Cerveja e energia sustentável. Essa é a combinação nada óbvia que está unindo a Ambev, dona das marcas Skol, Brahma e Antarctica, com a pequena Lemon Energia, startup que desenvolveu uma forma inovadora para bares e restaurantes consumirem energia limpa.
Nesta segunda-feira, 5 de outubro, a Z-Tech, braço de corporate venture da Ambev, está anunciando um investimento na Lemon, seu quarto investimento desde a sua criação no começo do ano passado. O aporte, de valor não revelado, está sendo seguido pela Capitale Energia, que atua no mercado livre de energia.
A Z-Tech foi criada pela AB InBev, dona da Ambev, como um hub de inovação. Sua missão é digitalizar o pequeno varejo, buscando soluções para que sejam mais eficientes ou possam reduzir seus custos. Com presença nos Estados Unidos, México e Brasil, os investimentos da Z-Tech se concentram em startups que ajudem o universo que vai de bares a restaurantes e de padarias a supermercados.
“Queremos fomentar o ecossistema de pequenos e médios negócios”, afirma Roberto Guido, CEO da Z-Tech no Brasil, com exclusividade ao NeoFeed. “Com a Lemon, poucas vezes vi um alinhamento tão grande com o que a gente quer construir.”
A Lemon é uma plataforma que facilita a conexão entre a geração de energia limpa e os pequenos e médios negócios com o uso de tecnologia. “Conseguimos entregar essa energia sem qualquer investimento e sem a necessidade de instalação de placa”, afirma Rafael Vignoli, CEO e fundador da Lemon.
Como isso é possível? A Lemon conecta usinas de energia limpa de fonte solar ou eólica a rede de grandes distribuidores. Essa energia é transformada em créditos, que são descontados na conta das empresas que são clientes da Lemon. Na prática, é como se uma empresa estivesse alugando placas solares para produzir energia solar.
Com o aporte da Z-Tech, a ideia é levar essa proposta para os mais de 700 mil bares, restaurantes e supermercados espalhados no Brasil que fazem parte da rede de distribuição da Ambev.
O dinheiro do aporte será usado para investir em tecnologia e no aumento dos funcionários – são 23 pessoas atualmente e o plano é dobrar a equipe até o fim deste ano.
Antes do investimento da Ambev, a Lemon fez um teste em Minas Gerais com a distribuidora Cemig que incluiu a participação de 200 bares e restaurantes. “Conseguimos uma economia média de duas contas de energia por ano nos estabelecimentos que participaram do piloto”, afirma Vignoli.
Neste ano, a ideia da Lemon é expandir a operação em Minas Gerais, onde já conta com a parceria da Cemig. A startup já opera também em Brasília e está finalizando os detalhes para estrear no Paraná, através de um acordo com a Copel.
Em 2021, a Lemon planeja uma expansão acelerada em função da parceria com a Ambev e do aporte da Z-Tech. O plano é começar a oferecer seu serviço em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso e alguns Estados do Nordeste. A startup planeja fechar acordos com 10 distribuidores de energia.
Em um mercado altamente regulado e que necessita de pesados investimentos, como o do setor de energia, a Lemon é uma empresa “asset light”. A startup não precisa investir em usinas de geração, nem faz o trabalho de distribuição. Ela funciona apenas como um intermediário entre esses dois elos da cadeia de energia.
Por esse motivo, cobra um take rate de quem gera a energia. O pequeno comerciante que adere a energia de fonte limpa não paga nada e economiza na conta. “Nosso modelo é tão simples quanto o de um marketplace. Eu tiro toda a necessidade de investimento que os geradores teriam com tecnologia e com a operação comercial”, afirma Vignoli.
O valor da taxa não é revelada. O fundador da Lemon alega que o percentual depende de negociações com cada gerador de energia. Atualmente, a Lemon tem capacidade de 300 megawatts de energia limpa, o equivalente para atender 40 mil estabelecimentos comerciais.
O aporte da Z-Tech e da Capitale Energia é o segundo que a Lemon recebe. Em setembro do ano passado, a startup captou US$ 1 milhão em uma rodada seed que contou com a participação dos fundos Canary e da Big Bets, além de alguns investidores-anjo.
Cerveja e tecnologia
A Lemon é o quarto investimento da Z-Tech. O primeiro deles foi na Menu, um marketplace de alimentos, bebidas e produtos de limpeza. Neste atacado online estão marcas como BRF e Unilever, além de Ambev, claro.
A Z-Tech não se limita a investir em startups. Ela está também criando empresas, como é o caso da fintech Donus, que nasceu nos corredores da Ambev, no modelo conhecido com venture builder.
A Donus é uma carteira digital voltada para pequenos restaurantes e bares. No fim de setembro deste ano, a startup contratou Mauro Bizato para comandar a operação da fintech. Ele atuava como presidente do programa de fidelidade Esfera, do Banco Santander.
Outra startup que faz parte do portfólio da Z-Tech é a Get In, um aplicativo que faz reserva online. “Era um investimento que talvez fizéssemos no ano que vem”, afirma Guido. “Mas antecipamos devido a Covid e a necessidade de participar do mercado digital.”
Apesar de recente, a Z-Tech já teve um projeto descontinuado. Trata-se da Bario, um sistema de frente de caixa (PDVs) criado pela Ambev, que não deu certo e foi fechada neste ano.
Ao contrário de corporate ventures tradicionais, que buscam também um retorno financeiro no investimento, a Z-Tech tem outra visão sobre suas apostas. “Não vou buscar um evento de liquidez”, afirma Guido. “Nunca tivemos essa discussão, queremos construir um ecossistema.”
O CEO da Z-Tech também não revela os tamanhos dos cheques, nem a quantidade de recursos que tem para investir. Guido afirma que a estratégia de investimento vai desde uma participação minoritária até o controle. “Quanto mais estratégico e mais perto do core da Ambev, mais podemos buscar o controle”, diz Guido.
Não há exclusividade das startups investidas pela Z-Tech em trabalhar apenas com os produtos da Ambev. Mas, ao estar presente no ponto de venda com um serviço relevante, a cervejaria melhora sua imagem. E isso pode significar mais vendas no fim do dia.
O movimento da Ambev e de sua controladora, a AB InBev, é uma tendência no setor de cerveja, que foi acelerada pela pandemia do novo coronavírus.
“É muito importante que as cervejarias possam ajudar a criar plataformas e serviços de maneira a manter os bares operando e faturando em um momento de severa restrição e limitação”, afirma Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail.
A holandesa Heineken, por exemplo, acaba de criar uma vice-presidência digital e de tecnologia com o objetivo de acelerar seus projetos de transformação digital, que será comandada pelo executivo Celso Bica.
Um dos projetos que vão ser acelerados pela nova área da Heineken é o Heishop, um aplicativo online de compras para os clientes do grupo Heineken, como pequenos bares e restaurantes, desenvolvido em parceria com a matriz holandesa e as operações do México, África do Sul e Irlanda.
Lançado em julho de 2019, o aplicativo da Heineken, que tem uma participação de aproximadamente 20% do mercado brasileiro de cerveja, já atende os clientes do estado de São Paulo. Com a criação da nova área digital, ele deve se expandir para outros Estados, bem como ganhar novos recursos.
A Ambev, dona de uma fatia de aproximadamente 60% do mercado de cerveja no Brasil, tem também intensificado suas estratégias de se aproximar do consumidor.
Um exemplo dessa estratégia é o aplicativo Zé Delivery, que entrega cerveja gelada a preço de supermercado em até 60 minutos na casa do consumidor.
No segundo trimestre de 2020, o serviço da Ambev, que faz a entrega a partir de um bar ou de um distribuidor mais próximo do consumidor, registrou 5,5 milhões de pedidos, mais de 3,6 vezes o total de pedidos de todo o ano de 2019. O aplicativo está também em 142 cidades, que atingem 40% da população brasileira.
“As cervejarias vão ter de criar canais e pontos de contato com o consumidor final. E isso passa pelo ambiente digital, por conteúdo, por relacionamento e por entretenimento”, afirma Serrentino, da Varese Retail.
Para Guido, a criação da Z-Tech é parte dessas transformações que estão acontecendo no mundo e dentro da própria Ambev.
“Quem diria, há cinco ou seis anos, que a Ambev fosse criar uma estrutura que não é para vender mais cerveja?”, diz o CEO da Z-Tech. “Hoje, faz sentido. É quase lógico.”