Recusar uma promoção para um dos cargos mais altos de uma multinacional não é uma decisão comum. Mas, para Bety Tichauer, com quase 20 anos de carreira na Visa, foi o início de uma guinada profissional marcada por propósito e impacto social.

A virada começou em 2014, com um gesto do filho de sete anos. Ele decidiu arrecadar dinheiro para comprar uma máquina de braile para uma criança cega. Em apenas 20 dias, mobilizou vizinhos, amigos e parentes, juntando R$ 5 mil — o suficiente para duas máquinas e 25 bengalas.

Na entrega, ao ver o impacto concreto na vida do menino beneficiado, Bety teve uma constatação incômoda: “Eu tinha quase 40 anos e estava fazendo as pessoas gastarem com cartão de crédito, enquanto meu filho mudava vidas.”

Aquilo foi suficiente para incluir o trabalho voluntário em sua rotina. Mas, pouco tempo depois, quando sondada para assumir a vice-presidência de marketing da Visa, tomou a decisão que mudaria completamente a sua vida. Não só recusou a promoção, como pediu demissão.

Divorciada e com dois filhos, Bety resolveu tirar um ano sabático e, dali em diante, só voltaria a trabalhar em lugares em que tivesse propósitos claros.

A primeira parada foi na Junior Achievement Brasil, ONG global presente em mais de 120 países, que treina voluntários corporativos para levar empreendedorismo, educação financeira e preparação para o mercado de trabalho a jovens. Para isso, aceitou um salário bem menor ao que recebia na Visa.

“Nesse momento, me apaixonei pelo poder que a educação tem de transformar a vida das pessoas, de mostrar que existe uma forma de tirá-los da vulnerabilidade através do sonho, da informação”, lembrou.

Em seguida, veio a experiência em tecnologia educacional, com a edtech Descomplica, que democratiza o acesso à universidade por meio de cursos online de baixo custo e professores de alto nível.

O próximo passo foi o mais desafiador: ingressar na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, responsável por 5.300 escolas e 3,5 milhões de alunos. Sua função é coordenar 91 diretorias regionais, garantindo que dirigentes escolares tenham recursos, conhecimento e gestão para melhorar resultados. Também assumiu áreas críticas como Convivência e Segurança nas Escolas e Educação Especial.

Com base em sua história, ela sugere que profissionais não se deixem levar pelo que chama de “algemas invisíveis”, que os mantêm em empregos que não os realizam, como altos salários, bônus e status. Para Bety, dizer “não” para o caminho óbvio, muitas vezes, é o que abre espaço para uma carreira mais alinhada com o propósito de cada um.

“Se conectar realmente com o que você é apaixonado, vai fazer com que as coisas aconteçam de forma mais fluida”, aconselha.