Fundada em 2011, a dr. consulta popularizou o formato de clínicas acessíveis no País. Entretanto, se a empresa largou na dianteira nesse modelo, nos últimos anos, deixou de surfar a onda crescente de aportes em startups de saúde no País.

Apenas em 2021, o segmento atraiu um investimento total US$ 3,7 bilhões, segundo o hub de inovação Distrito, contra US$ 1,7 bilhão, em 2020. Em contrapartida, o último aporte captado pela companhia, de US$ 50 milhões e liderado pelo fundo americano Madrone Capital, foi divulgado em 2018.

Agora, após o hiato de mais de quatro anos, a dr. consulta está rompendo esse “silêncio”. E com um senhor cheque. A empresa acaba de anunciar a captação de uma série D de R$ 170 milhões, liderada pela brasileira Kamaroopin.

A rodada também com a participação da Madrone Capital e da Lightrock, que também já investia na operação. O captable da companhia inclui ainda nomes como Kaszek Ventures, Belfer Management, LTS Investments e nomes como Marc Benniof (Salesforce), David Vélez (Nubank) e José Galló (Renner).

“Nós estávamos procurando, sem pressa, alguém que tivesse uma visão similar de um ecossistema de saúde”, afirma Renato Velloso, CEO da dr.consulta, ao NeoFeed. “Esse namoro começou há cerca de um ano. Desde então, nós sentamos e construímos um plano de negócios de três anos.”

O tempo para que o relacionamento vingasse também foi ideal para a Kamaroopin, que tem startups como Petlove e Zenklub no portfólio. Nesse intervalo, a gestora teve 40% de sua operação comprada pelo Pátria Investimentos e o aporte na dr. consulta é o primeiro do novo fundo captado após essa associação com a gestora de private equity.

“O que nos chamou atenção foi o desejo da dr. consulta em aprofundar o seu modelo semiverticalizado de saúde e também o estágio de avanço da empresa”, diz Pedro Faria, sócio-fundador do Kamaroopin, ao NeoFeed. “Não vimos ninguém tão bem posicionado como eles no mercado.”

O modelo ao qual Faria se refere vai além daquele por meio do qual a dr. consulta se tornou conhecida. Enquanto ficou longe dos holofotes no que diz respeito a novos aportes, a empresa encorpou suas clínicas e colocou seus pés também nos segmentos de atenção secundária e terciária em saúde.

Esse pacote se traduziu em frentes como a construção de uma pegada de healthtech, fortemente baseada em um prontuário eletrônico próprio, com dados de 4,5 milhões de pacientes atendidos, e de uma estrutura com cerca de 1,5 mil médicos, mais de 60 especialidades e um leque próprio de exames.

O passo mais recente veio em dezembro de 2021, com a compra de uma fatia de 27,5% na startup cuidar.me. Com o acordo, a empresa entrou em planos de saúde e passou a oferecer acesso a atendimentos mais complexos por meio de 21 hospitais, entre eles, Samaritano e Santa Joana.

Hoje, o acesso a esse ecossistema se dá por meio de três formatos. As consultas avulsas na rede de clínicas; o cartão dr. consulta, com assinatura mensal de R$ 33 e descontos em consultas e medicamentos; e os planos de saúde, cujas mensalidades partem de R$ 69, restrito ao atendimento hospitalar, e o plano completo, cujo piso inicial é de R$ 169.

A transição não foi feita, porém, sem ruídos. O mercado chegou a duvidar do fôlego da empresa, especialmente em outubro de 2019, quando o fundador Thomaz Srougi deixou o posto de CEO e o dia a dia da operação para assumir como presidente do board, sendo substituído por Renato Velloso.

Em 2021, a dr. consulta reportou uma receita de R$ 310 milhões

Os números da companhia em 2021, no entanto, mostram que a operação está saudável. Segundo a companhia, a receita no período foi de R$ 310 milhões, com margem Ebtida positiva. E é o próprio fundador que busca uma referência global para dar uma medida do que foi erguido nesse intervalo.

“Temos um modelo híbrido, com tecnologia própria, plano de saúde, mensalidade e out of pocket (usuários sem assinatura), assim como a One Medical”, diz Srougi ao NeoFeed, citando a empresa de saúde comprada no fim de junho deste ano pela Amazon, pela bagatela de US$ 3,9 bilhões. “A diferença é que eles servem a alta renda e nossa pegada é muito mais ampliar o acesso a quem está desprotegido.”

Com o aporte e o foco de reforçar a recorrência nesse ecossistema, uma das prioridades são justamente os planos de saúde, a partir da cuidar.me. Em cinco meses do lançamento das primeiras opções, essa operação contabiliza 7 mil vidas. A projeção é fechar 2022 com mais de 12 mil beneficiários.

Para chegar a esses números, uma das novidades recentes foi o lançamento de planos voltados à pequenas empresas, na faixa média de até 29 vidas por companhia. Entre os próximos passos, já em gestão, estão a ampliação dessa faixa, até 100 vidas, e a entrada em planos corporativos.

“Já conseguimos um bom crescimento orgânico e, até aqui, atacamos nossa própria base muito timidamente”, diz Velloso. “Estamos investindo no nosso time de marketing e em CRM para começar a explorar melhor esse universo.”

Outra área que está sendo reforçada é a de tecnologia, que conta atualmente com cerca de 100 funcionários, entre desenvolvedores e profissionais de produtos. Aqui, a ideia é dar ainda mais peso a algoritmos que envolvem um escopo amplo, da definição da escala de médicos em cada unidade até a identificação de pacientes crônicos, de redução de sinistralidade e de captação e retenção de pacientes.

“Um dos pilares vai ser o investimento em personalização da saúde”, observa Bruno Tupinambá, sócio da Kamaroopin. “O plano é identificar como usar os dados individualizados e anônimos para entender o que é melhor para cada paciente e intensificar a linha de cuidados.”

Outra parte do plano de três anos inclui a expansão da rede de centros físicos de atendimento. A princípio, a projeção é sair das atuais 30 clínicas para uma base de 45 unidades nesse intervalo. O foco seguirá em São Paulo e região metropolitana.

“Nossa projeção é ampliar a receita em cinco vezes nesse período e a expansão vai seguir essa demanda”, afirma Velloso. “E com o plano de saúde, provavelmente vamos precisar de outros tipos de centros que hoje não temos na nossa base, com estruturas por exemplo, para emergências, infusões e diálises.”

Enquanto traça e executa seus planos, a dr. consulta não é a única construindo um ecossistema de olho em ganhar espaço no mercado de planos de saúde a partir de usuários hoje desassistidos pelas ofertas mais tradicionais no setor.

Entre os concorrentes nessa disputa, figuram healthtechs também capitalizadas. São os casos da Sami, que recebeu um aporte de R$ 110 milhões, do DN Capital, e da Alice, que levantou US$ 127 milhões em uma rodada liderada pelo Softbank. Os dois investimentos foram anunciados em dezembro de 2021.

Há lugar ainda para nomes como QSaúde e nomes mais tradicionais, como o Grupo Sabin que, também no fim do ano passado, comprou 100% da operação da rede de clínicas Amparo Saúde.