A indústria de previdência privada entrou definitivamente em um jogo de rouba monte, com seguradoras reforçando estratégias de ataque e defesa para capturar recursos por meio de portabilidade, campanhas promocionais e benefícios financeiros.

O gatilho dessa mudança foi a cobrança do imposto sobre operações financeiras (IOF) nos aportes em VGBL (sigla do plano Vida Gerador de Benefício Livre), uma medida que virou o setor de cabeça para baixo.

Sem dinheiro novo entrando, o mercado passa a disputar o estoque existente - mais de R$ 1,5 trilhão em ativos. A consequência é que a captação murchou, a competição se intensificou e até os gigantes, tradicionalmente mais defensivos, foram obrigados a mudar de postura. O que antes era uma indústria impulsionada por dinheiro novo agora funciona como uma arena de redistribuição de ativos.

“Esperamos um mercado ainda mais competitivo em relação às portabilidades, e estamos fortalecendo nossas estratégias de ataque e defesa para manter a captação líquida positiva”, afirma Amâncio Paladino, diretor da XP Seguros.

Desde junho de 2025, quando o governo instituiu a cobrança de 5% de IOF sobre aportes em VGBL que ultrapassem R$ 300 mil por CPF ao ano, em uma mesma seguradora, campanhas promocionais se multiplicaram, com ofertas de cashback, prêmios, benefícios exclusivos e redução de taxas para atrair clientes dispostos a transferir seus planos.

A partir de 1º de janeiro de 2026, o limite sobe para R$ 600 mil por CPF ao ano, considerando o total aportado em todas as seguradoras. “Esse imposto em cima do valor principal é muito penalizador, travou completamente o mercado de aportes, e os clientes estão buscando outras soluções. Foi um ano muito difícil e não há perspectivas de mudança em 2026”, diz Marcelo Mello, CEO da SulAmérica Vida, Previdência e Investimentos.

A cobrança de IOF nos VGBLs interrompeu um ciclo contínuo de crescimento e levou, pela primeira vez na série histórica, a uma desaceleração relevante. O impacto é profundo porque o VGBL responde por cerca de 90% de toda a indústria.

Dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi), de outubro, mostram resgates de R$ 3,1 bilhões no mês e de R$ 4,2 bilhões no acumulado do ano, uma queda de 92% em relação a 2024. A captação bruta somou R$ 132 bilhões, recuo de 18,6% na comparação anual.

Segundo o governo, o objetivo era tributar grandes fortunas. Mas, na prática, a medida atingiu a classe média, justamente o público que sustenta o mercado de previdência privada. O motivo é que os brasileiros costumam fazer aportes relevantes apenas em eventos extraordinários de liquidez.

“Não se criou no Brasil a cultura de poupar aos poucos para o longo prazo. São eventos como herança, venda de imóvel, PLR ou programas de demissão voluntária que geram esses recursos”, afirma João Batista Ângelo, diretor estatutário da FenaPrevi.

Dados da entidade mostram que 80% dos aportes acima de R$ 600 mil são feitos uma única vez pelo segurado. Segundo estimativas da FenaPrevi, a medida pode provocar perdas superiores a R$ 500 bilhões para o setor ao longo de dez anos.

Ataque e defesa

Diante desse cenário, as seguradoras sabem que não podem contar com uma reversão do IOF no curto prazo. Para 2026, a prioridade é mostrar resultados melhores mesmo com um mercado menor. A estratégia passa a ser incentivar aportes recorrentes (o que exige educação financeira) e disputar o dinheiro que já está no sistema.

Nem mesmo a BrasilPrev, maior seguradora do País, com R$ 454 bilhões em ativos e cerca de 27% de market share, ficou de fora da nova dinâmica. Tradicionalmente focada em novos entrantes por meio do balcão do Banco do Brasil, a companhia passou a olhar com mais atenção para a portabilidade.

“Com a limitação do IOF, qualquer seguradora que queira crescer terá que se concentrar em portabilidade”, afirma Mauro Emanuel Guadagnoli, superintendente comercial da BrasilPrev. “Sempre lideramos as captações e queremos continuar.”

A seguradora está ampliando a sua prateleira, hoje com mais de 50 fundos, entre produtos da BB Asset e de terceiros, e reforçou a assessoria financeira. Em parceria com o Banco do Brasil, lançou campanhas que oferecem pontos Livelo e sorteio de viagens para quem fizer aportes até janeiro.

O Bradesco também intensificou sua atuação. A Bradesco Vida e Previdência, com R$ 365 bilhões em reservas, contratou neste ano seu primeiro influenciador digital para falar de previdência de forma mais simples, além de expandir parcerias com escritórios de investimentos.

“A briga por portabilidade se acentuou muito. Mas acreditamos que o jogo é menos sobre preço e mais sobre benefícios e relacionamento”, afirma Estevão Scripilliti, diretor da Bradesco Vida e Previdência.

O Itaú Vida e Previdência, com mais de R$ 335 bilhões em ativos, aposta na combinação entre seu grande balcão, especialistas em investimentos e experiência digital para conter saídas e avançar sobre concorrentes.

“Estamos atentos às campanhas do mercado, mas preferimos focar em relacionamentos de longo prazo”, afirma Rogério Calabria, superintendente de produtos de investimentos e previdência do Itaú.

Entre as independentes, a Icatu diversifica canais e amplia o acesso. Com mais de 150 gestores na prateleira, a seguradora reduziu o tíquete mínimo de entrada para R$ 50.

“Para ganhar o cliente, precisamos chegar até ele. Por isso, estamos ampliando parcerias com escritórios de investimentos e corretores, que já somam mais de 2 mil”, afirma Henrique Diniz, diretor de produtos de previdência da Icatu.

A XP segue estratégia semelhante, usando sua rede de assessoria e estudando campanhas específicas para 2026. “No fim, haverá compressão de margem, o que é bom para o cliente”, diz Paladino.

A SulAmérica, por sua vez, evita entrar em guerra de preços. “Não vamos disputar fee de portabilidade para intermediários. Esse tipo de incentivo pode ir contra o interesse do cliente”, afirma Marcelo Mello.

Segundo dados da Susep até setembro de 2025, as seguradoras que mais receberam portabilidades em VGBL por montante foram XP, Itaú, BTG Pactual, Bradesco e Icatu. As que mais cederam recursos foram BrasilPrev, Icatu, Bradesco, SulAmérica e XP.

Reversão do IOF?

Paralelamente, o setor mantém diálogo com a Susep, o governo e o Congresso Nacional para tentar eliminar a cobrança do imposto. O argumento central é que a medida penaliza a poupança de longo prazo da classe média e empurra recursos para ativos isentos, de curto prazo ou até para fora do País.

“Se o objetivo era arrecadar, não vai conseguir. Não queremos ajustar a regra, mas eliminá-la”, afirma Alexandre Leal, diretor técnico da CNseg.

João Batista Ângelo, da FenaPrevi, destaca que não existe no mundo um modelo previdenciário que tribute o principal na entrada e alerta para a insegurança jurídica criada pela mudança.

“Hoje é assim, amanhã pode ser diferente. Como confiar em investir por 30 anos?”, diz ele.

Mesmo assim, a indústria reconhece que precisa se reinventar. Um caminho é ampliar o acesso à classe C e educar as novas gerações para aportes regulares. Outro é desenvolver mais o mercado de PGBL, que permite dedução no Imposto de Renda e ainda tem grande espaço para crescer.