Depois de um 2024 com sinais de melhora, não faltam desafios para testar a resiliência do varejo em 2025. Da alta dos juros à inflação, passando pela concorrência das plataformas chinesas e, no caso das redes de moda, por questões como o câmbio e as temperaturas mais elevadas.

Um dos principais nomes nessa última prateleira, a Renner não está imune a tal cenário. Mas, para além dos fatores macro e externos, o grupo confia em uma coleção desenvolvida nos últimos quatro anos para enfrentar esse clima pouco favorável à frente.

“Estamos num cenário de volatilidade e de incerteza muito grande”, diz Fabio Faccio, CEO da Renner, em entrevista ao NeoFeed. “Mas mesmo com os ventos contrários, temos o vento a favor de tudo o que fizemos internamente.”

O que sustenta esse discurso é um número alcançado pela rede: a marca de 100% dos seus processos de lojas com digitalização. E que vem embalada por um investimento de cerca de R$ 3,3 bilhões entre 2021 e a metade de 2024, com boa parte desses recursos destinada à tecnologia e à inovação.

Nesse pacote, a Renner incluiu um estoque de ferramentas digitais, aplicativos, automação e inteligência artificial, cobrindo desde as rotinas atrás do balcão até a conclusão das compras na ponta.

“O projeto passou pela nossa retaguarda e o CD em Cabreúva (SP) até a digitalização das lojas. E envolveu muitas áreas, do time de desenvolvimento de produtos e de lojas até tecnologia e dados”, diz. “Se somarmos tudo, foi o maior ciclo de investimentos já feito na nossa história.”

Essa magnitude se reflete no leque de informações nas mãos do time das lojas, por meio de aplicativos com dados em tempo real. E que são abastecidos, entre outras frentes, por um sistema de identificação por radiofrequência (RFID).

Nesse sistema, cada produto é equipado com uma etiqueta e um microchip. Com ele, é possível saber o volume exato de cada item naquela loja e a necessidade de reposição, em caso de venda. Bem como a localização daquele modelo específico no estoque.

Há muitas outras aplicações nessa engrenagem. No backoffice, elas incluem a automação de processos como o recebimento e a remarcação de peças, a organização e o controle de estoques, a realização de inventários e a preparação de pedidos online para a retirada em loja.

Já a parte mais visível aos clientes inclui a possibilidade de concluir a compra com qualquer vendedor, em um sistema móvel; pelo próprio app da rede; ou por caixas de autoatendimento. Esse último sistema está disponível em 60% das lojas e, em algumas delas, já responde por até 40% das transações.

A inteligência artificial é outra protagonista. Seu papel nesse roteiro passa pela captura de tendências das mais variadas fontes para os times de design e criação. E vai até áreas como predição de vendas, compras e a distribuição a partir do CD de Cabreúva.

“Conseguimos saber o que desenvolver, produzir menos, trabalhar com estoques mais enxutos e o que ter em cada loja”, diz Faccio. “E num nível de assertividade e granularidade de SKU por SKU, peça por peça, tamanho por tamanho e loja a loja.”

Embora ressalte que a “fase de colheita” apenas começou, Faccio revela alguns avanços dessa onda. Entre eles, um ganho de produtividade de cerca de 40% na operação das lojas. E de cerca de 60% em processos como a reposição de produtos.

Algoritmos no front

Com esse batalhão de sistemas e algoritmos, a Renner se vê bem equipada para o combate em uma trincheira que vem desafiando os varejistas brasileiros: a concorrência com plataformas asiáticas como Shein, Shopee, Temu e AliExpress.

Nesse front, ele enxerga avanços na entrada em vigor da cobrança, em agosto de 2024, do imposto de importação de 20% para compras internacionais de até US$ 50, que ficou conhecido como a “taxa das blusinhas”.

“Quando comparamos 2024 e os anos anteriores, temos um cenário competitivo um pouco mais equilibrado”, diz. “Agora, essas plataformas pagam metade dos impostos, mas ainda falta a outra para termos isonomia e uma disputa justa.”

No grupo, 60% das lojas já são equipadas com caixas de autoatendimento

Com esse arsenal digital, Faccio entende que o grupo também está mais preparado para atravessar um cenário macroeconômico mais turbulento.

“Esse modelo nos permite ser mais eficiente e ter velocidade para responder mais rápido às variações”, observa. “Além de seguir gerando caixa e conseguir navegar bem mesmo em cenários mais incertos.”

Em um contexto mais amplo, ele ressalta que há uma crise de confiança no País, que se reflete em questões como a fuga dos investimentos estrangeiros, a alta da taxa básica de juros e, por consequência, na elevação do custo de financiamento e na correção do valuation das empresas.

“Mas eu diria que, do que se vê dos resultados das empresas, até agora, a economia real não está tão ruim quanto parece”, afirma. “No nosso e em outros casos, há companhias bastante resilientes no País.”

Em seus dados mais recentes, a Renner apurou um lucro líquido de R$ 709,5 milhões no acumulado de janeiro a setembro de 2024, alta de 57,9% sobre igual período, um ano antes. Já a receita líquida avançou 7,6%, para R$ 8,4 bilhões.

Com recomendação de compra e preço-alvo de R$ 20 para o papel, o BTG Pactual ressaltou em um relatório recente que a Renner começa a colher os resultados dos seus esforços, bem como o fato de que a competição com as plataformas internacionais está mais nivelada.

“Gostamos das iniciativas da Renner para melhorar o mix e os prazos das entregas com seu novo CD, o que deve aumentar a lucratividade e a produtividade das lojas. Na verdade, as iniciativas começaram a dar frutos e devem aparecer gradualmente nos resultados nos próximos trimestres”, destacou o banco.

Já o Santander ressaltou que o grupo deve seguir entregando bons indicadores e avanços em linhas com vendas mesmas lojas e margem bruta. Além de ganhos de eficiência, à medida que a nova estrutura de distribuição começa a ganhar escala.

Para os resultados da varejista no quarto trimestre de 2024, que serão divulgados em 20 de fevereiro, o banco, que tem recomendação de compra e preço-alvo de R$ 18 para o papel, projeta altas de 34,7% e 25,6%, respectivamente, para o lucro líquido ajustado e o Ebitda ajustado.

“Nós iremos dar mais cor sobre os números para 2025 no dia 20 de fevereiro, mas, mesmo nesse cenário de juros mais altos, não pretendemos reduzir a expansão. Ao contrário”, diz Faccio. “Vamos continuar investindo em aberturas e remodelação de lojas.”

Ele não revela a projeção de aberturas para a rede, que tem atualmente 686 lojas nas marcas Renner, Youcom, Camicado e Ashua. Mas dá algumas pistas do que deve guiar esse trajeto. “Vamos focar mais na Renner e na Youcom. E, prioritariamente, em praças novas, entre 50 mil e 150 mil habitantes.”

As ações da Renner fecharam o pregão da quarta-feira, 29 de janeiro, com queda de 0,30%, cotadas a R$ 13,39, dando à empresa um valor de mercado de R$ 14 bilhões. Em 12 meses, o papel acumula uma desvalorização de 6,2%. Em 2025, porém, registra alta de 10,4%.