Há um consenso normalmente aceito no mercado de que uma maior facilidade de acesso aos serviços financeiros é um elemento essencial para o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Parte-se da premissa de que existe uma certa correlação, pelo menos indireta, da contribuição desses serviços na redução da pobreza e desigualdade econômica e social.
Isso pode ser visto, principalmente, a partir da sua contribuição para promoção do empreendedorismo, inclusão e educação financeira, além da melhoria nas condições básicas de acesso ao crédito, dimensões essas que possuem papel crucial na sustentação do crescimento econômico.
Se adotarmos um olhar mais atento em relação ao processo evolutivo de modernização do nosso sistema financeiro, ocorrido ao longo dos últimos anos, ficam claros alguns movimentos baseados numa agenda iniciada a partir da promulgação da Lei 12.865, de outubro de 2013.
Com pouca repercussão na imprensa à época e passados praticamente 10 anos da sua promulgação, não se imaginava que a mesma seria a semente de um processo transformacional de tamanha magnitude.
Dentre os diversos aspectos relacionados ao novo arcabouço regulatório, mereceu destaque à época um conjunto de novas atribuições concedidas ao Banco Central, que passou a deter um escopo mais amplo no seu poder de atuação junto ao mercado, indo além das instituições financeiras clássicas, a exemplo dos bancos.
O novo modelo dotou o regulador das ferramentas necessárias para promover a criação de um conjunto de normas e diretrizes, que aliadas à significativa evolução tecnológica, passaram a influenciar diretamente no processo de digitalização da nossa economia.
Foram a partir dessas mudanças que se formou o embrião para criação de uma série de novas plataformas e empresas digitais, denominadas de fintechs, que ao longo do tempo não apenas se tornaram relevantes para os consumidores, como também passaram a funcionar como importantes alavancas no processo de maior inclusão financeira e na promoção de um ambiente mais competitivo no âmbito do sistema financeiro.
Pouco tempo depois, ao final do ano de 2016, o Banco Central lançou a Agenda BC#. Iniciativa que passou a conter uma série de ações com o objetivo modernizar nosso sistema financeiro, tornando-se uma espécie de roteiro de trabalho da autoridade monetária para temas de suma importância, tais como a inclusão financeira, maior competição, transparência, educação financeira e sustentabilidade.
As alterações mencionadas ganharam uma importância inegável na sociedade, não só devido à sua inovação, mas também à sua vasta abrangência. Exemplos concretos dessa evolução são numerosos, incluindo desde a criação de bancos digitais até o surgimento de novos tipos de instituições de pagamento e carteiras digitais.
Assim como ondas evolutivas sobrepostas, todo esse processo foi fortemente impulsionado também pelo uso intensivo das novas tecnologias, culminando num novo ambiente competitivo e gerando uma colaboração inquestionável no processo de inclusão financeira no Brasil.
Em seguida, mais precisamente a partir de novembro de 2020, foram acrescentadas novas etapas de integração do sistema financeiro brasileiro, o que ampliou significativamente a capacidade das instituições participantes do SPB (Sistema de Pagamentos Brasileiro) de se tornarem interoperáveis de uma forma muito mais eficiente, conectando obrigatoriamente bancos e fintechs num mesmo ambiente.
Isso se deu graças à construção de uma infraestrutura de pagamentos instantâneos e programáveis, que posteriormente recebeu o nome de PIX e tornou-se rapidamente responsável por mais de 1/3 de todos os pagamentos realizados entre pessoas no País.
De forma complementar ao lançamento do PIX e da própria digitalização do mercado de cartões, temos observado um movimento muito mais profundo interoperabilidade do sistema financeiro, principalmente a partir das primeiras fases de implementação do Open Finance no Brasil. Projeto que já nasceu com a intenção de se tornar o maior do gênero no mundo.
Novas ondas evolutivas não param de surgir no horizonte, sendo que de um lado temos o uso crescente de novas tecnologias baseadas em inteligência artificial e blockchain e por outro, uma agenda que visa suportar o lançamento da moeda digital brasileira até o final de 2024, recentemente denominada de DREX.
Difícil será estabelecer um horizonte, magnitude ou profundidade das transformações que virão quando combinadas todas essas novas infraestruturas na sua plenitude (PIX, Open Finance e Drex).
Mas certamente novas soluções estão sendo montadas para suportar diferentes modelos de pagamentos e concessão de crédito, além de uma profunda simplificação no processo de abertura de contas digitais, formando, assim, um emaranhado de soluções e de plataformas que passarão a interligar bancos e fintechs, dentre outros participantes, criando novas camadas de experiências e inclusão financeira.
Assim, possivelmente estaríamos prestes a vivenciar uma transformação significativa nos modelos de oferta de produtos e serviços financeiros. No entanto, essa evolução é apenas a ponta do iceberg de mudanças mais profundas que estão por vir, fruto da combinação de todas essas ondas evolutivas, sobrepostas umas às outras, que certamente culminarão numa completa digitalização e tokenização da nossa economia.
É nesse cenário que aprendemos o quanto é crucial que discussões regulatórias, tecnológicas, consumeristas e de segurança cibernética sejam aprofundadas e amplamente debatidas com a sociedade, tendo sempre em mente a competição e o livre mercado como alavancas para o crescimento econômico e melhoria dos serviços ao consumidor.
Que 2023 seja um marco de início de mais essa nova etapa de mudanças, assim como foi em 2013, nos permitindo avançar numa agenda de construção de um sistema financeiro que possui todas as condições para se tornar um dos mais inclusivos, eficientes, competitivos, modernos e dinâmicos do mundo.
*Raul Moreira é conselheiro do Banco Original e da PicPay, membro das diretorias da ABECS e ABBC, membro do Comitê de Inovação e Tecnologia da Febraban e Diretor do Instituto J&F.