de endereço não aconteceu apenas porque a Linda tinha planos de se internacionalizar (o que é verdade). Mas principalmente porque, depois de tentar levantar capital e não receber apoio de instituições brasileiras de apoio à pesquisa para desenvolver sua tecnologia, o Canadá foi a solução para não entrar para as estatísticas de mortalidade precoce de startups.

Em Toronto, a Linda foi aceita no programa de incubação do MaRS, um dos principais hubs de inovação do Canadá. Em paralelo, a healthtech também foi selecionada no Creative Destruction Lab, a maior aceleradora do Canadá.

Essas duas credenciais abriram não só as portas para os principais institutos de pesquisa e hospitais do Canadá, como também os olhos dos investidores internacionais.

Em agosto deste ano, a Linda fez uma rodada “bridge” de US$ 100 mil, que deu recursos para chegar até o fim deste ano. Agora, a companhia está acertando os detalhes de um seed de US$ 1 milhão com fundos canadenses e americanos. “Agora, os investidores vêm conversar com a gente. Até os brasileiros têm nos procurado,” diz Mendrone.

Questionado se guarda alguma mágoa dos investidores brasileiros, Mendrone diz que isso é do jogo. E mostra o seu pragmatismo. “É para o bem da empresa, que tem o objetivo de levar saúde de qualidade e acessível para todos.”

A captação de US$ 1 milhão pode parecer pouco dinheiro. Mas, de 2017, quando a Linda foi fundada, até agora, a Linda havia levantado, no Brasil, “apenas” R$ 3,4 milhões, recursos que vieram dos próprios fundadores e de family & friends.

Um deles é Luciano Formozo, ex-CMO do Banco Original. “Conheci o projeto no PowerPoint e era óbvio que o produto é espetacular”, diz ele. “Ajudei a botar dinheiro no caixa para pagar as contas e manter o negócio vivo.”

Não que os sócios da Linda não se esforçassem na busca de investidores institucionais. De 2020 a 2022, Mendrone e Lui fizeram um périplo por mais de 200 fundos de venture capital brasileiros. E receberam não de todos eles.

“O mercado nunca estava contente com os milestones que a gente entregava”, conta Mendrone, um programador que trabalhou mais de 10 anos na IBM e teve a ideia da startup durante um hackathon na Big Blue. “Eles sempre queriam mais e o apetite para risco era nulo.”

De acordo com Mendrone, os gestores de venture capital iam, pouco a pouco, colocando mais exigência para assinar um cheque. “Eles falavam: ‘quero um protótipo’. Nós fazíamos. ‘Agora, quero um MVP’. Entregávamos o MVP. ‘Mas não tem Anvisa?’ Conseguimos a certificação. ‘E os clientes?’. Conquistamos clientes.”

Nada disso convenceu os fundos brasileiros a apostarem na empresa. “Não existe o pitch deck perfeito”, diz Lui, um publicitário que havia vendido sua agência para o grupo ABC, em 2015, e que até pouco tempo estava à frente das operações da Linda. “Existe o que o investidor que ler e ver.”

Um investidor que avaliou a Linda diz que a companhia tem um carro de corrida na mão, mas que está andando numa estrada de terra.  “A tecnologia é eficiente e funciona, mas tenho dúvidas sobre a aplicação no Brasil com a desorganização dos dados do sistema de saúde”, diz esse investidor, que pediu para não ser identificado. “Do ponto de vista de investimento, o grande problema das healthtechs é rentabilizar.”

O pulo do gato da Linda foi criar uma tecnologia simples e barata para detectar precocemente o câncer de mama. Ela consiste em um mapa térmico do local integrado a um algoritmo de inteligência artificial para interpretar objetivamente as imagens e apontar padrões suspeitos que podem representar um tumor.

Rubens Mendrone, CEO e fundador da Linda Lifetech
Rubens Mendrone, CEO e fundador da Linda Lifetech

O aplicativo, que roda em um dispositivo móvel conectado a um sensor infravermelho, processa as imagens recebidas e em poucos segundos devolve à equipe médica a indicação de padrões suspeitos em estágios iniciais que precisam ser investigados por exames complementares. “Somos o melhor exemplo daquela frase: ‘não sabendo que era impossível, fomos lá e fizemos”, brinca Lui.

O modelo de receita é o aluguel do equipamento – muito parecido com um smartphone ou um tablet rodando o sistema operacional Android – e o valor unitário por cada imagem analisada. Atualmente, está sendo usado por 14 cidades no Brasil, que somam uma população de 3 milhões de mulheres. Mais de 30 mil pessoas fizeram o exame.

O exame da Linda não substitui a mamografia, mas ajuda a detectar tumores suspeitos precocemente. Sua indicação é o de um rastreamento, evitando que mulheres façam exames sem necessidade. Segundo Mendrone, aproximadamente 80% das mamografias dão negativo e 80% das cidades não têm sequer um mamógrafo.

Os planos da Linda

Sem capital, a Linda quase foi à bancarrota algumas vezes. O momento mais crítico aconteceu no fim do ano passado. Mendrone lembra que se a companhia não conseguisse dinheiro, iria fechar. Mas, na 25ª hora, no dia 22 de dezembro, um dos investidores da rede de family & friends apareceu com um cheque de R$ 500 mil.

O recurso foi suficiente para tirar a Linda da UTI, pagar as contas e acelerar o plano de se tornar uma empresa canadense. Nessa época, ela já estava em Toronto. Mas a decisão de “imigrar” e estabelecer “residência” no Canadá aconteceu agora em 2023.

Com o dinheiro que deve entrar no caixa com o aporte, a Linda tem planos ambiciosos. O primeiro deles é ter a sua tecnologia certificada pela FDA (Food and Drug Association), agência federal americana que dá o sinal verde no quesito de medicamentos e alimentos. Com isso, poderá acessar o mercado dos EUA e do Canadá.

Ao mesmo tempo, a Linda se prepara para fazer um novo teste clínico para mostrar que sua tecnologia é segura e capaz de fazer a detecção precoce de câncer de mama.

No primeiro teste clínico com 322 mulheres em municípios dos estados de São Paulo, Paraíba e Ceará, a tecnologia da Linda mostrou sua eficácia. O estudo científico foi feito em parceria com a IQVIA e publicado, em abril deste ano, no British Journal of Cancer Research.

Nos resultados obtidos a partir da tecnologia da Linda, 12 (3,92%) foram casos suspeitos e 294 (96,08%) casos não suspeitos. Quando comparado com a mamografia, exame considerado o padrão ouro, o desempenho foi praticamente similar: 11 (3,59%) suspeitos e 295 (96,41%) não suspeitos.

O plano, agora, é fazer um estudo muito mais amplo, com 1,5 mil mulheres. E, para isso, a Linda conta com o apoio do Princess Margaret Cancer Centre, o maior hospital do Canadá em pesquisa e tratamento de câncer.