Em meio ao inverno das startups, muitas empresas tiveram dificuldade para conseguir levantar capital e tocar os seus planos de crescimento. Não é o caso da dr.consulta, rede de centros médicos focada no público de baixa renda
Em julho, a dr.consulta fez uma extensão da série D de US$ 25,5 milhões (cerca de R$ 125 milhões), em rodada liderada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e que contou com a participação da Agência Internacional de Cooperação do Japão (JICA, na sigla em inglês). Kamaroopin, do Pátria, e Lightrock seguiram o aporte.
Agora, com o caixa cheio (em agosto do ano passado, tinha levantado R$ 170 milhões), a dr.consulta começa a colocar em prática seu plano de expansão. E ele tem três pilares: aumentar a receita recorrente, avançar nos planos de saúde para empresas e crescer a rede de clínicas médicas.
“Mudamos a forma de rentabilizar esse ecossistema”, diz Renato Velloso, CEO da dr. consulta, em entrevista ao NeoFeed. “O dinheiro é para investimento em tecnologia e para avançar na estratégia B2B da companhia, tanto no cartão como no desenvolvimento de uma plataforma tecnológica robusta para o plano de saúde.”
A primeira parte da estratégia é aumentar a receita recorrente. Em fevereiro do ano passado, o dr.consulta lançou, sem muito alarde, um serviço de assinatura que oferecia descontos em consultas e exames nas clínicas da empresa a partir do pagamento de uma mensalidade de R$ 34,90.
Desde o começo deste ano, o número de usuários do Cartão dr. consulta aumentou de 138 mil para 250 mil. Com isso, a receita recorrente, que representava 5% do negócio, passou para 50%. A expectativa é terminar com 350 mil pacientes nesta frente em 2023.
Será fundamental para atingir essa meta outra estratégia que começou a ganhar corpo a partir de junho deste ano, com o lançamento de cartão para empresas. Com ele, a dr.consulta já conquistou alguns clientes com empresas com até 50 funcionários. A intenção é evoluir o produto para atender também grandes companhias.
“No ano passado, a dr. consulta mudou com sucesso seu modelo de receita de direto para recorrente e tem um modelo de assinatura único”, diz Eigo Azukizawa, diretor geral do Departamento de Parcerias e Finanças do Setor Privado da Agência Internacional de Cooperação do Japão.
O dinheiro captado também vai ajudar a crescer a vertical ligada com planos de saúde. Em 2020, a dr.consulta firmou parceria com a SulAmérica para oferecer um plano de saúde que dá acesso às clínicas e a uma rede que inclui, por exemplo, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
No fim de 2021, em outro passo neste sentido, a dr. consulta comprou uma fatia de 27,5% das ações da cuidar.me, healthtech que também opera com planos de saúde. “O que esse setor precisa é de eficiência. É preciso alinhar os interesses das empresas, dos médicos e dos pacientes nesta cadeia”, afirma Velloso.
Ao entrar neste mercado, a dr. consulta passa a competir com startups de planos de saúde. Entre as concorrentes estão Alice e Sami. A primeira já captou mais de US$ 178,3 milhões, enquanto a segunda levantou US$ 55 milhões, segundo dados do Crunchbase.
O dinheiro captado nesta rodada será também utilizado para que a companhia siga em linha com seu plano de expansão de clínicas. Em agosto do ano passado, a empresa estimou que iria abrir mais 14 unidades na região metropolitana de São Paulo até o fim de 2025.
Até agora, apenas duas unidades saíram do papel. Recentemente, a dr. consulta inaugurou uma unidade no bairro Pinheiros e está prevista a abertura de um centro na Lapa, ambas em São Paulo. Contabilizando essas duas operações, a healthtech conta com 29 centros médicos.
A expansão para fora de São Paulo não está prevista pelo menos até 2026. “Temos um mercado endereçável só no varejo que abrange mais de 10 milhões de pessoas”, diz Velloso, acrescentando que a companhia já atendeu cerca de 3 milhões de pacientes desde sua fundação, em 2011. “Para que vou sair daqui agora?”
A dr. consulta não revela dados de receita de sua operação, mas Velloso diz que no planejamento passado aos investidores, em agosto do passado, estava previsto o crescimento de cinco vezes da operação até o fim de 2025.
Em relação às finanças, a companhia informa que chegou a atingir o breakeven em 2021, mas depois voltou a investir em crescimento e exibe resultados negativos desde a metade do ano passado. “Queremos voltar a atingir o breakeven ainda neste semestre”, diz Velloso.
A captação da dr.consulta acontece em meio a uma restrição de capital. No primeiro semestre de 2023, as startups brasileiras levantaram US$ 778,1 milhões, uma queda de 63,22% quando comparado com o mesmo período do ano passado, de acordo com dados da Distrito.
Com esse resultado, os investimentos de venture capital brasileiro retornam aos patamares pré-pandemia. O último registro tão baixo aconteceu no primeiro semestre de 2017.
Mas com o início da queda das taxas de juros no Brasil, o longo inverno do venture capital começa a ficar mais brando. E, pouco a pouco, os cheques para growth começam a ser assinados.
Um exemplo é a Tractian, que atua no segmento de inteligência artificial, que levantou R$ 230 milhões em uma rodada liderada pelo fundo americano General Catalyst.
O plano de saúde para PMEs Sami também levantou R$ 90 milhões em rodada liderada por Redpoint eventures e Mundi Ventures.