Depois de 10 anos como presidente da Franklin Templeton no Brasil, Marcus Vinicius Gonçalves chegou a Miami neste semestre para a sua nova posição na gestora americana com US$ 1,4 trilhão de ativos sob gestão. Ele é o primeiro brasileiro a ocupar a direção comercial para o Brasil e divisão offshore Américas, que atende todas as contas de investidores não-residentes nos Estados Unidos.

Os Estados Unidos são o quarto maior mercado de investimento offshore do mundo com US$ 1,1 trilhão, segundo dados do Global Wealth Report, produzido pelo Boston Consulting Group. Estão atrás da Suíça, com US$ 2,4 trilhões, Hong Kong e Cingapura, com US$ 2,2 trilhões e US$ 1,5 trilhão, respectivamente. E a principal região para o mercado americano é a América Central e do Sul. O crescimento, porém, é mais modesto do que a Ásia em termos globais.

"Acredito que posso agregar valor fazendo a venda mais técnica, entendendo o cliente e a sua necessidade", afirma Gonçalves, em entrevista exclusiva ao NeoFeed. "Isso é uma grande tendência do mercado de distribuição aqui dos Estados Unidos. Acabou a era da venda só de produto, que se fazia só com relacionamento."

Formado em economia e direito pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado em economia pelo Insper, Gonçalves vai usar seus 22 anos na gigante americana como head da operação brasileira e diretor de canais de investimento para as Américas para desenvolver esse mercado para a Franklin Templeton, que investiu pesado nos últimos anos para ter um portfólio ainda mais completo com as aquisições das gestoras Legg Mason, Lexington Partners, O’Shaughnessy Asset Management, entre outras.

Nesta entrevista, o executivo fala sobre as grandes tendências do mercado de asset management offshore, as diferenças entre o mercado americano e o brasileiro e as apostas da Franklin Templeton nesses dois mercados.

"A combinação de poucos distribuidores para muitos gestores [no Brasil] é ruim porque gera canibalização. Por isso, estamos assistindo a uma concentração das gestoras, que também estão se tornando casas multiproduto", diz Gonçalves.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Pela sua experiência tanto em asset management no Brasil como nos EUA, quais são as diferenças entre esses mercados?
As relações com as gestoras estão mais concentradas aqui nos EUA. Ninguém quer lidar com 800 assets. As empresas, em geral, escolhem umas 20 principais e, como gestora, nosso trabalho é estar nessa lista. Um diferencial é ter todas as classes de ativos, porque se você tem uma casa monoproduto é um tempo de relacionamento perdido com apenas uma classe. Eles também querem ter acesso à nossa inteligência de mercado, nossos gestores e economistas e suas visões. E, por isso, estamos muito focados na produção de conteúdo para os clientes (empresas), que são muitos.

E como fica o Brasil?
No Brasil, as decisões são muito concentradas em poucas mãos e não temos acesso aos advisors, que é quem lida diretamente com o cliente. Então, nos limitamos ao relacionamento com bancos e corretoras. Com isso, perdemos a possibilidade de entender melhor as demandas da ponta para atender melhor as necessidades de cada um. No Brasil, se faz uma venda generalista e as gestoras não sabem quem são os advisors que estão demandando o fundo. O mercado seria muito mais aberto se esse advisor fosse, de fato, tratado como um decisor de investimento.

O mercado brasileiro vai evoluir para esse modelo dos EUA?
O mercado brasileiro deveria evoluir para empoderar os advisors, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Grande parte do nosso trabalho como grande gestora americana no Brasil é educacional para eles, mostrando o que são os produtos e o que se ganha com a diversificação.

"O mercado brasileiro deveria evoluir para empoderar os advisors, mas ainda há um longo caminho a percorrer"

Mas e a parte da concentração em poucas gestoras?
Na questão de concentração e oferta de produtos é uma mudança em curso real no Brasil. A combinação de poucos distribuidores para muitos gestores é ruim porque gera canibalização. Por isso, estamos assistindo a uma concentração das gestoras, que também estão se tornando casas multiproduto. As grandes casas independentes estão indo por esse caminho, tornando-se mais resiliente a maus momentos de mercado de uma classe específica de ativos e assim, também, ganhar mais escala.

Qual é o próximo passo dessa evolução?
O próximo grande passo de evolução é tornar as gestoras de fato um negócio. No Brasil, as gestoras ainda têm muito o perfil de dono, e não têm planos para sobreviver sem esses homens-chave. Isso não acontece nos Estados Unidos, onde as gestoras têm processos e são perenes independentemente das pessoas que estiverem lá. Isso abre espaço para as assets abrirem capital e conseguirem novas fontes de financiamento para crescer.

Qual é a importância do mercado brasileiro para as grandes gestoras americanas como a Franklin Templeton?
O Brasil sempre vai ficar no radar por causa do tamanho, mas tem grandes desafios, como a moeda volátil, o que dificulta investimentos estrangeiros. Mas é um mercado que tem um grau de sofisticação alto. Talvez um dos mais sofisticados do mundo em termos de uso de derivativos e do tamanho da indústria de multimercados, que é única no mundo, por conseguir bons retornos e relativa liquidez, diferentemente dos hedge funds americanos.

Mas existe uma barreira de entrada, não?!
Talvez a grande barreira do Brasil seja a concentração de renda no topo da pirâmide. Falta uma massa crítica de investidores de varejo classe média para investimento em fundos. Há concorrência com títulos de renda fixa, com incentivos fiscais. Além disso, o brasileiro ainda não entende o valor da diversificação. E tem razão para isso porque no Brasil o Ibovespa historicamente não é competitivo com o CDI. Mas é um processo evolutivo. Enquanto tiver a renda fixa pagando o que paga é difícil desenvolver outras classes de ativos, e ter uma conversa mais focada no longo prazo. No Brasil, ainda é difícil ver o que é longo prazo.

As gestoras brasileiras têm espaço dentro de um portfólio global?
Estamos no Brasil para o longo prazo e acreditamos no seu potencial, tanto importador como exportador de fundo. O Brasil tem excelentes gestores, que poderiam estar em qualquer lugar do mundo, mas preferem estar aqui porque tem condições diferenciadas de mercado. Vejo isso como um desperdício.

"O Brasil tem excelentes gestores, que poderiam estar em qualquer lugar do mundo, mas preferem estar aqui porque tem condições diferenciadas de mercado"

Quais são as oportunidades que a Franklin Templeton enxerga no Brasil?
Hoje, o mercado está fechado para Brasil, mas isso vai mudar e queremos disponibilizar o Brasil para o resto do mundo assim como disponibilizamos o mundo para o Brasil. Vamos tentar alavancar isso. Com sorte, essas reformas em curso podem ajudar muito o mercado de capitais. Acreditamos que somos o player para fazer essa ponte. Quando conversamos com as gestoras brasileiras sobre parcerias, elas têm interesse na nossa capilaridade mundial e se sentem confortáveis porque nós, de fato, entendemos o Brasil.

Qual é o tamanho do seu desafio em atender investidores offshore?
O desafio é continuar crescendo, sabendo aproveitar nossos diferenciais. Nos últimos anos, a Franklin Templeton fez várias aquisições de gestoras e temos no portfólio uma enorme gama de classes de ativos, e não só de fundos. Com tanta coisa, o desafio é mostrar para vários clientes, dos mais variados perfis, qual é o melhor produto para cada um. É importante frisar que aqui nos Estados Unidos essa indústria funciona visando o atacado, ou seja, nossos clientes são as empresas que vendem fundos para os clientes finais, jamais o cliente final.

Como você, um brasileiro, vai agregar nessa nova posição?
Acredito que posso agregar valor fazendo a venda mais técnica, entendendo o cliente e a sua necessidade. Isso é uma grande tendência do mercado de distribuição aqui dos Estados Unidos. Acabou a era da venda só de produto, que se fazia só com relacionamento. É preciso mostrar uma solução para o cliente. Para isso, lidar com vários centros de distribuição, o que demanda uma cooperação global da empresa para atender esse cliente. E por estar há muitos anos na casa e conhecer de perto o mercado latino-americano, entendo as demandas desse público e com quem posso buscar as soluções aqui dentro.

O que você enxerga como a grande tendência no mercado de investimento offshore?
Os investidores estão buscando cada vez mais os mercados privados. A leitura é que os investimentos alternativos vieram para ficar. O Brasil saiu na frente nisso, mas no mercado offshore como um todo está crescendo agora. Como gestora, buscamos aumentar a nossa oferta de fundos de private equity, de infraestrutura e hedge funds.

"A leitura é que os investimentos alternativos vieram para ficar. O Brasil saiu na frente nisso, mas no mercado offshore como um todo está crescendo agora"

A tecnologia entra nesse pacote de oferta?
Sim, outra grande tendência é o uso da tecnologia para tornar a consultoria de investimentos escalável. Recentemente compramos uma empresa que faz indexes customizados, que nos ajuda a construir uma carteira de acordo com as necessidades do cliente. Por exemplo, se é preciso ter exclusão de algum ativo, maior peso em alguma classe etc. E a tecnologia também está ajudando a ter a maior eficiência fiscal para cada tipo de cliente e investimento de forma customizada, o que é muito importante para esse cliente offshore.

Daqui a pouco os robôs vão ocupar esse espaço.
Estamos vendo o surgimento da indústria de robô-advisors, que é isso, um algoritmo que monta uma carteira de acordo com as necessidades, que são definidas em metas. Como se aposentar com x anos e com x milhões. Estamos também nisso entregando os cenários probabilísticos de chegar lá com cada investimento, ajudando a alcançar as metas.