Califórnia - Primeiro eles criam os mecanismos de exclusão para depois adular os que vencem esses obstáculos. A cultura americana é uma fábrica em série dos chamados underdogs, cuja tradução mais próxima seria "azarão" – que é aquela pessoa que chega desacreditada e consegue virar o jogo.
O chinês Eric Yuan, que chegou aos EUA, em 1997, aos 27 anos, sem dominar a idioma, se tornou um underdog antes mesmo de conhecer a terminologia e se reconhecer como tal.
Ainda em sua terra natal, na província de Shandong, Yuan foi profundamente impactado por uma palestra do todo-poderoso Bill Gates, fundador da Microsoft, que falava, há mais de 30 anos, sobre poder da internet.
Decidido a fazer parte do Vale do Silício, o programador passou dois anos tentando abrir caminhos em solo americano, mas teve o visto negado. Não foi uma, nem duas. Foram oito vezes.
Na nona tentativa, a porta se abriu. Com o documento em mãos, Yuan garantiu uma vaga de programador na Webex, uma empresa que trabalhava com soluções de videoconferência e colaboração em tempo real.
Ali, Yuan pacientemente escalou a escada hierárquica até chegar à liderança do time de engenharia – e permaneceu no cargo mesmo após a aquisição da Webex pelo grupo Cisco, em 2007, por US$ 3,2 bilhões.
De sua posição privilegiada, porém, o chinês conseguia ver que o produto em que trabalhava estava muito aquém de seu potencial, e a frustração aumentava à medida que os clientes reportavam feedbacks negativos.
Yuan queria repaginar o produto. Seus chefes não deixaram. Ele, então, criou a Zoom
Por um ano ele insistiu com seus superiores para que lhe deixassem reconstruir a plataforma, mas todas suas tentativas foram frustradas.
Então, em 2011, ele resolveu que não brigaria mais pelo que acreditava. Não daquela maneira, pelo menos: se a Webex estava decidida a manter as coisas do mesmo jeito, ele faria diferente – em outro lugar.
Sua carreira "solo" começou sob muitas suspeitas, já que o mercado estava cheio de grandes competidores, como Google, Skype, GoToMeeting e tantas outras alternativas gratuitas – mas que eram todas instáveis.
Plataforma paga
Foi pensando nesse último denominador comum que Yuan insistiu em sua ideia. Para ele, se existisse uma plataforma de videoconferência estável e segura, seria natural que empresas e clientes não apenas a usariam de forma padrão, mas aceitariam pagar por esse serviço tão vital em tempos hiperconectados.
Nascia assim a Zoom, criada à imagem e semelhança das crenças de seu criador. Nos primeiros passos da companhia, aliás, Yuan revelou em entrevista publicada no Medium que enviava pessoalmente um e-mail para cada usuário que cancelava o serviço.
"Um cliente um dia respondeu que eu estava usando mensagens prontas e me passando pelo CEO, e que a Zoom era desonesta. Tornei a escrever um e-mail, reafirmando que era eu quem o escrevia, e ele ainda não acreditou. Finalmente, escrevi mais uma vez e propus que nos 'encontrássemos' numa videoconferência via Zoom naquele mesmo minuto, assim ele saberia que estávamos falando a verdade", relembra.
Embora a ligação nunca tenha acontecido e o cliente tenha parado com as acusações, essa perseverança de Yuan e da Zoom fez com que a empresa chegasse, hoje, a quase 60 mil clientes – todos pessoas jurídicas, incluindo 50% do chamado Fortune 500 (grupo das companhias mais poderosas do mundo).
Ao todo, a ferramenta acumula mais de 5 bilhões de minutos mensais em reuniões. O Zoom é, por exemplo, o provedor de videoconferência para companhias como Uber, Wells Fargo, ServiceNow e GAP.
Apesar de ter uma modalidade básica, oferecida gratuitamente, com um limite de 40 minutos por chamada em grupo, a Zoom extrai seu lucro da mensalidade de assinantes.
Os membros Pro pagam US$ 14,99 por mês para chamadas ilimitadas, para um único host. Os assinantes Business desembolsam mensalmente US$ 19,99 por host, com direito a chamadas ilimitadas, e um mínimo de dez hosts. Já o plano Enterprise, que também custa também US$ 19,99 por mês por host, requer um mínimo de 50 hosts. Neste plano mais caro, a empresa oferece suporte técnico designado e armazenamento em nuvem ilimitado.
Companhias como Uber, Wells Fargo, ServiceNow e GAP usam o serviço da Zoom
Não à toa, a empresa estreou na bolsa de valores americana em abril deste ano, com uma avaliação surpreendente de US$ 15,9 bilhões –US$ 2 bilhões a mais que a também estreante Pinterest, mas com a metade do tamanho.
Suas ações, que no primeiro momento foram negociadas por US$ 62, hoje são negociadas a US$ 86, e a companhia ostenta atualmente um valor de mercado de US$ 22,9 bilhões.
Quem acompanhou de perto essa "virada" quase inesperada foi o analista da D.A. Davidson, Rishi Jaluria, que formulou uma teoria para explicar o fenômeno. “Eu acho que investidores institucionais entenderam a Zoom, sobretudo depois de avaliarem o perfil financeiro da empresa. Agora, acredito que os 'investidores de varejo', por outro lado, talvez nunca tenham valorizado a Zoom, provavelmente porque, numa primeira leitura, ela se parece muito com qualquer outra ferramenta que viabiliza a conversa de vídeo, como Skype ou Google Hangout".
Uma das poucas empresas de tecnologia de capital aberto a lançar IPO já dando lucro, a Zoom é elogiada por especialistas também pelo seu cash flow e pela balanço positiva em mais de US$ 7 milhões.
Por tudo isso, as ações desta companhia são hoje negociadas em US$ 86, mas com potencial de aumento. "O mais importante aqui é que a Zoom demonstrou seu talento para se tornar o programa 'padrão' de software para vídeos-conferências de grandes empresas", explica Jaluria. “E esse fato em si já representa o potencial de crescimento."
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